terça-feira, 9 de julho de 2024

Proposta de Pacheco para renegociar dívidas dos estados amplia submissão à União

 

Zema pediu prazo para aderir ao novo programa ou buscar recuperação fiscal| Foto: Pedro Gontijo / Governo de Minas Gerais


O projeto de lei complementar apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nesta terça-feira (9), para tratar da renegociação das dívidas dos estados e do Distrito Federal com a União, que somam R$ 764 bilhões, introduz mecanismos para reduzir juros das parcelas a serem pagas. Mas, na prática, eles atrelam decisões dos governadores a critérios, avaliações e condicionantes da Administração Federal.

Entre as opções colocadas no texto para conceder o alívio no caixa dos estados estão a oferta de ativos estaduais, como a federalização do capital acionário de estatais, e investimentos prioritários em educação e ensino profissionalizante. Também há a possibilidade de, mediante aceite da União, o abatimento de juros vir de investimentos em infraestrutura, prevenção a acidentes naturais e em reforço à segurança pública.

Pacheco quer aprovar a proposta em votação diretamente no plenário - sem passar pelas comissões - e enviá-la para a Câmara dos Deputados antes do recesso parlamentar, que começa no dia 18 de julho. Além disso, o presidente do Senado precisa encaminhar o desfecho para o projeto que trata da compensação para a desoneração previdenciária da folha de pagamento de 17 setores econômicos e milhares de prefeituras. As contrapartidas são endereçadas, sobretudo, aos estados mais endividados e com mais dificuldades de arcar com os pagamentos – Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Dentre os mais endividados ainda estão São Paulo e Goiás.

No caso mais urgente, o de Minas Gerais, com uma dívida de R$ 160 bilhões, o projeto acaba por impor uma solução para o governador Romeu Zema (Novo), que pode perder os poucos espaços de manobra que ainda restam nas negociações. Caso o projeto seja aprovado, o governo mineiro torna-se praticamente obrigado a repassar para o controle da União suas ações nas maiores estatais mineiras – Cemig (energia), Copasa (saneamento) e Codemig (mineração).

Embora oficialmente a escolha caiba ao governador, há uma articulação estreita entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Rodrigo Pacheco para avançar com a federalização, mesmo sem cálculos sobre o valor dos ativos. Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), responsabilizaram o governador Zema pelo impasse nas negociações até o momento e escolheram Pacheco como negociador.

Os presidentes da República e do Senado também demonstraram interesse em explorar politicamente a renegociação da dívida de Minas Gerais, ignorando o Executivo mineiro. Pacheco é pré-candidato ao Palácio da Liberdade em 2026 e já recebeu o apoio de Lula nas duas últimas viagens dele a Minas Gerais. Até os termos desse novo acordo trazido pelo projeto de lei já foram definidos, contando com o respaldo da cúpula da Assembleia Legislativa do estado, que se recusa a aprovar qualquer outra proposta vinda do governador na sua busca pela adesão a um programa de recuperação fiscal, que prevê austeridade nos gastos da máquina pública e privatizações.

Além de prever o uso de estatais para o pagamento da dívida consolidada dos estados após uma avaliação, o projeto propõe a alteração do indexador de cobrança, que atualmente é o IPCA (índice oficial da inflação) mais 4% de juros ao ano. O governo concordou em substituir até metade desses 4% de juros mediante a apresentação de ativos, investimentos e financiamento de fundo de compensação que beneficie todas as unidades da Federação, inclusive as menos endividadas.

Dos 4% de juros, 1% poderá ser perdoado se o estado entregar ativos no valor de 10% a 20% da dívida para pagamento e amortização. Caso o estado entregue 20% ou mais, terá um abatimento de 2% nos juros, correspondendo a uma redução de 50%. Os 2% restantes seriam divididos em 1% para investimentos no próprio estado, em áreas como educação, segurança pública e infraestrutura, e 1% para o fundo de equalização destinado a atender todos os estados e o Distrito Federal.


