quarta-feira, 31 de maio de 2017

"Tão perto, tão longe", por Fernão Lara Mesquita

O Estado de São Paulo



O Brasil do trabalho foi pego mais uma vez no fogo cruzado das facções em disputa pelo Brasil dos impostos e dos subsídios.
Quem é Michel Temer e o que é a política num país com as regras do nosso, isso o Brasil inteiro sempre soube, antes e depois de o destino tê-lo feito presidente. Assim como sabe agora que nada tem que ver com combate à corrupção a sua queda na esparrela do Jaburu na véspera da votação das reformas que pela primeira vez na história tocariam nos “direitos adquiridos” daquele milhãozinho de marajás que custa mais que 32 milhões de brasileiros aposentados somados, extinguiriam o imposto sindical e desmontariam a indústria do “trabalhismo de achaque”.
Só mesmo o mais alienado entre os habitantes de Brasília, onde ninguém precisa fazer força para pagar contas e o de todo mundo é disputar o poder, para afirmar sem corar que foi “um bom negócio para o Brasil” forçar a saída de Temer um ano antes do prazo, contra a reimersão do País no caos e a indulgência plenária dos banqueiros de todos os banqueiros do assalto do lulismo bolivarianista às instituições democráticas, onde quer que elas estivessem ao alcance do dinheiro dos 2ésleys ao sul do Equador. Sobretudo depois do golpe de despedida na Bolsa e no dólar para faturar em cima dos estertores do País apunhalado, mantido em segredo até depois de consumada a fuga para Nova York.
Passadas duas semanas, porém, está claro que nem se os 50 cegos mais cegos da velha-guarda da MPB cantassem em coro a sua cegueira o País real aceitaria engolir essa truta. Se ainda subsiste a esperança de que possa haver uma aurora depois dessa hora mais escura dos nossos 517 anos de vida, ela está nessa eloquente ausência de povo nas “ruas” falsificadas e sucessivamente armadas para impedir os avanços ou para comemorar os retrocessos nas tentativas de revogar o passado.
O Brasil já sabe, decididamente, o que não quer. Falta-lhe apenas algo a que possa expressamente aderir para conduzir-se para o futuro.
Quem oferecer primeiro leva.
Dirão os pessimistas que um processo que desaguará, cedo ou tarde, numa eleição indireta não poderá ter seu rumo alterado por uma proposta que venha para moralizar de fato o “sistema”. Mas não é nisso que acredita o Brasil do passado. Apesar do horário gratuito, apesar do “patrulhamento” pelo barulho e pelo silêncio, apesar do aparelhamento das escolas, apesar dos artistas e dos intelectuais “orgânicos”, apesar da aspereza do próprio tema das reformas propostas, há uma maioria no Congresso que está disposta a jogar a favor do Brasil do futuro. E foi porque era certa a sua vitória na votação das reformas que o Brasil do passado encontrou um meio tão mal acabado de revogá-las à força.
O tiro saiu pela culatra. O Lula do poder pelo poder, ainda que sobre uma massa falida conflagrada e submetida pela violência, como se vê em todas as ditaduras que aplaude, já estava devidamente reservado no seu canto, quando muito atiçando o desastre que possa vir a redimi-lo. A ausência de qualquer escrúpulo em empurrar uma economia em colapso para além do ponto de não retorno e a olímpica desconsideração dos promotores que pairam acima da nossa “podridão” pela situação extrema de mais de 30 milhões de desempregados e subempregados confirmaram que ir apertando o espaço de convivência entre três Poderes independentes e harmônicos, o sema que separa a civilização da barbárie, a cada degrau que descemos nessa guerra de dossiês e de “grampos” sem nenhum cheiro de frescor, é outro caminho sem volta que nada tem que ver com os anseios e necessidades do Brasil do futuro.
Esse impasse só se decidirá com o hasteamento, pela parcela do Congresso que não está podre, de uma bandeira que o País real possa seguir, ainda que seja como resposta oportunista a um imperativo de sobrevivência, sempre o parteiro dos grandes movimentos da História.
O Brasil precisa saber, seja como for, o que tem o direito de desejar com base na experiência internacional. Iniciar essa receita por um compromisso formal de adesão a uma revisão da Constituição estritamente balizada pelo princípio da igualdade perante a lei é o formato adequado para o momento. Isso limparia o futuro do País de tudo quanto se enfiou nela para criar privilégios e tornar impossíveis o progresso e a esperança de justiça. Ir para uma Constituinte sem comprometê-la previamente com uma pauta clara seria outra temeridade.
Quanto à parte propositiva, entregar o poder ao povo tem sido a solução comum a todo o mundo que funciona. A alternativa real para os odebrechts e os ésleys da vida, também eles criaturas do Estado, são as eleições distritais puras, que dispensam as quantidades de dinheiro que se requerem para colher votos em extensões continentais e, assim como a sua antítese, o financiamento público que fecha tudo numa panelinha de cozinhar corrupção, encaminha o País obrigatoriamente para a essência da democracia, que é a primazia da política municipal, cabendo aos Estados só o que não pode ser resolvido por um único município e à União apenas o que não pode ser resolvido nem pelos Estados, nem pelos municípios.
O compromisso de armar o povo do poder de submeter a referendo as leis aprovadas pelos representantes quando achar necessário, começando pelo âmbito municipal, além de reafirmar que não há saída fora da democracia representativa, seria a garantia de que a solução oferecida não é só um desvio revogável do nosso padrão defeituoso. E o “recall” ou retomada dos mandatos dos representantes eleitos a qualquer momento armaria a mão do eleitor para exigir, sem ter de recorrer a intermediários, os limites que estabelecer para o comportamento do seu representante.
As meias-solas em consideração pelo Congresso não mobilizam ninguém. E a continuação dos apunhalamentos entre “podres” e “santos” nos sangrará a todos até a última gota. Se houvesse uma alternativa séria de compromisso com o futuro, este país cansado de guerra certamente a agarraria.