Dois “eventos” se entrecruzaram nas manchetes dos últimos dias do Granma, o jornal oficial do Partido Comunista de Cuba.
Os dois anos da morte de Fidel Castro e o retorno da jato dos médicos cubanos – o mais correto seria dizer médicas, mais de 70% do programa subitamente cancelados.
Eles foram recebidos no primeiro dia pelo presidente Míguel Díaz-Canel e no segundo pelo octogenário ainda poderoso Raúl Castro.
Alguns trechos abaixo são reproduzidos literalmente. Dispensam comentários sobre o que é viver num país de partido único, pensamento único, jornal (que conta) único, exceto por esclarecimentos pontuais.
“Era impossíel que ficássemos de braços os cruzados ante um governo soberbo, incapaz de entender que nossos médicos foram a seu país movidos por um impulso de servir ao povo, atender sua saúde e sua alma, não com o fim de ganhar dinheiro.”
“Para esse governo tudo é uma mercadoria e essa não foi a condição para a ida de milhares de médicos cubanos. Vocês foram ao Brasil defendendo sua vocação humanista, algo que não se paga nem com todo o dinheiro do mundo”, Díaz-Canel.
Nenhuma menção aos pagamentos feitos a Cuba.
“Ås vezes as estrelas alcançam um povo e transbordam para o mundo. Não se pode então pedir nem ao mundo nem ao povo que desconsiderem o tributo que glorifica”, artigo da “redação cultural” do Granma sobre a série de eventos comemorativos “para recordar Fidel na data de seu adeus físico”.
“A posição reacionária do recém-eleito presidente Jair Bolsonaro tornou vulnerável uma parte da sua população, arriscando o bem mais precioso de um ser humano, sua saúde.. Mas Cuba nunca abandonará o Brasil nem nenhum outro país do mundo”, Díaz-Canel.
Pagamento de empréstimos milionários e outras coisas do mundo material? Nada.
“Felicitações ao governo de Cuba por dar uma lição ao futuro presidente Bolsoburro”, comentário do leitor dfr.
Número de comentários com algum tom crítico à decisão do governo: zero.
“A proposta de revalidação de diplomas é enganosa porque o Conselho Federal de Medicina é contra isso. De cada cem médicos que se apresentam, só são aprovados oito. Esta é a forma de regular o mercado da saúde privada para garantir seus enormes lucros. Daí a oposição desde o começo ao Programa Mais Médicos”, reportagem do Granma denunciando, também, que tudo faz parte de um programa maquiavélico dos Estados Unidos para surrupiar cérebros cubanos.
“Somos todos Fidel”, manchete principal de sexta-feira, dia dos dois anos da transformação do próprio em estrela.
Mais um trecho, de sábado: “Ser Fidel não é recordá-lo, é replicá-lo no que existe de grande e de pequeno que nos afirma como cubanos, no ensaio cotidiano no que tem de humano e virtuoso que significa fazer triunfar todos os dias a mesma Revolução, a dele, transcendente, vital; tal e qual o homem e o líder que continuam a comandar, acima do tempo.”
Este é apenas um exemplo dos muitos da bajulação que vai, literalmente, além da vida. Em todos os artigos sobre Fidel existe uma espécie de competição de servilismo e adjetivos.
Mas o campeão talvez seja o intitulado “O revolucionário mais feliz”, sobre a inauguração, em 1991, do Palácio Central de Computação. Mas nada dessa ideia de internet para o povo.
E não nos esqueçamos de “Essa força telúrica chamada Fidel”.
Voltando aos médicos, palavras do chanceler cubano, Bruno Rodríguez Parrilla: “O próximo governo do Brasil, o governo recém-eleito, não tem a menor autoridade moral para questionar Cuba em nenhum âmbito, nem no da cooperação médica internacional, nem no dos direitos humanos.”
Falou e disse. Palavra do Granma.
Para terminar, uma das infinitas piadas que nunca serão publicadas no Granma: Fidel morre e tenta entrar no céu. São Pedro não permite. Vai para o inferno, onde é recebido com todas as honras. Mas lembra que esqueceu as malas na porta do paraíso. Dois diabinhos são destacados para buscá-las. Sem saber como entrar, tentam pular por cima. Dois anjos flagram a manobra e um deles comenta: “Fidel não está nem há dez minutos no inferno e já começa a mandar refugiados.”
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