Em recente artigo, o comentarista Carlos Alberto Sardenberg toca num ponto fundamental para a cidadania: a falta ou omissão de lideranças diante da aguda crise moral que atravessa a sociedade e suas resultantes crises política, econômica e social. O jornalista chama a atenção para o "capitalismo de amigos" que se formou nas últimas décadas e acabou se transformando no que ele considera "risco sistêmico".
No mesmo dia, reúnem-se para debater a crise política em um telejornal noturno três dos mais lúcidos comentaristas brasileiros: Boris Casoy, Fernando Mitre e Fernão Mesquita. E também são uníssonos a afirmar que pautas como a reforma política só vão progredir pela pressão da mídia e de novas lideranças da cidadania. Em ambos os casos, malgrado a ficha que já começa a cair entre os maiores jornalistas brasileiros, de que não há notícia nos tapetes verdes ou mármores brancos de Brasília, mas sim em novas lideranças que estão por surgir, cabe a pergunta de qual seja exatamente o papel da mídia para que apareçam tais lideranças. Pois a sua dificuldade de enxergar tais lideranças não significa que não existam.
No mesmo dia, reúnem-se para debater a crise política em um telejornal noturno três dos mais lúcidos comentaristas brasileiros: Boris Casoy, Fernando Mitre e Fernão Mesquita. E também são uníssonos a afirmar que pautas como a reforma política só vão progredir pela pressão da mídia e de novas lideranças da cidadania. Em ambos os casos, malgrado a ficha que já começa a cair entre os maiores jornalistas brasileiros, de que não há notícia nos tapetes verdes ou mármores brancos de Brasília, mas sim em novas lideranças que estão por surgir, cabe a pergunta de qual seja exatamente o papel da mídia para que apareçam tais lideranças. Pois a sua dificuldade de enxergar tais lideranças não significa que não existam.
Mas para quem se dedica a acompanhar as pautas da cidadania e da responsabilidade política dos cidadãos, o ponto fulcral da análise dos jornalistas é sua percepção da gênese da atual crise política, econômica e social numa crise moral anterior, que vem permeando toda a sociedade há décadas, seja pela conduta do vale-tudo do empresariado de resultados, seja pela libertinagem de conteúdos da própria mídia de entretenimento, seja pelo autismo institucional do meio acadêmico, seja pelo corporativismo das instituições de estado, pela omissão e desprestígio social da família, ou pelo paroxismo da degeneração de conduta dos próprios políticos. Todos, sem exceção, voltados mais para seus interesses corporativos – de prerrogativas ou privilégios, defesa ou poder - do que para o interesse público.
Pois gostaria de contribuir para este debate. Líderes existem, sim, e em grande quantidade, nos mais variados graus de escolaridade, percepção da sociedade, viés político ou situação social e econômica. São lideranças em seus círculos de relacionamento, seja no meio familiar, profissional, comunitário ou social. Só que nem a mídia, nem a classe política, enxergam ou consideram. São cidadãos e cidadãs comuns, das que encontramos casualmente pela rua, mas com o potencial para uma mudança mais ampla e perene do que um líder carismático qualquer, que já experimentamos na política personalista arcaica e vimos que não dá certo. Elegemos líderes soltos, "pais de todos" e não seguimos tomando conta de seus mandatos, nos ausentamos da responsabilidade de tê-los escolhido, alimentando a cultura da delegação absoluta. E quando acordamos da ilusão de que fizemos nossa parte, lá está a figura abusando de nossa confiança, servindo apenas a si mesmo e aos seus, fazendo o "diabo" para se manter sob os holofotes do poder. Como diz o malandro, procuração absoluta nem Cristo deu aos apóstolos.
A revolução da tecnologia da informação e da comunicaçãoinstantânea das redes sociais está derrubando, enfim, esta figura de líder carismático e eliminando o fundamento da representação política tradicional, que era o distanciamento geográfico e social. No lugar dessas figuras idealizadas, surgem os pequenos líderes concretos que todos podemos ser em face de uma comunidade qualquer, desde que nos dediquemos à causa que a justifica. Somos então milhares de líderes dispersos aguardando apenas uma convocação para emergirmos como força transformadora de uma nova cultura política. Por que somos uma maioria que tem declarado ojeriza à política tradicional. E temos mesmo recusado ofertas para participação ou ao menos colaboração com grupos políticos profissionais e preferido uma vida à parte "disso tudo que está aí". E este resulta ser exatamente no grande gargalo para a retomada do rumo do país: a omissão política da grande maioria dos cidadãos de bem resulta que a política é dominada pelos delinquentes de sempre.
