Ana Clara Costa - Epoca
Presidente da Câmara durante o processo que levou à saída de Collor, o deputado estadual peemedebista diz que a tramitação do impeachment é uma das maiores demonstrações de solidez democrática
Quando o 1º vice-presidente do PMDB, senador Romero Jucá, anunciou o início da reunião do diretório nacional do partido, que marcou o rompimento com o governo na tarde de terça-feira, sentavam-se ao seu lado os componentes da mais alta hierarquia da executiva nacional da sigla. No plenário, outros tantos caciques representavam os diretórios que optaram por abandonar o governo. Mas antes de iniciar os trabalhos, Jucá chamou à mesa apenas um nome entre os presentes nas 168 cadeiras que lotavam o local: o de Ibsen Pinheiro, deputado estadual gaúcho e presidente da Câmara no processo de impeachment de Fernando Collor. Em 1993, ele foi alvo de um dossiê falso que culminou com sua cassação, durante a CPI do Orçamento. Sua ascendente carreira política foi sepultada naquele instante. Ovacionado nesta terça, Pinheiro, aos 80 anos, sentava tão ao fundo que, quando conseguiu vencer a multidão e alcançar a mesa, a leitura da moção de rompimento já havia começado. Em conversa com ÉPOCA, o peemedebista evitou posicionar-se em relação à permanência do atual governo. “Eu não decido nada. Não tenho mandato na Casa, portanto, minha opinião sobre isso é dispensável”, afirma. Porém, aposta que o Brasil que surgirá depois da votação será, incontestavelmente, um país melhor. “Seja o resultado que for, o dia seguinte será melhor. Ou será o primeiro dia de um novo governo Dilma que terá de repensar seriamente seus caminhos, ou será o início de uma nova gestão, com Temer no comando e uma possibilidade de reconstrução política do país”.
Época - O senhor considera o Brasil um país com democracia sólida?
Ibsen Pinheiro - Sem dúvida. O que estamos assistindo é ao fim absoluto daquela expressão “período democrático”. Chega de período democrático. O que estamos vivendo agora não é mais período. É constante. Mostra que as instituições vieram para ficar, e o teste para isso é justamente quando a política arbitra a crise política. É o que vemos hoje, é o que aconteceu com o governo Collor, mas não era o que acontecia antes. O histórico do Brasil era de uso da força para vencer crises.
Época - O senhor é a favor do impeachment da presidente Dilma?
Pinheiro - A minha opinião sobre essa questão não é importante para ajudar a sociedade. Eu não decido nada. Não tenho mandato na Casa. O que eu acho sobre esse tema não tem qualquer importância prática. O que eu posso dizer é que, seja o resultado que for, o dia seguinte será melhor. Ou será o primeiro dia de um novo governo Dilma que terá de repensar seriamente seus caminhos, ou será o início de uma nova gestão, com Temer no comando e uma possibilidade de reconstrução política do país. Acontecer o processo de impeachment é bom para o país. Porque se trata da arbitragem política da crise. Se o pedido não fosse apreciado, as instituições estariam abdicando da arbitragem, o que seria ruim para a democracia.
Época - Em que o processo atual se assemelha ao que o senhor vivenciou em 1992?
Pinheiro - Havia uma argumentação do governo, à época, de que a base jurídica do pedido não era suficiente para que fosse adiante. Havia um fato pequeno, a compra de um Fiat Elba. Mas o que levou à aprovação do impeachment foram situações que não continham provas. Uma delas era a entrevista do Pedro Collor e a outra, a entrevista do motorista Eriberto França. Hoje, o cenário que se desenha é semelhante. Delações, áudios. O que se escancara é sua excelência, o fato. E o fato é irreversível. Agora, há uma grande diferença entre ambos: o PT. Collor não tinha um partido com tamanha capilaridade em que se apoiar, com votos e capacidade de expressão. E isso explica porque há pessoas nas ruas a favor do PT e do governo, e, com Collor, as manifestações eram unanimemente contra. Ainda que o sentimento popular seja de oposição ao governo, numa conjugação de crise econômica, financeira, administrativa e política, há uma militância que o PT e os grupos sindicais conseguem coordenar. Justamente por ainda terem essa força que os aliados de Collor, à época, não tinham.
Época - O PT tem incentivado a militância a usar a retórica de que impeachment, hoje, é golpe. O senhor acha que a percepção de golpe por alguns estratos da sociedade pode levar à violência, caso a presidente Dilma saia do poder?
Pinheiro - Não creio. Essa retórica faz parte do enfrentamento político. Cada lado pega seu ângulo e exagera. Talvez antes do impeachment possa haver conflagração, com ânimos bastante acirrados e na expectativa de uma decisão. Mas, depois, acho difícil. Assim que passar tudo, todos vão querer voltar à normalidade. Inclusive aqueles que eventualmente forem afastados do poder e que poderão ocupar o lugar de oposição.
Época - Qual PMDB emergirá desse processo?
Pinheiro - O PMDB é um partido que protagonizou todos os momentos cruciais da democracia. Um de seus defeitos é o amplo espectro ideológico, mas essa também é sua garantia de sobrevivência. Só um partido desse tamanho e dessa composição consegue se movimentar de forma a trazer solidez política a momentos de crise. Essa vulnerabilidade do PMDB é ao mesmo tempo sua maior força.
Época - O senhor já assistiu a um vice assumir a presidência. Como avalia a forma como Michel Temer tem atuado nesse período?
Pinheiro - Existe uma diferença muito grande entre Itamar Franco e Temer. Itamar não era presidente de partido, mas apenas vice-presidente da República. No caso de Temer, ele é responsável não só pelo comando partidário, mas também pela unidade de um partido rachado. Além de ser vice. Isso exige dele muito mais do que a situação exigia do Itamar. Exige dele um protagonismo e, talvez, desgaste que o Itamar não precisava ter.