domingo, 18 de novembro de 2018

"Se beber, não dirija", por Marcos Lisboa

A Barata Ribeiro é uma rua que atravessa Copacabana, bairro da zona sul do Rio de Janeiro e moradia de muitos servidores públicos.
Com as regras atuais da Previdência, aposentados cinquentões em boa forma física passam a manhã na praia praticando esportes e terminam o dia conversando nos botequins da região.
O carioca diverte os amigos por meio de frases descabidas, afirmações veementes e teses provocadoras. A liturgia local espera que a polêmica apenas resulte em conversa estridente, que deve ser devidamente esquecida no dia seguinte, depois de passada a ressaca.


Ciclista passa pela estátua de Dorival Caymmi, no calçadão da praia de Copacabana, no Rio - Rafael Andrade - 22.nov.2011/Folhapress
Cada grupo social acaba por adquirir a sua marca, e a do carioca é a controvérsia no botequim. Os argumentos se imaginam polêmicos como as frases deliciosas de Nelson Rodrigues. Imaginação devidamente alimentada pelo excesso de cerveja que embriaga o bom senso.
Os adultos que se aposentaram jovens com salário integral se divertem com afirmações destemperadas. Tentam compensar a falta de argumentos com a veemência e a irreverência típica dos cariocas.
Nesse ritual divertido para quem está ocioso, teses estapafúrdias são construídas com a ligeireza de quem fala muito porque pensa pouco.

Propõem-se a roldão soluções para a crise entre israelenses e palestinos, os desafios ambientais ou o atraso do Brasil.
Muitos aposentados que frequentam um botequim na Barata Ribeiro têm algum argumento sobre temas tão diversos como a decadência do futebol brasileiro, as razões porque deixamos de falar o tupi ou a patética grandeza da família imperial.
Recentemente, o Brasil parece ter se tornado uma esquina da Barata Ribeiro tantas são as frases de efeito atrapalhadas que apenas revelam desvario.
“O remédio é voltar a querer grandeza. Encha o peito e diga: Brasil grande e forte”, argumento tão constrangedor como a proposta dos economistas heterodoxos de que basta o governo gastar mais para o país ficar mais rico. Cada grupo no botequim tem a sua bobagem do dia para resolver os problemas do universo. 
Esperava-se, porém, que o destempero ficasse restrito aos botequins.

Afinal, não se prensa o Congresso. Deputados e senadores foram eleitos, não os ministros. Quem determina o orçamento é o Congresso, não o Poder Executivo.
Parece que alguns continuam em campanha eleitoral. O momento, porém, requer estadista. Superar nossos problemas econômicos passa pelo diálogo e pela negociação de reformas com o Congresso.

Os jovens aposentados podem despejar a sua irreverência irresponsável em Copacabana, onde não precisam dirigir para ir para casa. A Barata Ribeiro, porém, fica muito longe de Brasilia.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica
 do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor
em economia

Folha de São Paulo