Foto: Ton Molina/Estadão Conteúdo
O comportamento do TSE nas eleições deste ano contrasta fortemente com o observado em 2022, quando Alexandre de Moraes estava à frente do tribunal
Não faltaram discussões acaloradas, trocas de insultos e divulgação de boatos. Houve até uma cadeirada e um exame toxicológico fraudado. Nada isso que o primeiro turno da campanha eleitoral deste ano fosse incomparavelmente mais tranquilo que o de 2022. A mudança se deve menos aos candidatos e seus partidários e mais ao equilíbrio da maioria dos magistrados que acompanharam a disputa. Ao contrário do antecessor, Alexandre de Moraes, a atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, falou pouco, procurou agir com imparcialidade e evitou decisões precipitadas que pudessem influenciar o resultado do pleito. “Parecia que tínhamos voltado aos tempos em que a Justiça se limitava a cumprir sua função”, diz a advogada constitucionalista Vera Chemin.
Desta vez, os poucos momentos em que o Judiciário ultrapassou suas atribuições foram protagonizados por Alexandre de Moraes. Na intervenção mais barulhenta, o ministro ordenou o bloqueio do X/Twitter, alegando que a rede social descumprira ordens judiciais. Olá,Jose 11/10/2024, 12:19 O grande perdedor - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-238/o-grande-perdedor/ 2/8 A liberação da rede só depois do primeiro turno da eleição revelou as reais intenções do ministro — e de todos os que apoiaram a ressurreição da censura. “A expulsão do X do Brasil até a data da eleição, apesar do cumprimento de todas as exigências de Moraes, era considerada uma obra-prima da genialidade estratégica do ministro — neutralizou, segundo os analistas, o terreno ‘tóxico’ sem o qual a direita não sobreviveria”, afirma J.R. Guzzo, em seu artigo nesta edição. “Foi apenas mais uma bobagem.” A morosidade demonstrada de Moraes ao lidar com o X — apresentando nova exigência a cada uma que era cumprida — contrastou com a afoiteza com que o ministro intimou Pablo Marçal, candidato à prefeitura de São Paulo pelo PRTB, a prestar depoimento em até 24 horas por uso do X durante a proibição. Para Vera, a intimação, expedida no sábado que precedeu o domingo da eleição, provavelmente interferiu no comportamento do eleitorado
“A conduta de Moraes está cheia de vícios formais”, explica a advogada. Segundo Vera, a competência para intimação seria da primeira instância, e não do TSE — muito menos do STF. A legislação eleitoral, assim como a Resolução nº 23.735/2024 do TSE, prevê em seu artigo 3º as atribuições de cada instância para apuração de ilícitos. Nos casos vinculados às eleições municipais, como o de Marçal, essa competência não é dos tribunais superiores. O comportamento do TSE neste ano contrasta fortemente com o observado em 2022, quando Moraes estava à frente do tribunal. Naquele ano, uma série de decisões expedidas pela Corte gerou insegurança eleitoral. Vera Chemin acredita que, se não fosse por essas determinações, a eleição de dois anos atrás teria sido bem mais equilibrada.
“Muitas decisões configuraram um verdadeiro ativismo judicial”, afirma. Entre as medidas controversas de 2022, destacaram-se a suspensão de um vídeo em que Bolsonaro chamava Lula de ladrão e a permanência no ar de outro, em que Lula chamava Bolsonaro de genocida. Bolsonaro também foi proibido de utilizar imagens das manifestações de 7 de Setembro, mencionar o chamado kit gay, realizar lives no Palácio do Alvorada, criticar as urnas eletrônicas e usar as cores verde e amarela em campanhas do governo. O TSE também suspendeu a monetização de quatro canais no YouTube considerados de direita e vetou a exibição do documentário Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro?, da Brasil Paralelo — decisão chancelada pela ministra Cármen Lúcia, que admitiu a volta da censura prévia, “mas só até o fim das eleições de 2022”. Veículos de comunicação não puderam informar que Lula era amigo de ditadores, como Nicolás Maduro e Daniel Ortega.
Os comentaristas da rádio Jovem Pan, por exemplo, foram orientados a esquecer termos como “ex-presidiário”, “descondenado”, “ladrão”, “corrupto” e “chefe de organização criminosa” para se referir a Lula. Além disso, foi proibida qualquer associação entre o ex-presidente e o crime organizado, assim como críticas a ministros e ao Judiciário. O primeiro turno das eleições deste ano mostrou que o ativismo judicial e o controle exercido sobre a liberdade de expressão são os grandes inimigos da democracia. Se é que houve algum tipo de fraude nas urnas em 2022, isso teve uma influência bem menor que a causada pelas interferências da Justiça Eleitoral. Desta vez, o povo votou sem medo. E a direita venceu.
Branca Nunes, Revista Oeste