sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Às vésperas da Olimpíada, surto de microcefalia faz o mundo olhar o Brasil

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
AVENER PRADO
Folha de São Paulo
No início do ano passado, por ter sintomas parecidos com os da dengue, ela chegou a ser chamada de "doença misteriosa".
À época, quando os primeiros casos foram identificados, o Ministério da Saúde tratou-a como uma infecção "benigna", com sintomas brandos: manchas na pele, coceira e febre baixa ou ausência de febre.
Agora, associada a um surto de microcefalia em recém-nascidos, a zika virou motivo de pânico tanto para mulheres grávidas como para aquelas com seus bebês de colo com a suspeita de má-formação da cabeça.
Para entender esse drama, a Folha viajou a Pernambuco, epicentro da epidemia, onde encontrou mães desassistidas e uma estrutura precária de atendimento às crianças.
Transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, vetor também da dengue, da febre amarela e da chicungunya, o vírus da zika circula em 28 países de diferentes partes do mundo, o que levou a OMS (Organização Mundial da Saúde) a decretar situação de emergência internacional.
O epicentro das suspeitas de microcefalia associadas ao vírus está no Brasil, também motivo de preocupação por ser a sede da Olimpíada, em agosto.
Avener Prado/Folhapress
Ação de combate ao Aedes em Serra Talhada (PE)
Ação de combate ao Aedes em Serra Talhada (PE)


