terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Campanha de 2020 pela Casa Branca ocorrerá entre compartilhamentos e nas mídias sociais

Quando o deputado democrata Beto O'Rourke organizou uma reunião pública, cerca de 120 pessoas compareceram. Quando o político texano decidiu se filmar cozinhando um frango com sua mulher, a filha e a cobra de estimação, Monty, atraiu 257 mil visitas no Facebook e mais de 12,4 mil comentários.
Aspirantes a presidente dos EUA, tomem nota: a campanha de 2020, que deverá entrar em marcha acelerada no próximo ano, com dezenas de potenciais candidatos, ocorrerá em uma paisagem de mídia que mudou nos últimos dois anos e foi radicalmente transformada desde a primária de 2008, que começou antes do lançamento do primeiro iPhone.
Os discursos improvisados na zona rural em Iowa e debates pela TV a cabo ainda terão uma função. Mas estrategistas democratas dizem que a luta para chamar a atenção de eleitores na internet, por meio de vídeos ao vivo e compartilhamentos virais que exalam uma sensação de proximidade e autenticidade, poderá dominar os primeiros meses em um campo lotado, enquanto eleitores energizados se inscrevem e procuram com afinco um bom candidato.
"Não vai ser nada parecido com o que já vimos antes", disse um estrategista democrata que prepara uma campanha para 2020 e falou sob a condição do anonimato. "O melhor colocado digital [na primária] ganhará a nomeação. Isso vale para a captação de fundos e para a entrega de conteúdo."
Poucos momentos serão particulares, nenhum tema será proibido e a capacidade de projetar emoção e entusiasmo, mesmo diante de uma foto tirada em um carro em movimento ou numa esquina ventosa, provavelmente será a mais valorizada.
Preparem-se para uma nova era em que os potenciais candidatos presidenciais compartilharão fotos de seus encontros casuais ou criações culinárias no Instagram --como fizeram a senadora democrata Kamala Harris, da Califórnia, com seu peru no Dia de Ação de Graças, a senadora democrata Kirsten Gillibrand, de Nova York, com seu recheio e o prefeito democrata de South Bend, em Indiana, Pete Buttigieg, com a torta de seu marido nas últimas semanas. Preparem-se para muitas outras gravações ao vivo obrigatórias em carros, citações inspiradas e poesia, como vem postando no Instagram no último ano o senador democrata Cory Booker, de Nova Jersey.
"Errado, temporariamente vitorioso. Nunca é maior que certo, sempre vigilante", dizia um verso original que Booker postou em setembro, ganhando 34 mil retuítes e quase 129 mil curtidas no Twitter.
Outros, como os senadores Bernie Sanders (independente, de Vermont) e Elizabeth Warren (democrata, de Massachusetts), estão adiantados na criação de canais de notícias independentes, às vezes viajando pelo país com equipes profissionais que contam com esquemas de várias câmeras e notícias bem editadas que recebem centenas de milhões de visitas.
"Um democrata precisa ser capaz de basicamente criar um ecossistema de mídia alternativo para passar suas mensagens", disse Dan Pfeiffer, ex-assessor sênior do presidente Barack Obama, que hoje é um dos anfitriões do podcast liberal Pod Save America. "Não entendemos isso em 2016 e temos de entender em 2020."
O atual rei das redes sociais políticas, o presidente Donald Trump, usa o Twitter diariamente com seu vernáculo único para tentar definir o ciclo de notícias, muitas vezes com afirmações falsas ou provocantes que têm o benefício adicional de conseguir a cobertura dos canais de mídia tradicionais.
Os estrategistas democratas concordam em geral que essa abordagem não funcionará para seus candidatos, que tentam se apresentar ao país como mais que meros adversários ou imitadores do presidente.
"As pessoas dizem que Trump é mestre em dominar a imprensa via Twitter. Realmente, ele é magistral ao dominar a imprensa causando indignação", disse Jennifer Palmieri, diretora de comunicações da campanha de Hillary Clinton em 2016. "Os democratas deveriam ver as redes sociais como uma maneira de contar sua própria história, e não um meio de competir por atenção com Trump. Eles vão falhar nisso."
Os candidatos também têm de encontrar uma maneira de criar suas mensagens de acordo com os meios em que estão publicando. "A verdadeira mudança tem a ver com como você se relaciona com pessoas de uma maneira que preencha suas expectativas imediatamente", disse Teddy Goff, estrategista digital das campanhas presidenciais de Clinton e Obama.
"Um anúncio político com gravação falsa vai parecer realmente discordante ao lado de uma história engraçada sobre o fim de semana do seu melhor amigo."
Várias campanhas democratas não anunciadas vêm observando o exemplo de duas estrelas democratas das redes sociais dos ciclos de 2018 --O'Rourke, que está avaliando sua própria candidatura presidencial, e a deputada eleita democrata Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York.
