No canto direito, vestindo calções azuis e pesando em torno de 350 votos, estava o grupo chefiado por Eduardo Cunha, presidente da Câmara, detentor de contas na Suíça e acusado pela Operação Lava Jato de receber propina nas obras do Porto Maravilha, em contratos de navio-sonda da Petrobras e na exploração de petróleo na África.
Eram deputados experientes, muitos envolvidos em desvios do erário público, seja no âmbito da Lava Jato ou em escândalos semelhantes. Com eles estava Michel Temer, vice-presidente eleito pela coligação PT-PMDB. Suspeita-se que dinheiro desviado da Petrobras tenha sido aportado nas campanhas da chapa em 2010 e 2014.
Temer já foi objeto de inquérito, arquivado, por suspeita de participar de um esquema de cobrança de propina de empresas detentoras de contratos no porto de Santos (SP). A Procuradoria-Geral da República avalia agora se o inclui em um inquérito para investigar sua participação na nomeação de dirigentes da Petrobras envolvidos no esquema de corrupção.
Apesar de não entrar propriamente no ringue, Temer contava ainda com vários deputados seduzidos por promessas de cargos e benesses em um eventual governo comandado por ele. Tinha o apoio majoritário da bancada do PSDB -grande parte, também suspeita-se, eleita com recursos de caixa dois- e de alguns deputados honestos que não aguentavam mais o pessoal no lado oposto do ringue.
No canto esquerdo, vestindo calções vermelhos e pesando em torno de 150 votos, estavam os representantes de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República e avalista pessoal de Dilma Rousseff.
Ao longo de 13 anos de governo petista, formou-se uma quadrilha de políticos e empreiteiros sem igual na história deste país. Eles bateram todos os recordes anteriores de desvio de dinheiro público. Quebraram a Petrobras, arrombaram o BNDES, pedalaram e criaram dívidas que serão pagas, a duras penas, pelo povo brasileiro. Com o dinheiro roubado, compraram eleições e corromperam o legislativo. E, como ninguém é de ferro, colocaram algum no bolso para garantir o futuro da família.
Compondo com a corja vermelha, estavam ainda alguns deputados honestos, que acreditam que impeachment é golpe e que existem quadrilhas de pensamento progressista.
A maioria do público torcia pelos lutadores de azul. Não que os considerasse honestos. Depois de 13 anos de cinismo e roubalheira, e em meio à crise econômica sem precedentes, simplesmente não aguentava mais o PT no governo.
A torcida de vermelho, todavia, era muito mais fanática e barulhenta. Era composta por membros de movimentos sociais remunerados pelo Estado, além de cantores, atores e humoristas em negação freudiana. Gente talentosa e com acesso à mídia, que preferiu se manter coerente com um passado que nunca existiu a dar o braço a torcer diante da realidade.
O cinturão em disputa? Bom, não era exatamente um cinturão, era a ocupação temporária da Presidência do Brasil. E por que esta gente queria tanto a cadeira de presidente?
Além da irresistível atração que o poder exerce sobre muitos, os dois lados precisavam do cargo para barrar a Lava Jato, controlar a Polícia Federal e se acertar com o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal, sob pena de ter o mesmo destino dos empreiteiros encarcerados.
E Dilma? Bom, Dilma já demonstrou, com palavras e atos, ser a pessoa mais arrogante e confusa da República. Com Dilma, não se consegue parar coisa alguma. Ou ela sai da Presidência (para a entrada de Temer, oficialmente, ou de Lula, no paralelo) ou vão todos para o vinagre.
Antes mesmo de soar o gongo, fui pegar onda. Não me interesso muito por lutas preliminares. O combate que realmente vale é o que ainda está por vir, entre os vencedores deste domingo e o time da Lava Jato. Nele será disputado o futuro do Brasil.
Voltei para casa e constatei que o grupo de azul ganhou por pontos: 367 a 137.
Fiquei preocupado. O pessoal de vermelho já estava na lona. O pessoal de azul ainda é muito perigoso.
JOSÉ PADILHA, 48, é cineasta. Dirigiu os filmes "Tropa de Elite" (2007), "Tropa de Elite 2" (2010) e "RoboCop" (2014)