quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Omissões sobre filho de Lula, maior ladrão da República, trazem incerteza a acordo de delação de ex-empreiteiro

O delator Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, omitiu irregularidades envolvendo um dos filhos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seus relatos a autoridades da Lava Jato, segundo o Ministério Público Federal, o que tornou incerto o futuro de seu acordo de colaboração.
Delator há quatro anos, Azevedo foi alvo em dezembro passado de três mandados de busca e apreensão cumpridos na fase da Lava Jato batizada de Mapa da Mina.
Essa etapa da força-tarefa apura se o sítio em Atibaia (SP) frequentado pelo petista foi comprado com dinheiro de propina da empresa de telefonia Oi, por meio de sócios de Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente. A Oi tinha o grupo Andrade Gutierrez como um de seus controladores. 
Reformas patrocinadas por empreiteiras nesse sítio motivaram a condenação do ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro. Em 2010, Jonas Suassuna, sócio do filho de Lula, comprou o sítio junto com Fernando Bittar (filho de Jacó Bittar, amigo de Lula). Ele pagou R$ 1 milhão, e Bittar o restante. 
A Lava Jato, em petição à Justiça na qual pediu os mandados de busca contra o ex-presidente da Andrade Gutierrez, afirmou que, embora o empresário tenha firmado acordo de colaboração, "nele não tratou sobre os ilícitos narrados na presente peça".
"Conforme demonstrado, foram encontradas diversas evidências de sua atuação nos fatos sob apuração", completa a força-tarefa de Curitiba.
Em 2015, o presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, e outros presos deixam o IML após realização de exame de corpo delito, em Curitiba
Em 2015, o presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, e outros presos deixam o IML após realização de exame de corpo delito, em Curitiba - Paulo Lisboa/Folhapress
Otávio Azevedo, 68, foi presidente da holding da Andrade Gutierrez, segunda maior empreiteira do país, de 2008 a 2015. Na época, além de representar o grupo, atuava no braço de telecomunicações do conglomerado, que incluía participação societária na Oi.
Ele ficou preso por oito meses, por ordem do então juiz Sergio Moro, de junho de 2015 a fevereiro de 2016, sob suspeita de pagar propina no âmbito da Petrobras. Deixou o regime fechado em virtude da negociação de sua delação.
Condenado a 18 anos de prisão em processo derivado da operação, cumpre ainda uma série de compromissos com a Justiça, que incluem a apresentação de relatórios periódicos de atividades e a prestação de serviços comunitários.
Na fase da Lava Jato deflagrada em dezembro de 2019, a força-tarefa liga a atuação de Azevedo junto à Oi ao repasse de milhões de reais à empresa Gamecorp e outras firmas relacionadas ao filho de Lula.
A equipe de investigadores tenta esmiuçar a aplicação pela tele de R$ 132 milhões nessas firmas de 2004 a 2016 —a Oi foi responsável por 54% dos créditos do que chama de "grupo econômico Gamecorp". Entre os sócios dessas firmas estão os compradores do sítio de Atibaia, Suassuna e Bittar.
Agora, à Justiça, a força-tarefa levantou diversas suspeitas sobre a atuação de Azevedo naquele período, com base em materiais que haviam sido apreendidos por ocasião da prisão do empreiteiro, antes de seu acordo de delação.
A Lava Jato afirma, por exemplo, que uma planilha de gastos da conta corporativa da presidência da Oi, de 2009, aponta o pagamento de R$ 950 mil à Gamecorp a título de "assessoria jurídica", área na qual a firma não atuava.
Essa circunstância, dizem, se encaixa em situação narrada em email interno da Gamecorp no qual um dos diretores da firma do filho de Lula afirma que os repasses da Oi foram desconsiderados em um balanço de resultados porque se trata de uma "verba política" que poderia distorcer os cálculos.
A investigação ressalta que houve decisões governamentais de peso na área de telecomunicações no período, como medida do governo Lula que permitiu a compra da Brasil Telecom pela Oi, em 2008.
A investigação anexou trocas de mensagens entre Azevedo e José Lucimar Zunga, indicado para o Conselho Consultivo da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) por Lula.
Outro episódio na mira da investigação é a fusão da Oi com a Portugal Telecom, apoiada pelos governos petistas. A apuração está em andamento e ainda não foi oferecida denúncia (acusação formal) a respeito.
As suspeitas narradas com base em materiais apreendidos com o empresário antes da homologação da delação sugerem que os próprios investigadores já tinham na época indícios sobre os fatos narrados e que, mesmo assim, o acordo foi fechado sem que esses episódios fossem esclarecidos.
