Advogado-geral do Senado que emitiu parecer contra o impeachment de Alexandre de Moraes é fundador de escritório de advocacia que presta serviços a empresas com processos no STF
C om o rosto parcialmente coberto por uma máscara preta, diante de microfones que brigavam por espaço para captar seu pronunciamento, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, frustrou a expectativa de milhões de brasileiros ao anunciar a rejeição do pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e assinado por 5 milhões de pessoas que apoiaram a iniciativa.
Era 25 de agosto de 2021, e o país ainda vivia sob as medidas restritivas impostas para conter o avanço da covid-19. “Determinei a rejeição da denúncia por falta de justa causa e solicitei o arquivamento do processo”, disse Pacheco, em frente ao Congresso, ao revelar que sua decisão se sustentou em um parecer da AdvocaciaGeral do Senado. Em resumo, o órgão é responsável por analisar juridicamente os pedidos de impeachment contra ministros do STF.
Como os protagonistas eram Moraes, Pacheco e Bolsonaro, ninguém procurou saber quem era o advogado-geral do Senado que servira de esteio para a rejeição da denúncia contra o ministro do STF. Thomaz Gomma de Azevedo é sócio da Lacerda, Azevedo, Villela & Fernandez Advogados (LVFA), grupo privado que presta serviços a empresas com processos em tribunais superiores, como o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Advogado-geral do Senado desde 2011, Thomaz de Azevedo fundou o LVFA seis anos depois, em 2016. De lá para cá, seu nome acumula mais de 120 processos no STF. Parte dessas ações tem como relator Alexandre de Moraes.
Segundo o Portal da Transparência, Thomaz de Azevedo tem vínculo efetivo com o Senado. A remuneração é de R$ 42,5 mil por mês. Ele ainda desfruta de pouco mais de R$ 2 mil em gratificações e cerca de R$ 1.000 em auxílios.
Três sócios de Thomaz de Azevedo no escritório de advocacia também atuam como advogados do Senado. O trio é formado por Andre Luis Soares Lacerda, na Casa Alta desde 2011, Fabio Fernando Moraes Andrade, servidor há 14 anos, e Renata Andrade de Azevedo, com cargo comissionado desde 2013. Embora nenhum dos três tenha participado da análise do pedido de impeachment de Moraes, todos eles desempenham funções idênticas no Senado. Caberia ao trio, em algum momento, emitir pareceres da mesma natureza sobre outros ministros do Supremo.
Entre a ilegalidade e a imoralidade
Juristas consultados por Oeste afirmam que há conflito de interesses no fato de Thomaz de Azevedo ser advogado-geral do Senado enquanto também atua em escritório de advocacia privado. A situação torna-se ainda mais grave ao analisar seu contexto: uma das principais funções do advogado-geral é emitir pareceres imparciais sobre os pedidos de impeachment de ministros do STF. Nesse sentido, sua isenção diante das partes envolvidas nos processos asseguraria a lisura das análises. O advogado constitucionalista André Marsiglia explica que, por serem concursados, os advogados do Senado são equiparáveis a advogados públicos — como aqueles que trabalham na União, nos Estados e no Distrito Federal. Assim, não deveriam exercer nenhuma atividade jurídica privada. “O impedimento é também ético, pois a advocacia privada pode resultar em conflitos de interesse que não condizem com a gestão pública”, afirmou.
Samantha Meyer, mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, condena a falta de ética nesse caso. “Será que o parecer de Thomaz de Azevedo poderia ser isento?”, interpelou a jurista, ao lembrar que há mais de uma centena de processos do LVFA na Suprema Corte.
“Ele não seria a favor do impeachment de Moraes, porque colocaria seu escritório numa situação difícil.”
Marsiglia e Samantha se amparam no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que em seu artigo 28 proíbe os profissionais de exercerem a advocacia em nome próprio ou de terceiros — pelo menos enquanto ocuparem cargos públicos. Oeste procurou a OAB para esclarecer o assunto, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem. Isso também se aplica ao escritório de advocacia de Thomaz de Azevedo e a Rodrigo Pacheco. OAB estéril Apesar do Estatuto da OAB, suas regras não têm força de lei. Para mudar esse cenário, o Poder Legislativo teria de elaborar propostas para vetar tais práticas na esfera pública.
Os trâmites da aprovação dos projetos seriam os habituais das Casas Legislativas: precisariam ser aceitos pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, depois dependeriam da sanção presidencial. O ex-senador Jorge Viana (PT), por exemplo, apresentou em 2014 uma proposta de emenda à constituição para proibir advogados e procuradores públicos de atuarem na advocacia privada. “Essa possibilidade gera, como consequência indesejada, a transferência e a apropriação de informações públicas estratégicas por interesses privados contra o próprio Estado, o que reafirma a incompatibilidade dessa dupla atuação e constitui clara afronta ao princípio da moralidade, baliza essencial da atuação da administração pública”, disse o petista, à época.
A proposta acabou arquivada no fim daquela legislatura. De lá para cá, nenhum projeto semelhante entrou em pauta no Senado nem na Câmara. Sob anonimato, uma jurista disse a Oeste que há lobby para preservar as regras atuais. “Eles ganham muito dinheiro”, salientou, referindo-se àqueles que trabalham como servidores públicos e como agentes privados ao mesmo tempo. Em seu pronunciamento, ainda em 2021, Pacheco disse que a rejeição da denúncia contra Alexandre de Moraes preservaria algo fundamental para o Estado de Direito no Brasil: a independência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Depois de três anos, é possível constatar o fracasso da previsão do presidente do Senado: em vez de pacificar o país, o engavetamento da denúncia ajudou a exaltar os ânimos.
Durante esse tempo, Moraes prendeu inocentes, instaurou inquéritos intermináveis, censurou a rede social mais usada pelos brasileiros e organizou um grupo de trabalho paralelo para incriminar veículos de imprensa, como a Revista Oeste.
Há aproximadamente um mês, depois da série de denúncias divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo, parlamentares da oposição entregaram ao presidente do Senado mais um dos 24 pedidos de impeachment que existem contra Moraes. Ao receber o documento, Pacheco disse aos deputados e senadores que ia encaminhá-lo para a análise da Advocacia-Geral do Senado. “Qualquer que seja a decisão, será fundamentada”, salientou, ao reproduzir o mesmo discurso de três anos atrás. Agora resta saber se o responsável pelo parecer é o advogado-geral Thomaz de Azevedo. Ou Andre Luis Soares Lacerda. Ou Fabio Fernando Moraes Andrade. Ou Renata Andrade de Azevedo.
Edilson Salgueiro, Revista Oeste