domingo, 31 de janeiro de 2016

"Tem repórter na rua", por Vera Guimarães Martins

Folha de São Paulo


Manchete da Folha nesta sexta (29): "Odebrecht bancou reforma de sítio usado por Lula, dizem fornecedores". Foi um furo, e todo furo merece ser comemorado, mas há neste, em particular, um diferencial que o torna digno de nota: a revelação do repórter Flávio Ferreira foi obtida a partir de entrevistas com personagens até então fora do radar dos investigadores da Lava Jato.

É caso raríssimo de reportagem que não foi calcada em vazamentos ou depoimentos oficiais, mas em personagens identificados e que falaram às claras (o chamado "on"), fato inusual em escândalos com personagens poderosos: a dona da loja que forneceu o material de construção, um marceneiro, vizinhos e até um engenheiro da Odebrecht na arena do Corinthians, que, segundo disse ao jornal, fez um bico no sítio de Lula dando apoio informal e gratuito à obra quando estava de férias –mesmo sem saber que ela tinha qualquer ligação com o petista.

Quem acompanha esta coluna sabe que ela é crítica à dominância dos vazamentos anônimos. Não por algum purismo romântico –afinal, grandes furos nasceram assim–, mas por convicção de que o noticiário alimentado por fontes anônimas e desapegado de provas deveria ser a exceção. Na Lava Jato, foi a regra, principalmente na fase inicial.

Não foi a única inflexão acarretada pela megaoperação. Há não muito tempo, era o jornalismo investigativo que acionava o gatilho dos escândalos nacionais e "puxava as penas" que revelavam galinhas insuspeitas, para usar a metáfora atribuída ao ministro Teori Zavascki, do STF. A Lava Jato mudou esse eixo, graças, talvez, à combinação de dois movimentos opostos e independentes que ocorreram simultaneamente: um de contração, forçado por contingências setoriais, outro de expansão, forjado na maturidade das instituições.

Nos últimos anos, as Redações encolheram, perderam parte dos profissionais mais experientes e foram sobrecarregadas com a demanda imediata da cobertura digital.

Ao mesmo tempo, instituições como o Ministério Público e a Polícia Federal aprenderam com fracassos anteriores, ganharam musculatura e "expertise" e assumiram protagonismo inédito. Em parte atordoada pelos solavancos internos, a imprensa se acomodou e foi a reboque.

A reportagem apurada em Atibaia inverteu esse roteiro e impôs sua própria agenda, trilhando o passo a passo clássico do trabalho de repórter: frequentou a cidade, conheceu e deu-se a conhecer, conversou e apurou para contar uma história que estava logo ali, à procura de autor.