
Com O Globo
Há anos os estudiosos de Bob Dylan comentam sobre um caderno de anotações, visto por poucos, no qual o mestre trabalhava as letras de seu clássico álbum “Blood on the tracks”, de 1975. Pois esse caderno não só existe como faz parte de um extenso arquivo de mais de seis mil itens, recentemente adquirido pela Fundação George Kaiser Family e pela Universidade de Tulsa, revela o “New York Times”. Esse tesouro privado remonta os primeiros dias de Dylan como artista, incluindo letras, correspondência, gravações, filmes e fotografias e agora se tornará um recurso para o estudo acadêmico.
“Para antigos estudiosos o arquivo inova um sentimento familiar de assombro com a profundidade do poço da Dylanologia. Sempre há mais sob a superfície do que qualquer um poderia esperar”, diz o “New York Times”.
Dylan disse em nota oficial estar feliz por seus arquivos terem encontrado uma casa "e serem colocados ao lado das obras de Woody Guthrie e, especialmente, ao lado de todos os valiosos artefatos das nações indígenas norte-americanas". Ele acrescentou, com modéstia típica, "Para mim isso faz muito sentido, e é uma grande honra."
Com rascunhos volumosos de todas as fases da carreira de Dylan, a coleção oferece um olhar abrangente sobre o processo de trabalho de um artista conhecido por trabalhar em segredo. Clássicos dos anos 1960 cujas letras os fãs sabem de cor aparecem em rascunhos. “You know something’s happening here but you”, diz uma versão inicial de "Ballad of a Thin Man", omitindo o trecho “don’t know what it is” e a famoso fecho da canção: "Do you, Mister Jones?”.
O arquivo traz ainda centenas de fitas originais, shows inéditos, contratos que vão até o início da carreira de Dylan e outros detalhes pessoais. Há uma carteira de meados dos anos 1960 com o número do telefone de Johnny Cash e um cartão de Otis Redding; além de um telegrama de 1969 de “Peter e Dennis” (Fonda e Hopper, no caso) sobre o uso de “It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding)” no filme “Sem destino”. A resposta foi escrita por um advogado.
Com fortuna estimada em US$ 7 bilhões, George B. Kaiser, de 73 anos, é um magnata do petróleo e do setor bancário e o homem mais rico de Oklahoma. Ao “New York Times” ele disse não ser um grande fã de Dylan em si, mas sim de seu lugar na história americana. Há cinco anos, sua fundação adquiriu os arquivos de Woody Guthrie. Segundo ele, os dois acordos fazem parte da missão de sua empresa de revitalizar Tulsa.
“Portland nem sempre foi legal, Seattle nem sempre foi legal”, disse. “Uma das formas de tornar sua cidade legal é atraindo jovens talentos e esperando que alguns deles fiquem por aqui.”
A oportunidade de adquirir o material de Dylan surgiu em setembro de 2014, quando Glenn Horowitz, negociante de livros raros em Nova York, avisou a fundação de Kaiser de uma oportunidade de “importância global”. Kaiser não comenta quanto pagou pelo material, avaliado em US$ 60 milhões.
Os arquivos foram reunidos ao longo de anos enquanto Dylan e sua equipe guardava resmas de material em um depósito. Mas conforme colecionadores curiosos e instituições começavam a fazer perguntas e somas astronômicas eram pagas por manuscritos antigos — uma cópia escrita a mão de “Like a Rolling Stone” foi leiloada por US$ 2 milhões em 2014 —, eles acabaram contratando um arquivista e Horowitz.
O acesso ao material será restrito, mas para estudiosos as credenciais acadêmicas tradicionais não serão aplicadas: “Vamos aceitar acadêmicos sérioe e também pessoas conhecidas por serem Dylanologistas”, disse o reitor da Universidade de Tulsa, Steadman Upham.