Conforme mostrou reportagem da Folha em outubro, com base em mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil, o então procurador-geral Rodrigo Janot cobrava penas mais duras do que as sugeridas pelos advogados da Andrade Gutierrez, mas os procuradores temiam que o endurecimento afastasse os empreiteiros das negociações e inviabilizasse o acordo com a empresa. 
"Os nomes entregues estão dentre aqueles que até o momento não houve maior investigação", escreveu à época o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos membros da força-tarefa, em mensagem a colegas defendendo a concretização do acordo.
Após a assinatura da colaboração, os investigadores tentaram negociar um "recall" da delação, no qual os colaboradores fariam uma nova rodada de revelações. Como a Folha mostrou em 2017, um dos temas aventados pelas autoridades nessa renegociação era justamente o papel da Oi junto às empresas de Fábio Luis.
Visita do ex-presidente à sede do Grupo Gol, em 2011. Da esqueda para a direita: Lula, Kalil Bittar, Fernando Bittar (ao fundo), Lulinha e Jonas Suassuna.
Visita do ex-presidente à sede do Grupo Gol, em 2011. Da esqueda para a direita: Lula, Kalil Bittar, Fernando Bittar (ao fundo), Lulinha e Jonas Suassuna. - Divulgação
O acordo de Azevedo com a PGR (Procuradoria-Geral da República), homologado em 2016, prevê rescisão caso o colaborador deixe de esclarecer espontaneamente "todos os esquemas criminosos de que tenha conhecimento". Nesse compromisso, o colaborador se comprometia a revelar a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas de organizações criminosas de que tinha conhecimento.
Em dezembro, a fase Mapa da Mina fez buscas em endereços do empreiteiro: no apartamento dele e em um escritório, ambos em São Paulo, e em uma casa de praia no litoral norte paulista. Recolheu documentos que incluíam computadores e telefone celular.
Entre os papéis apreendidos, estavam uma tabela com os assuntos abordados na delação da Odebrecht, uma cópia de um recibo, com logo do Instituto Lula, de doação no valor de R$ 15,5 mil e planilhas de pagamentos ao PT —sem detalhar que repasses são esses.
A defesa de Otávio Azevedo afirmou que ele jamais se recusou a responder a qualquer tipo de questionamento sobre a empresa de telefonia Oi, "tendo manifestado por diversas vezes sua disposição para tratar de todos os temas".
"A operação de compra e os aportes de investimento na empresa Gamecorp já foram investigados e arquivados a pedido do Ministério Público Federal em São Paulo", disse a defesa, em nota.
Afirmou ainda que o delator cumpriu todos os deveres e sanções previstos em seu acordo de colaboração e seguirá cooperando com as autoridades.
A PGR, em nota, disse que não iria se manifestar.
"Por tratar-se de acordo de colaboração premiada, protegido por sigilo legal, a Procuradoria-Geral da República não se manifesta a respeito do tema. No entanto, qualquer fato novo que envolva esses acordos são devidamente analisados e, se for o caso, são adotadas as providências cabíveis."
Procurada, a força-tarefa de Curitiba, responsável pela fase Mapa da Mina, disse que "qualquer colaborador que omita fatos pode ter seu acordo rescindido e ficar sujeito a todos os rigores da lei". Mas afirmou que casos de acordos firmados com empresas podem tratar de fatos delimitados, diferentemente do que ocorre em compromissos firmados com réus e investigados.
A Lava Jato também disse que, em relação ao ex-chefe da Andrade Gutierrez, o acordo foi feito com a PGR, em Brasília, e caberia ao Supremo Tribunal Federal avaliar eventual rescisão. 
A equipe de procuradores disse ainda que não comenta investigações em andamento nem suas potenciais consequências.
A defesa de Fábio Luís Lula da Silva afirmou que a iniciativa de investigar um delator mostra que o Ministério Público chega ao ponto de ir contra um acordo homologado na Justiça para atingir seus objetivos. 
Para o advogado dele, Fábio Tofic Simantob, o empreiteiro não teria motivos para omitir eventuais ilícitos em seu acordo, ainda mais envolvendo um filho de ex-presidente. Isso, diz, aponta que não houve crime na relação entre a tele e as empresas. "O que existe [na investigação] é um amontoado de suposições."

O CASO DE FÁBIO LUÍS

Qual a suspeita dos investigadores?
A Polícia Federal e a Procuradoria suspeitam que diversos repasses feitos pela Oi (que tinha o grupo Andrade Gutierrez como um dos controladores) e pela Vivo a empresas ligadas a Fábio Luís (o Lulinha) foram realizados sem lógica econômica, apenas para beneficiar familiares de Lula. Contratos comerciais de fachada teriam sido firmados para dar aparência legal às transferências.
Qual a relação entre o sítio de Atibaia e o esquema com a Oi?
O MPF aponta que Jonas Suassuna e Fernando Bittar (donos do sítio de Atibaia) adquiriram a propriedade usando parte de recursos injustificados das empresas que administravam em conjunto com Fábio. A conexão dessa investigação com o sítio é o principal motivo para a investigação acontecer no Paraná, e não no Rio (sede da Oi ) ou São Paulo (onde fica o sítio).

Felipe Bächtold, Folha de São Paulo