Surto faz quatro países da América Latina recomendarem evitar gravidez



Daniele Santos, 29, mãe de Juan Pedro, 2 meses, em atendimento na fundação Alvares Penteado, no Recife
CLÁUDIA COLLUCCI
Com o aumento de casos de microcefalia em recém-nascidos no Brasil, governos de quatro países da América Latina e do Caribe (Colômbia, El Salvador, Equador e Jamaica), onde o vírus da zika já circula, passaram a recomendar que se evite engravidar.
O Brasil, no entanto, não adota a mesma orientação. Em novembro, Cláudio Maierovitch, diretor do departamento de vigilância de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde, chegou a aconselhar as mulheres a não engravidar, mas o ministério divulgou nota logo depois negando a recomendação.
A pasta diz que "a gravidez é uma decisão pessoal" e que não adotará nenhuma medida de controle de natalidade.
Engravidar ou não é só uma das questões que enfrentam mulheres atualmente diante do avanço do vírus da zika (veja quadro com perguntas e respostas abaixo). A posição do governo divide especialistas.
"É um absurdo. Já passou da hora de o ministério fazer essa recomendação [não engravidar]. As mulheres que estão engravidando neste momento estão desesperadas", diz o médico Artur Timerman.
Infectologista, ele conta que, em uma semana, atendeu no consultório 14 gestantes preocupadas com a zika. "Vão ficar com esse fantasma rondando até o sexto mês de gravidez [quando a microcefalia aparece no ultrassom]."
Já o também infectologista Esper Kallas, professor da USP, afirma que não cabe ao governo decidir se a mulher deve ou não engravidar. "É preciso fornecer informações para que ela tome a decisão."
Ele pondera, por exemplo, que não adianta recomendar ou não a gravidez com base nos casos atuais de microcefalia, já que, quando aparecem, eles são uma fotografia do que ocorreu meses antes.
"É mais útil mapear a circulação do vírus em tempo real e alertar a população para os cuidados", diz ele.
A tendência entre os especialistas, porém, é orientar mulheres jovens a adiar a gravidez. "Para quem tem até 30 anos, não vai mudar esperar dois ou três meses até sabermos como vão evoluir esses casos de microcefalia", diz o obstetra Renato Kalil, do Hospital Albert Einstein.
"Se não precisa engravidar agora, é melhor esperar um pouco", reforça o ginecologista César Fernandes, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. "Mas é complicado dizer isso às que estão no fim da vida reprodutiva."
Para as já grávidas, as principais recomendações são evitar áreas de infestação do Aedes, usar repelente, roupas leves e compridas, e instalar telas em portas e janelas.
"Todo o cuidado tem que ser tomado para evitar a exposição ao mosquito e a infecção pelo zika. Como a maioria dos casos [80%] é assintomática, muitas mulheres nem saberão se foram ou não infectadas", diz o obstetra Adolfo Liao, coordenador materno-infantil do Einstein.
As que manifestam sintomas podem recorrer a testes. O mais acessível, de biologia molecular, só funciona nos primeiros dias de infecção. O outro, que busca anticorpos do zika, custa R$ 900 em média e só está disponível em alguns laboratórios privados.
Após confirmada a zika, porém, não há o que fazer. Além de não existir remédio para curar a infecção, ainda não se sabe qual o risco real de o bebê desenvolver microcefalia.
No Nordeste do país, as alterações cerebrais dos fetos têm aparecido só por volta da 28ª semana de gestação.
"Fazendo um acompanhamento [com ultrassom] mais frequente, podemos identificar alterações mais cedo", afirma o obstetra Thomaz Gollop, professor da USP.
Já o obstetra Manoel Sarno, especialista em medicina fetal e que já acompanhou 80 casos de microcefalia associados à zika na Bahia, diz que será "improvável" o diagnóstico antes da 20ª semana.
Por isso, mulheres com diagnóstico de zika no início da gravidez têm recorrido ao aborto ilegal antes de saber se o feto tem microcefalia. Nessa fase há poucos riscos para a mulher. Quando a microcefalia é detectada, é mais difícil interromper a gravidez: é preciso causar a morte do feto, por meio de uma injeção no coração, para, depois, induzir o parto.
PERGUNTA E RESPOSTAS
1 - Estou grávida, e agora?
Procure um obstetra e faça um pré-natal com ao menos seis consultas. Para evitar o Aedes, elimine criadouros, vista roupas compridas e meias, instale telas em portas e janelas e use repelente. O mais indicado é o que tem icaridina (Exposis), pois dura até 10 horas
2 - Adianta eu me mudar para um lugar mais frio?
O risco diminui um pouco porque, em tese, há menos circulação de mosquitos. Mas saiba que o Aedes tem se adaptado a temperaturas mais baixas
3 - Como descubro se estou com zika?
A maioria dos casos é assintomática, mas, às vezes, o vírus pode causar dor de cabeça e nas articulações, vermelhidão e dor atrás dos olhos, febre baixa por 3 a 7 dias, vômitos, manchas vermelhas e coceira. O teste mais usado, o de biologia molecular, só funciona nos 5 ou 6 primeiros dias de infecção, quando o vírus ainda circula no sangue. Depois é indicado um exame que busca anticorpos de zika. Disponível na rede privada, custa em média R$ 900
4 - Se eu contrair o zika, qual é o risco de o bebê ter microcefalia?
Ainda não se sabe qual o percentual de gestantes com zika que acabam por ter filhos com microcefalia
5 - Qual é o período da gravidez com maior risco?
A suspeita é que o risco de microcefalia seja maior nos primeiros 3 meses. A possibilidade parece existir também, em menor grau, quando a zika é adquirida no 2º trimestre. A partir do 3º, o risco é baixo, pois o feto está formado
6 - Se eu tiver zika antes da gravidez, também corro o risco?
Ainda não se sabe se as mulheres que tiveram zika antes da gravidez adquirem imunidade e, portanto, não têm risco de passar o vírus para o feto. Mais estudos terão que ser feitos para se definir o intervalo seguro entre a infecção e a gravidez
7- Qual exame devo fazer para detectar a má-formação no bebê?
A microcefalia é diagnosticada na gravidez pelo ultrassom morfológico, exame que serve para medir o tamanho do crânio e avaliar as estruturas cerebrais e outros órgãos
8 - Quando é possível saber se o bebê tem ou não microcefalia?
Não há consenso sobre o prazo. Segundo os médicos, é recomendável que se faça o exame morfológico por volta da 22ª semana de gravidez. Se a mulher apresenta sintomas de zika, no entanto, o ideal é que se faça o ultrassom já a partir da 12ª semana mensalmente
9 - Por que eu não consigo saber mais cedo, no 1º trimestre de gestação?
Entre outros motivos, porque leva tempo entre a gestante ser infectada pelo vírus e ele causar danos no cérebro do bebê
10 - Encontrarei juízes dispostos a autorizar o aborto legal ou o chamado "terapêutico"?
Provavelmente, não. A vasta maioria dos casos de microcefalia não é incompatível com a vida, mesmo com as graves lesões cerebrais. Para autorizar o aborto, é preciso que três médicos atestem a impossibilidade de o bebê viver fora do útero
11 - Até quando posso abortar sem risco para a minha saúde?
Até a 14ª semana há menos risco de sangramento, embora nessa fase não seja possível saber se o feto tem ou não microcefalia. Mas a prática é ilegal
12 - Vou encontrar médicos dispostos a fazer um aborto clandestino?
Provavelmente sim, porque já existem relatos de abortos tanto no início da gestação (antes de confirmar a microcefalia) quanto depois da 20ª semana. Nesses casos, porém, tanto a mulher como o médico correm risco de detenção


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Zika pelo mundo
Países e territórios que registraram casos de vírus Zika. Fonte: CDC (Centro de Prevenção e Controle de Doenças, EUA)
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