O estado de espírito de FHC flutua
Anda inquieto, fala pelos cotovelos e se movimenta muito, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mesmo com peso nas costas (87 anos da idade e outros tantos da biografia política e intelectual a preservar), o FHC destes dias, de quase fim de 2018, parece um maratonista da São Silvestre. Voa, caminha e conversa sem parar: no Brasil, na Argentina, nos Estados Unidos, na Europa.
Em São Paulo, sua taba original de fundador e cacique honorário do PSDB, além de acadêmico pensador da política, ele revela em entrevistas nas rádios, TVs, blogs e jornais, um dos motivos principais de seu desconforto: o baque demolidor sofrido por seu partido nas recentes eleições. Depois de contar todos os atingidos e constatar a legião de tucanos feridos gravemente. A começar por Geraldo Alckmin, abatido ainda no primeiro turno das presidenciais.
João Dória, eleito governador de São Paulo – ajudado pelo vendaval bolsonarista – poderia até representar, em parte, um triunfo de honra em meio ao desastre quase geral do partido de FHC. Mas Dória já se sabe: político e gestor de refinada formação européia, liberal até o tutano e anti petista ferrenho, de tucano quase não tem nada. Principalmente depois da áspera campanha que o fez mandatário paulista – contra a vontade de muitos do seu partido, a começar por Alckmin.
Em Buenos Aires, entrevistado pelo diário Clarim, o ex-presidente revela outro motivo de sua inquietação: o futuro turvo que parece rondar seu ex-colega presidente e velho amigo, Luís Inácio Lula da Silva. Condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, preso na sede da PF, em Curitiba, passou por novo (e pesado) interrogatório sobre o sítio de Atibaia, esta semana, em processo da Lava Jato (sob comando da juíza Gabriela Hardt, severa substituta do juiz Sérgio Moro.
“Não gosto de ver Lula preso. É ruim para ele e para o País. Não fico feliz em ver um ex- presidente preso, mas respeito a lei”, disse ao Clarim. Ainda assim, os dias que aguardam Lula não parecem animadores.
Mesmo filho de ex-general, FHC mostra-se ainda mais inquieto e desconfortável com a vitória do capitão da reserva do Exército, Jair Bolsonaro, eleito presidente da República. Fato que representa – entre outras mudanças impensáveis, até pouco tempo – uma brusca e radical ruptura do “jogo de compadres” (expressão do falecido Leonel Brizola), de décadas de trocas de comando no poder, do PSDB x PT e seus aliados.
No diário El Pais, da Espanha, em entrevista exclusiva, esta semana, o ex-presidente acusa a pancada em algumas respostas aos jornalistas Carla Jimenez e Xosé Hermida, na conversa sobre “o tsunami político que tomou o Brasil, destruiu lideranças tradicionais e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se inclui entre elas”.
O estado de espírito de FHC flutua. Afirma e se contradiz (como é próprio dos tucanos) em vários trechos da longa conversa. “Torço pelo Brasil, eu espero que acertem… Mas o que vou fazer? O que é que vamos fazer como oposição? O PT foi contra tudo no meu governo, foi contra aumento de salário de professor… Talvez seja antiquado. Mas a esta altura da vida para mim pessoalmente tanto faz como tanto fez, vou manter minha visão”, diz ao encerrar a entrevista. Tem mais, mas para concluir, repito apenas o irônico francês: “Amaldiçoado seja aquele que pensar mal destas coisas”.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta
Com Blog do Noblat, O Globo