PATRÍCIA CAMPOS MELLO - Folha de São Paulo
Análise feita pela Folha mostra que veículos de referência da mídia estrangeira não consideram golpe o impeachment da presidente Dilma Rousseff. A grande maioria dessas publicações, contudo, faz duras críticas ao processo.
O diário econômico britânico "Financial Times", em editorial de 15 de abril, afirma que falar em golpe é um "exagero", já que o processo é conduzido por um Judiciário independente e está previsto na Constituição.
O diário francês "Le Monde", em seu editorial "Brasil: Isto não é um golpe de Estado", afirma que é uma "retórica infeliz" usar a palavra golpe. Mas alguns dias depois o ombudsman do diário afirmou que o editorial não tinha sido "equilibrado", por ter omitido que os apoiadores do impeachment são acusados de corrupção e não ter abordado a parcialidade da imprensa nacional.
A Folha avaliou editoriais de 11 dos principais veículos de mídia estrangeira. Os editoriais transmitem a visão institucional dos jornais. Não foram analisados artigos assinados, que refletem apenas a opinião do autor do texto, nem reportagens, que devem contemplar todos os lados envolvidos em determinada questão, sem emitir opinião.
O jornal americano "New York Times", em editorial de 18 de abril, não julga se o impeachment é legítimo ou não. Diz apenas que o processo não está baseado nas "pedaladas fiscais" e trata-se de um "referendo" sobre o governo Dilma.
No texto, o diário concorda que muitos dos legisladores liderando o processo de impeachment são acusados de crimes muito mais sérios do que os imputados à presidente. Mas diz que ela também não pode driblar os questionamentos sobre corrupção.
O "Washington Post", também em 18 de abril, diz que o impeachment não é "um golpe contra a democracia".
O diário econômico americano "Wall Street Journal" publicou várias reportagens sobre a crise política, mas não fez nenhum editorial.
Já a revista britânica "The Economist" pediu a saída de Dilma em editorial de 26 de março, "Hora de ir embora", dizendo que a presidente, ao indicar seu antecessor Lula para um ministério, tinha perdido credibilidade.
Mas ressaltava que, sem provas de crimes, o impeachment seria apenas pretexto para derrubar uma presidente impopular. Em 23 de abril, a revista argumenta que a melhor opção seria a realização de novas eleições.
"Se Rousseff for afastada com base em uma tecnicalidade, Temer terá dificuldades para ser visto como um presidente legítimo."
Em editorial de 18 de abril, o diário espanhol "El País" afirma que o processo é baseado em uma "tecnicalidade fiscal", "recorrer a empréstimos de bancos públicos para equilibrar o orçamento", e que a presidente Dilma é a única a não ser acusada de enriquecimento ilícito. Mas não usa a palavra golpe.
O britânico "The Guardian" questionou os fundamentos para abertura de um processo do impeachment, mas não se furta a atacar o governo Dilma. Em editorial do dia 18 de abril, o diário diz que Dilma, chamada de "incompetente e inconsistente", cometeu apenas "uma infração, um delito".
O "Miami Herald" também critica a possível destituição."...Impeachment é uma punição exagerada para quebra de regras na administração do orçamento", diz o diário. "Persigam os corruptos e deixem os eleitores decidirem o destino de políticos incompetentes."
O correspondente do jornal alemão "Süddeutsche Zeitung" foi o que chegou mais próximo de classificar o impeachment de "golpe". Em artigo de opinião intitulado "Quase um golpe: o processo contra a presidente é errado", Boris Herrmann afirma que a palavra golpe não é "necessária nem adequada", mas que o processo tem "contornos golpistas". "A tentativa de se livrar de uma presidente eleita" não é "processo democrático".
Outro correspondente no Brasil de veículo alemão, Jens Glüsing da revista "Der Spiegel", diz: "Partidários de Lula alertam para um 'golpe não tradicional' contra a democracia. Não dá para dizer que essa preocupação seja totalmente descabida", declara.