domingo, 18 de novembro de 2018

"O bode e as reformas", por Affonso Celso Pastore

A vitória de Bolsonaro provocou uma valorização dos ativos financeiros. Desapareceu o risco de um novo governo do PT ou, no humor cínico do mercado financeiro, o resultado da eleição “tirou o bode da casa”. Porém, enquanto esteve na casa, o bode estragou o mobiliário, danificou a hidráulica e a instalação elétrica, evitando-se o caos somente porque, na tentativa de construir uma “ponte para o futuro”, um “administrador substituto” realizou reparos. No entanto, sabemos que para tornar a casa habitável, não basta “tirar o bode”: é preciso que o “novo administrador” promova reformas estruturais.
Com a indicação de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, Bolsonaro deu um forte atestado de respeito às leis, reduzindo os decibéis da narrativa da esquerda radical que o acusava de fascista. Deu também um passo para solidificar as instituições que combatem a corrupção sistêmica. Porém, o sucesso do novo governo não depende apenas do respeito à Constituição e às leis, e sim de sua capacidade de recolocar o País na rota do crescimento econômico. Quais são as perspectivas?
Primeiro, a situação fiscal é insustentável, com mais de 50% dos gastos primários – a Previdência – fora da regra de congelamento dos gastos reais fixada na Constituição. Sem uma robusta reforma da Previdência, o teto de gastos não se sustenta. Se fosse aprovada a proposta original de Marcelo Caetano, a economia, em 10 anos, em relação ao sistema atual, seria de R$ 850 bilhões, quase o dobro da gerada pela versão desidratada hoje no Congresso. As características da proposta de Arminio Fraga e Paulo Tafner são muito superiores a essas duas, e levam a uma economia acima de R$1,2 trilhão. Apesar de muito superior, contudo, ainda é insuficiente para truncar o crescimento da dívida, atestando a dificuldade da tarefa. Com o respaldo de mais de 50 milhões de votos, o governo deveria lutar por essa reforma, e não por outras politicamente menos custosas e defendidas por corporações que não querem perder privilégios. É estranho o silêncio do governo a respeito dessa proposta, mas, se tiver coragem política, Bolsonaro poderá, com ela, começar a mudar a feição do País.
Segundo, é apavorante o que vem ocorrendo com os Estados. No governo FHC, a dívida dos Estados – uma pálida sombra da atual – foi assumida pelo governo federal, e a Lei de Responsabilidade Fiscal impôs limites aos gastos de pessoal. Tivemos a ilusão de que o problema fora superado, mas além de Estados reconhecidamente falidos, como o Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, o Tesouro Nacional informa que os limites dos gastos de pessoal foram ultrapassados por Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Sergipe, Acre, Paraíba, Roraima, Paraná, Bahia, Santa Catarina e Alagoas. Uma ajuda federal agradaria aos governadores, mas sem uma punição ao descumprimento da LRF estaríamos apenas estimulando o “moral hazard”. Para evitar uma crise ainda mais grave, o atual governo terá de impor condições muito duras aos Estados.
Terceiro, são preocupantes as manifestações favoráveis à recriação da CPMF – um imposto ineficiente que só serve para inflar o ego de quem o defende. A resolução de nossa crise fiscal não pode ser obtida com aumento de receitas e sim com controle dos gastos. O Brasil não precisa de um imposto fácil de arrecadar, mas de uma reforma tributária que diminua as distorções que são um empecilho ao aumento da produtividade. Em substituição aos impostos sobre bens e serviços – ICMS, IPI, PIS, Cofins – que geram distorções como o estímulo à guerra fiscal e a penalização das exportações, entre outras, precisamos de um IVA nacional, como o defendido por Bernard Appy.
Quarto, há um silêncio ensurdecedor sobre como tratar os investimentos em infraestrutura, que são fundamentais para o crescimento, e que devido à crise fiscal só poderão ocorrer pelas mãos do setor privado, através de concessões com leilões competitivos, eficiência e ética. A eliminação do risco regulatório e a queda da taxa de juros permite o florescimento do mercado de capitais, que suprirá a maior parte dos recursos, cabendo ao BNDES a função de market maker, ampliando os prazos de financiamento, e atuando no financiamento de investimentos onde o retorno social é mais alto do que o retorno privado.
EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL 

O Estado de São Paulo