sábado, 17 de novembro de 2018

O disputado e polêmico crescimento da gigante Amazon nos EUA

Manifestantes protestam em Long Island contra a decisão da Amazon de levar uma de suas sedes para a cidade Foto: DON EMMERT / AFP
Manifestantes protestam em Long Island contra a decisão da Amazon de levar uma de suas sedes para a cidade Foto: DON EMMERT / AFP

WASHINGTON - Mesmo vivendo uma fase de pleno emprego e com a menor taxa de desocupados desde 1969, 238 cidades americanas e canadenses disputaram 14 meses para ser a nova sede da Amazon, que prometia US$ 5 bilhões (cerca de R$ 19 bilhões) em investimentos e 50 mil vagas de trabalho ultraqualificadas. No fim, a gigante do comércio decidiu dividir a “nova casa” em duas: parte ficará em Nova York e metade no Norte da Virgínia, na região da capital americana, em um reconhecimento de que sua nova estrutura pode ser grande demais mesmo para duas das maiores metrópoles do país. Moradores e autoridades se dividem sobre o feito: querem mais crescimento, mas temem os efeitos colaterais do investimento.

Todo o processo de definição da nova sede da empresa de Jeff Bezos, o homem mais rico do planeta, com US$ 150 bilhões, foi marcado por uma publicidade única, acompanhado por muitos como a escolha da sede de uma Olimpíada. A única certeza era que a companhia não poderia crescer mais em Seattle, onde nasceu e tem 40 mil empregados. O bilionário escolheu pessoalmente a nova base, seguindo seus “instintos” e alguns dados técnicos.

No fim do processo, anunciado na última terça-feira, parte da nova sede ficará em Long Island, no bairro nova-iorquino do Queens, e outra metade, em Crystal City, na Virgínia, a 15 minutos de metrô do Centro de Washington. A região da capital americana estava entre as favoritas, pelo fato de Bezos ter uma casa na cidade e ser dono do Washington Post. E Nova York era bem classificada por viver um boom de tecnologia, com o Google dobrando seus investimentos na cidade. De quebra, a Amazon anunciou um novo centro de pesquisa, com cinco mil empregados, em Nashville, no Tennessee.
O governo de Nova York prometeu até US$ 1,2 bilhão de incentivos fiscais, enquanto Virgínia oferecerá até US$ 22 mil por emprego criado. Isso gerou críticas, por se tratarem de benefícios a uma das maiores empresas do mundo, que não precisa de incentivos. E as regiões das duas sedes já estão entre as mais dinâmicas do país — assim, os novos investimentos da gigante, que chegou a valer mais de US$ 1 trilhão, não devem ajudar a recuperar regiões depreciadas do país. Muitos economistas defendiam que a empresa escolhesse áreas historicamente pobres ou deprimidas, como regiões do Sul dos EUA ou Detroit, que ainda se recupera da crise das montadoras.
- Os preços da moradia estão altos e crescendo nas áreas de Virgínia e Long Island City, em Nova York, e a chegada da segunda sede da Amazon deverá pressionar ainda mais os preços. Infelizmente, o fornecimento de moradias é fortemente restringido pelas regulamentações de zoneamento, de modo que as cidades não conseguirão atender com facilidade às necessidades de moradia dos novos trabalhadores, e os preços dos imóveis provavelmente vão crescer ainda mais — avaliou Vanessa Brown Calder, analista do Cato Institute, centro de pesquisas de Washington.
As duas cidades podem ficar ainda mais caras e repetir o que ocorreu com São Francisco, região que concentra a maior parte das gigantes de tecnologia dos EUA. O forte enriquecimento de parte da população gerou graves problemas sociais, como expulsão da população tradicional, aumento do número de moradores de rua e perda da identidade da cidade.
- Um dos motivos que fizeram a Amazon procurar uma nova sede fora de Seattle é que crescer mais ali colocaria em risco a qualidade de vida da cidade — afirmou Peter Allen, professor de urbanismo da Universidade de Michigan. - A decisão de dividir a nova sede em duas mostra preocupação com isso.
Ele lembra que a decisão de Amazon de ir para grandes metrópoles difere de outras empresas de tecnologia, que estão buscando cidades menores.
- Há o risco de os profissionais ficarem muito caros, e pequenas start-ups terem de migrar para outras áreas - acrescenta Allen.
Em Nova York, apesar de o governador Andrew Cuomo prometer que evitará a especulação imobiliária e usará a receita extra dos novos moradores de altos salários para incrementar os investimentos em transportes, grande parte dos moradores está desconfiada. Uma série de protestos ocorreram desde que Long Island foi escolhida, muitos lembrando que, este ano, pessoas de Seattle pediram ao governo local um imposto sobre grandes empresas para financiar o crescente problema de moradia na cidade.
“A empresa que transformou radicalmente o setor de varejo nunca mostrou muito apetite por reconstruir as cidades”, resumiu Emily Badger, em artigo no New York Times.

Henrique Gomes Batista, O Globo