O'Rourke tornou-se um fenômeno, levantando US$ 38 milhões entre julho e setembro em apelos baseados em sua própria voz, e insistiu em escrever pessoalmente os e-mails pedindo doações. Geralmente as cartas são confiadas a assistentes que empregam apelos parecidos e entediantes.
Democrata Alexandria Ocasio-Cortez - Charles Krupa-06.dez.2018/Associated Press
Desde que ganhou a corrida no 14º Distrito Congressional em Nova York, Ocasio-Cortez tem gravado e postado para seus cerca de 1 milhão de seguidores no Instagram um relato minucioso de seu tempo em Washington, desde quando se perdeu no complexo Capitólio, as salas de opinião de grupos, ela cantarolando uma canção de Kanye West enquanto caminha pelas ruas do Capitólio. Ela também se envolveu em combate rápido no Twitter com críticos.
Mas essas abordagens podem não ser fáceis para candidatos menos à vontade com uma câmera na mão estendida ou polegares erguidos. "Tenho a sorte de trabalhar com alguém que se sente à vontade sendo autêntica e consegue fazer isso", disse Corbin Trent, porta-voz de Ocasio-Cortez. "Ela está conseguindo um bom envolvimento."
Outros candidatos, menos familiarizados com a visão da vida cotidiana em "streaming" constante, adotaram uma abordagem mais tradicional para criar seus próprios canais de mídia. O ex-presidente Joe Biden experimentou um podcast que oferecia alguns minutos de manchetes diárias lidas por outros, depois de sua introdução gravada. Chamava-se "Biden's Briefing" (as informações de Biden, em tradução livre).
Mais recentemente, ele gravou uma série de monólogos altamente produzidos no YouTube, com gráficos, fotos de sua carreira política e gravações de arquivo, com suas opiniões sobre questões chaves, para uma empresa de vídeos na rede social chamada Attn:. Chamados "Here's the Deal" (o negócio é este), os vídeos conseguem habitualmente mais de 100 mil visitas no Facebook.
Provavelmente a maior operação de mídia independente pertence a Sanders, que investiu pesado na criação de conteúdo em torno de temas depois da eleição de 2016.
Ele começou um podcast, "The Bernie Sanders Show", programou uma série de eventos públicos e contratou uma equipe de vídeo que atraiu 1,5 bilhão de visitas no Facebook e mais 148 milhões no Twitter. (As duas plataformas contam uma "visita" depois que um usuário assiste a um vídeo durante 3 segundos ou mais.)
Só em 2017, o gabinete de Sanders no Senado produziu 550 vídeos online, mais de um por dia em média, muitas vezes sob a orientação de Armand Aviram, ex-produtor do NowThisNews, pioneiro numa estética de vídeo online carregado de texto, para a geração do milênio.
Os vídeos, cheios de textos que piscam e música, só apresentam ocasionalmente Sanders diante da câmera.
Outros potenciais candidatos, como o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg e Warren, têm viajado com equipes de foto e vídeo para produzir conteúdo para plataformas como Instagram.
Um vídeo recente de Warren, uma ligação gravada no FaceTime, cumprimentou sua ex-aluna Katie Porter por ganhar uma disputa para a Câmara da Califórnia. Em vez de um vídeo ingênuo no estilo de O'Rourke ou Ocasio-Cortez, a comunicação foi gravada com pelo menos dois operadores de câmera, aparentemente na casa de Warren, e depois editada.
Os potenciais candidatos também estão investindo pesado na forma mais tradicional de geração de conteúdo para candidatos, o livro da campanha pré-presidencial.
Sanders divulgou seu último --"Para onde vamos agora"-- em novembro, o ex-secretário de habitação e desenvolvimento urbano Julián Castro está nas lojas com seu livro "An Unlikely Journey" (uma viagem improvável), e Bloomberg deveria lançar em 11 de dezembro uma nova edição de suas memórias, "Bloomberg by Bloomberg", com novos capítulos sobre suas recentes iniciativas políticas.
Senador Bernie Sanders fala com jornalistas diante do Capitólio - Alex Edelman-10.jul.2018/Getty Images/AFP
Outra rodada de lançamentos de livros está sendo planejada para o início do próximo ano, com turnês por várias cidades que poderão ser usadas para gerar comentários sobre a campanha presidencial. Eles incluem novos volumes de Harris, de Buttigieg e do ex-executivo-chefe da Starbucks, Howard Schultz.
"Os livros são como o novo podcast --todo mundo tem de ter um", brinca Matt McKenna, assessor do governador democrata de Montana, Steve Bullock, que também considera uma campanha presidencial apesar de não ter anunciado planos de um livro ou podcast.
Mas Bullock não esqueceu de fazer uma selfie de grupo com sua mulher e os três filhos no Dia de Ação de Graças, que depois foi distribuída em suas contas no Facebook, Instagram e Twitter.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Michael Scherer, Washington Post