sábado, 29 de dezembro de 2018

"Os que falam a mesma língua"


O que se ouve de mais lógico na equipe de transição foi dito pelo vice-presidente eleito Hamilton Mourão na entrevista ao “Valor”. O governo prepara um projeto de emenda constitucional para desengessar o Orçamento e será aproveitada a proposta para a reforma da Previdência que já tramita no Congresso. É o que também tenho ouvido de integrantes do novo governo.
Mourão fala a mesma língua que a equipe econômica, mas isso não significa que haja unidade no futuro governo. Até o ponto mais lógico, que é aproveitar a atual reforma da Previdência que já cumpriu etapas longas de tramitação, não tem o apoio de todos. Por isso, a primeira batalha na reforma será a unidade interna. Aproveitar a atual proposta criará para o chefe da Casa Civil, ministro Onyx Lorenzoni, o constrangimento de ter que defender o que atacou na Comissão Especial. Onyx montou uma equipe sobre o assunto e tem suas próprias ideias.
O vice-presidente falou ao “Valor” em uma abertura “lenta, gradual e segura”. O vocabulário geiselista foi adaptado aqui à área do comércio exterior para dizer que a indústria enfrentará maior competição com o produto importado pela redução das tarifas externas, a ser feita em fases. Durante uma de suas falas na transição, o futuro ministro Paulo Guedes criticou a indústria que estaria ainda em suas “trincheiras da primeira guerra”, e prometeu “salvar a indústria, apesar da indústria”. A despeito do tom forte, a tendência é não fazer uma abertura drástica.
Em entrevista que me concedeu no último dia 6, o general Mourão defendeu com entusiasmo a ideia de um desengessar do Orçamento. Com isso também sonha o economista Paulo Guedes. Para realizá-lo será preciso convencer o Congresso a retirar todas vinculações constitucionais, a começar as da saúde e educação. Um projeto que permita começar o Orçamento do zero sempre foi o sonho de inúmeros economistas. O problema não é ter a ideia, é como aprová-la porque ela pode atrair a oposição dos grupos de interesse, principalmente as bancadas da saúde e da educação. Fácil chegar ao diagnóstico de que o engessamento do Orçamento inviabiliza o país, difícil é mudar isso. O argumento do general Mourão na entrevista que me concedeu foi que o Congresso ganharia mais poderes se isso for aprovado porque poderia verdadeiramente formular a proposta de destinação das receitas a cada ano. Como em outras democracias, o parlamento faria o orçamento, em vez de disputar os valores residuais. Isso convencerá o Congresso? Neste momento de aguda crise fiscal, cada setor está convencido de que, se abrir mão do mínimo constitucional, ficará sem qualquer garantia.
O general falou da necessidade de enfrentar as “igrejinhas”, como definiu as corporações do serviço público. Sempre foi difícil mesmo. Uma dessas ideias em defesa do grupo ao qual pertence se vê na própria entrevista, quando Mourão insiste na tese de que não há uma previdência dos militares e sim “um sistema de proteção pelas peculiaridades da profissão”. Chame-se do que for, a previdência dos militares tem um déficit de R$ 42 bilhões.
Sobre o custo da dívida pública, o vice-presidente propõe algo que não é factível. Ele repete o número do qual Paulo Guedes não se separa, que o Brasil gasta R$ 400 bilhões de juros por ano. O general acerta quando diz que se forem feitas as reformas, esse custo pode cair. No resto da solução ele erra. Acha que se fizer esse dever de casa, pode “chegar para os meus credores e dizer ‘vamos fazer uma negociação’”. Segundo o general, o governo poderá repactuar essa dívida, alongar os títulos e reduzir os juros para diminuí-los, por exemplo, para R$ 350 bilhões, e usar esse dinheiro para investir. A redução do custo da dívida não acontece via negociação com credores, mas sim naturalmente se o governo fizer as reformas. A despesa caiu no governo Temer pelos acertos da equipe. Isso não libera dinheiro para qualquer outro uso. Apenas reduz a trajetória de crescimento da dívida. O vice-presidente mostra uma compreensão imprecisa da política monetária com essa sugestão de negociação com credores da dívida interna. E nesse ponto qualquer mal-entendido é arriscado.
(COM MARCELO LOUREIRO)

Por Miriam Leitão, O Globo