Pacheco cobra responsabilidade de Zema e "descarta" privatizações e austeridade

Perguntado sobre a possibilidade de Minas Gerais recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) em busca de mais prazo para aderir ao programa a ser criado pelo projeto de lei, Pacheco afirmou que acredita que a prorrogação pode ser concedida com anuência da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério da Fazenda e do STF, como forma de viabilizar uma transição breve. “Estamos propondo uma solução definitiva para todos os estados e, também, para o credor, a União. Creio ser então legítimo que haja um prazo maior para Minas equacionar a questão”, disse.

Mesmo assim, o presidente do Senado fez questão de cobrar uma atitude positiva de Romeu Zema, sem citar o seu nome. Ele pediu que o governo mineiro “tenha a responsabilidade” de pedir para aderir ao programa, em vez de buscar "outros meios para adiar", lembrando que ao longo dos 30 anos de sua vigência há a permissão para novas renegociações. Ele criticou ainda a tendência de o governo mineiro “não fazer nada” enquanto o Senado faz uma proposta concreta para solucionar o impasse.

Pacheco aproveitou a coletiva de imprensa em que apresentou o projeto para alfinetar a proposta original de Zema por implicar em “sacrifícios aos servidores do estado, eventual venda dos ativos para a iniciativa privada com valores aquém do justo, além de ver a dívida aumentar na sequência”.

Com isso, ele faz coro aos políticos locais de Minas, sobretudo da esquerda, contrários à venda da Cemig e à contenção de gastos. “O que queremos é pagar a dívida e ver os estados retomarem a capacidade de investimento, o que beneficia indiretamente a União e o Brasil”, acrescentou.


Governadores queriam renegociação com taxa de atualização menor para todos

Pacheco se reuniu na semana passada com governadores e vice-governadores de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Goiás, juntamente com integrantes do governo federal para buscar um consenso sobre a proposta de renegociação das dívidas dos estados com a União.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), levou a proposta do grupo de uma mudança do indexador de IPCA mais 4% para IPCA mais 1% como forma de garantir o pagamento das dívidas no longo prazo, sem que o estoque delas dobre em uma década, como já ocorreu. Os governadores propuseram ainda a criação de um fundo de equalização para que investimentos estaduais em segurança, saúde, educação e infraestrutura possam ser usados para o abatimento das dívidas.

Nos últimos dias, Romeu Zema voltou a pedir ao governo federal “tato” e “sensibilidade” para adiar a volta do pagamento da dívida de Minas Gerais. O desejo dele era de que fosse dado tempo para que o Congresso consiga avaliar antes o projeto de renegociação.

Após o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, pautar o julgamento da suspensão da dívida de Minas Gerais com a União para 28 de agosto, data posterior a 20 de julho, prazo em que o estado deveria voltar a pagar, o governo estadual avaliou pedir, mais uma vez, o adiamento da dívida. A nova prorrogação, entretanto, tem que ter o aval da AGU, que descartou a ideia.

O temor do governador é de que a AGU execute a dívida já no dia 21 de julho e, até lá, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais não autorize a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), nem o Congresso avalie a nova proposta de repactuação que deve ser entregue pelo senador Rodrigo Pacheco.


Sem alternativa, governo mineiro pode ser obrigado a pagar R$ 6 bilhões à União

O governo de Minas permaneceu de janeiro de 2019 a junho de 2022 sem pagar parcelas da dívida do estado com a União por liminares dadas pelo STF. O pagamento voltou a ser feito há dois anos, quando Minas renegociou as parcelas do serviço da dívida que deixou de pagar durante os três anos e meio. Segundo o Executivo mineiro, sem a prorrogação do prazo e, ainda, sem a adesão à recuperação fiscal, o estado teria que desembolsar R$ 6 bilhões apenas neste ano.

O comando da Cemig, uma das maiores empresas de energia do país com ações cotadas no Brasil e exterior, tem evitado comentar a proposta de federalização da companhia. “Federalização é tema dos acionistas. A gente tem muito pouco a comentar”, disse o presidente da concessionária, Reynaldo Passanezi Filho, em reunião com analistas.

Ele admitiu, contudo, que o tema avançou no governo federal. “Se espera uma resposta do Ministério da Fazenda em relação à proposta que está sendo negociada. Seguimos nosso dia a dia absolutamente normal, buscando melhor resultado para companhia, e é essa nossa função, independente de quem seja o acionista controlador”, disse.



Sílvio Ribas, Gazeta do Povo