sábado, 30 de janeiro de 2016

"Mais do mesmo não é solução", editorial de O Globo

Voltar a oferecer crédito por bancos oficiais de pouco adiantará, com as pessoas físicas e jurídicas já endividadas, a inadimplência em alta, recessão e desemprego



A reunião de relançamento do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, na quinta, serviu de plateia para o anúncio formal do já conhecido pacote de crédito e de um "encarecido" pedido da presidente Dilma para que as presenças ilustres apoiem a aprovação da equivocada ressurreição da CPMF. Lá estavam empresários, lideranças de sindicatos de trabalhadores e políticos.

No caso da recriação do “imposto do cheque", Dilma precisará ser mais convincente. Afinal, o país tem longa e negativa experiência com este tipo de imposto cumulativo, que, ao incidir sobre cada etapa da produção de bens e serviços, gera um acréscimo de custo bastante elevado. Além do seu caráter de iniquidade — ao contrário do que diz a presidente —, por ser pago, de forma igual, pelos ricos e pelos pobres. Sequer adianta ela garantir que será um imposto temporário. Foi assim no passado e ele quase se perenizou.

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, expôs o novo esforço do Planalto com um pacote de crédito, criado a partir de recursos que o Tesouro transferiu para bancos públicos (BB, BNDES e Caixa/FGTS), a fim de zerar as “pedaladas”. São, ao todo, R$ 83 bilhões destinados para habitação, compra de insumos agrícolas, comércio exterior e financiamento de capital de giro de empresas.

Não é certo, muito ao contrário, que mais esta tentativa de alavancar a economia via crédito, por indução do Planalto, funcionará.

Analistas e mesmo alguns presentes ao Conselhão continuam sem grande confiança nesta iniciativa. Afinal, não falta crédito, mas vontade e mesmo condições de se endividar, entre pessoas físicas e empresas.


Não bastassem estes R$ 83 bilhões nada significar diante dos R$ 3,2 trilhões do estoque de crédito na economia brasileira, a inadimplência está em alta (nas pessoas físicas, taxa de 6,1%, a mais elevada desde julho de 2013), o desemprego sobe (aproxima-se dos dois dígitos) e a renda cai, algo inédito em 11 anos. Nessas circunstâncias, oferecer mais dinheiro não deve fazer com que pessoas jurídicas e físicas voltem a se endividar. Não faz sentido.

Na realidade, o governo Dilma e o PT têm amarras políticas e ideológicas que os impedem de executar de fato o ajuste fiscal, necessário para começar a restabelecer a confiança e levar a que empresas e pessoas voltem a investir e consumir. É positivo que o governo proponha reformar a Previdência. Mas, com isso, ele contraria sua base mais próxima, o PT, os "movimentos sociais" etc., refratários à reforma. Paga-se para ver.

Dilma não quer fazer as alterações pedidas por muitos analistas, aos quais se juntou há pouco o ex-ministro Delfim Netto, para desindexar o Orçamento e desvinculá-lo ao máximo de despesas específicas. Por isso, deseja empurrar sobre a sociedade uma nova CPMF. Que sequer resolveria a questão fiscal. A presidente continua prisioneira de convicções equivocadas. E a população paga alto preço.