Folha de São Paulo
Na luta para tentar evitar que a Câmara abra o processo do atual pedido de impeachment em análise, Dilma Rousseff teve de jogar fora qualquer escrúpulo ético ou administrativo. Ofertar a vultosa pasta da Saúde para o PP é um gesto extremo do desespero do Planalto.
Não é nem o caso de entrar no mérito do nome sugerido para o cargo, Ricardo Barros (PP) –um obscuro ex-prefeito de Maringá cuja folha de serviços ao país pode incluir qualquer coisa, menos experiência em saúde–, no momento de emergência nacional por causa das doenças transmitidas pelo "Aedes aegypti" e outros tantos problemas que afetam a população.
Na operação comandada nos bastidores pelo chefe petista Luiz Inácio Lula da Silva, o que há na mesa são cargos e promessas. Começar entregando o mais valioso deles parece mais falta de opção tática do que, de fato, estratégia.
Isso porque há uma longa cadeia vertical de vagas a serem preenchidas nesses ministérios, que é o que interessa aos partidos médios varejando o butim doPMDB pós-desembarque. Só na Saúde, são quase 2.000 suculentos cargos comissionados de livre nomeação.
Não será um processo rápido o de substituição, e o cronograma do impeachment na Câmara está apertado. Mas o que importa para os governistas é ganhar "momento", e tirar o máximo de proveito da debandada do PMDB –que ainda tem de se provar um desembarque de seus ministros mais próximos do Planalto, o que não parece que irá acontecer tão facilmente.
Cargos em locais com atuação de ponta, como na Fundação Nacional de Saúde, podem ter utilidade eleitoral no pleito municipal deste ano. Mas também é preciso ver, e por isso o PP adiou sua convenção para decidir sobre desembarque, se as promessas de Lula serão cumpridas.
De resto, não há mais dinheiro para distribuir. O adiantamento do pagamento de emendas de bancadas, anunciado às pressas em "Diário Oficial" extra na segunda (29), é só isso: um adiantamento. Estão pagando o almoço com o dinheiro do jantar.
A jogada desta quarta (30), ainda em curso, é a reação possível contra o terremoto político da saída do PMDB da base aliada. Desembarque este que também precisa ser aferido com lupa, pois não é só de ministros que se faz um loteamento, e por ser justamente nos tais 20% de aliados remanescentes na sigla que se concentram as esperanças de Lula e Dilma para evitar a derrota na Câmara.
Vai dar certo? Nada é impossível, embora a maré política, econômica e social esteja totalmente desfavorável para o Planalto. Há o fato subsequente: sobreviver ao voto na Câmara não irá tornar o governo viável politicamente no dia seguinte, ao contrário.
Até os instrumentos estão prontos: o pedido de impeachment da OAB e a apuração das irregularidades das contas eleitorais de 2014, vitaminadas por revelações sempre à espreita na Operação Lava Jato.
É possível argumentar que um eventual governo Michel Temer (PMDB) tampouco terá tal viabilidade congressual. Mas também é visível, com a perspectiva de um governo com algum fôlego político e apoio de agentes econômicos em busca de uma saída para a crise, que todos os aliados de hoje do Planalto só esperam a melhor hora para seguir a manada e se aboletar numa nova gestão.
O etapa final do jogo está em pleno andamento. Publicamente, a Dilma sobra transformar toda solenidade oficial em um comício com claque amiga a berrar "Não vai ter golpe", para horror institucional de observadores neutros como a plateia de diplomatas convidada para a mesma arapuca na semana passada.