terça-feira, 24 de março de 2015

Dólar em alta pressiona eletrônicos, cosméticos e produtos de limpeza

Roberta Scrivano - O Globo

Aumento da moeda americana, que está acima de R$ 3, será repassado aos preços para o consumidor

Televisores de última geração numa loja de Pinheiros, em São Paulo: na Zona Franca de Manaus, estimativa é que consumidores sintam o reajuste em dois meses - Fernando Donasci


Não é só o pãozinho francês que ficará mais caro graças ao novo patamar do dólar, acima de R$ 3. O preço de outros produtos, que têm como base insumos importados ou dolarizados, como TVs, tablets e aparelhos de ar-condicionado devem começar a subir em dois meses, estima Wilson Périco, presidente do Centro das Indústrias da Zona Franca de Manaus (Cieam). Com 80% de componentes vindos do exterior, fica impossível não repassar a elevação do dólar, segundo ele.

Os preços dos eletrônicos ainda não subiram porque os fabricantes da Zona Franca fazem uma espécie de hedge (proteção), comprando em pequenos lotes mensais as matérias primas para evitar, assim, a exposição a uma única cotação cambial. Agora, no entanto, o preço médio desse hedge já está mais próximo de R$ 3.

— O repasse aos eletrônicos vai acontecer daqui a uns dois meses, pois não há nada que nos faça acreditar na queda do dólar nesse período, e os estoques estão baixos — disse Périco.

MARGENS APERTADAS

O economista Eduardo Velho, da INVX Global Partners, explica que mesmo com a economia girando devagar e a demanda retraída, as margens apertadas com as quais as empresas de diversos setores têm trabalhado impossibilitam a absorção do aumento do dólar diante do real.

Segundo o economista, com a recente elevação dos custos de produção, as empresas trabalham com “os níveis mais baixos de margem já observados na última década”. No fim do ano passado, Velho projetava dólar a R$ 2,80 em dezembro de 2015 e inflação (IPCA) a 8,10% no ano. Agora, revisou a projeção do dólar para R$ 3,50, elevando o IPCA para 8,19% anuais. O Credit Suisse também trabalha na revisão de seus dados de inflação, justamente por conta do impacto do dólar nos preços dos produtos.

Outro setor que já admite o repasse da alta da moeda americana é o de produtos de limpeza. De acordo com Maria Eugênia Saldanha, presidente da Abipla (associação que representa 3.400 empresas do segmento), embora não seja possível dizer qual será a média do aumento de preço, já que essa é uma decisão individual das companhias, dá para cravar que as empresas não têm mais margem para segurar qualquer elevação de custo.

— Temos muitos insumos importados e outros, dolarizados. Entre os produtos que devem ter mais alta no nosso segmento está o detergente, que usa muito sulfato, um dos insumos dolarizados — disse Maria Eugênia.

TROCA-TROCA AFETA PRODUTOS DE BELEZA

O presidente do Cieam lembra ainda que as motos com mais de 150 cilindradas são outros produtos que terão reajuste de preço até o fim de abril. Esse tipo de veículo, montado na Zona Franca, usa cerca de 60% de peças importadas.

— Entendemos que essa alta cotação do dólar está vinculada à falta de confiança do investidor estrangeiro de colocar dinheiro aqui. Para que haja a retomada desta confiança, é preciso uma reestruturação dos gastos públicos, e não há previsão de que isso ocorra. Portanto, já começamos a trabalhar aqui na Zona Franca com a estimativa de dólar acima de R$ 3 até o fim do ano — detalhou Périco.

Os cosméticos, que têm cerca de 80% de suas matérias-primas importadas, são outros que correm risco de assistir a uma elevação de preços. João Carlos Basilio, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), observa que o setor sente, desde o ano passado, uma “certa dificuldade em vender”, o que justifica o alto número de promoções de cosméticos nas gôndolas.

— Elevar o preço é uma decisão individual. Mas acredito que o que acontecerá é o fim das promoções, para equalizar os preços — comentou Basilio.

Ele pondera, ainda, que o produtor hoje tem medo de o preço mais alto afugentar a clientela. Isso porque há a percepção de que o consumidor não deixa de comprar, mas troca o produto por outro mais em conta.

A substituição por um similar mais barato não ocorre somente entre os pequenos consumidores. Para Alberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), que fornece a grandes consumidores, não há espaço neste momento para elevação de preços, mesmo com as margens apertadas:

— Há muita instabilidade no câmbio neste momento e seria uma loucura repassar a cotação de R$ 3,30, por exemplo. Há muita concorrência, quem perder o cliente terá dificuldade em reconquistá-lo.