Puro preconceito? Aguda percepção de uma realidade? Tanto faz. O resultado é o empobrecimento qualitativo do que partidos têm a oferecer ao país, assaltados que estão pelos piores de nós, e não os melhores, as elites sociais como se chamava em bom português. E a consequência é o sentimento de alienação, de "despertencimento" que provoca na sociedade, de cima a baixo. Se Brasília foi criada com a nobre intenção de descentralizar o país e seus recursos, ocupar áreas inóspitas e integrar o território nacional, o resultado político foi o surgimento de uma verdadeira "ilha da fantasia", como já se chamou, descolada da realidade das demais unidades da federação, imersa em seus próprios problemas e avessa à participação da sociedade em decisões que afetam a todos.
O que mais se ouve hoje, como o próprio Sardenberg diz em seu artigo, é que o Brasil não tem uma liderança capaz de orientar a travessia por este mar turbulento. Discordamos. Como já disse, o fato de a imprensa ter dificuldade em reconhecer lideranças que não sejam as formais da velha política, não significa que novas lideranças não existam! Estão difusas num coletivo de milhares de cidadãos empreendedores, profissionais liberais, de carreiras de estado, terceiro setor, academia privada, todos dispersos sem "onde" se encontrar! Sem "causa em que" ou “em prol de que” se representar! Cabe aos melhores e mais argutos jornalistas e alguns poucos produtores de conteúdo identificar! O papel de nosso Instituto é o de criar este espaço e mostrar suas caras! Lutando com toda a dificuldade de uma organização que não recebe recursos de origem pública, colecionamos 300 exemplos! Dos quais pelo menos 100 são de alto nível! Só que eles mesmos não sabem! Só vão saber quando virem suas faces representadas no espaço público da mídia e sob uma única causa definitiva e prioritária de reinventar a política nacional! Pois todos estavam ali no espaço dos Agentes de Cidadania da Voz do Cidadão para apresentar uma proposta de política pública setorial, no campo de sua competência, e não para malhar políticos delinquentes. Uma maneira bastante simples de acabar com o mito de que não há lideranças ou vivemos numa oclocracia. O mercado não sabe o que quer! Quando sempre foi missão essencial da imprensa não apenas ladrar como um cão de guarda das virtudes públicas, mas sobretudo formar cidadãos guiando-os como um cão guia! Cabem aos grandes empreendedores sociais a missão de oferecer o produto que o mercado não sabe qual é! É uma pena que nosso Instituto seja apenas admirado pelo trabalho ingrato de difundir a cultura de cidadania em espaços tão acanhados das redes sociais e não consiga convencer seus parceiros de mídia há mais de 30 anos que não temos outro caminho a seguir! A velha notícia dos velhos políticos não tem mais audiência entre os cidadãos que correm cada dia mais para se informar e se formar nas redes sociais. A notícia política está na nova política que os cidadãos estão buscando e não sabem apenas que se encontra em suas próprias condutas públicas. Daí o papel essencial da imprensa de abrir este novo espaço. Como a famosa coleção de 85 artigos publicados na imprensa americana em 1788, depois chamados de The Federalist,assinados pelo pseudônimo de Publius, não foram se não a mais arrojada campanha pela constituição, pela democracia e pela afirmação da cidadania americana.
Não temos a liderança entendida como tradicional, personalista e profissional, carismática, já chamada de “o pai dos pobres”, “o caçador de marajás”, e mais recentemente, de “o nosso guia”. Mas temos milhares de líderes que a mídia não mostra as caras, dispersos na multidão dos que não compactuam com esta velha política de representação delegada incondicional. O problema é que estas novas lideranças não estão reunidas num único lugar para debate, quando poderiam se mostrar mais fortes e eficientes do que qualquer “messias” do momento. Esses esforços individuais, vindos de grupos empresariais, membros de instituições de Estado, cidadãos singulares, entidades do terceiro setor, agremiações políticas - devem compreender que somente se tornarão sujeitos políticos se formarem uma força única, acima de partidos e governos - e que o debate público acontecerá "como nunca neste país" se conseguirem construir um lugar de pertencimento na vida política, que alguns dos novos partidos até almejam ser, mas ainda sem a devida compreensão ou experiência para concretizar.
Não temos a liderança entendida como tradicional, personalista e profissional, carismática, já chamada de “o pai dos pobres”, “o caçador de marajás”, e mais recentemente, de “o nosso guia”. Mas temos milhares de líderes que a mídia não mostra as caras, dispersos na multidão dos que não compactuam com esta velha política de representação delegada incondicional. O problema é que estas novas lideranças não estão reunidas num único lugar para debate, quando poderiam se mostrar mais fortes e eficientes do que qualquer “messias” do momento. Esses esforços individuais, vindos de grupos empresariais, membros de instituições de Estado, cidadãos singulares, entidades do terceiro setor, agremiações políticas - devem compreender que somente se tornarão sujeitos políticos se formarem uma força única, acima de partidos e governos - e que o debate público acontecerá "como nunca neste país" se conseguirem construir um lugar de pertencimento na vida política, que alguns dos novos partidos até almejam ser, mas ainda sem a devida compreensão ou experiência para concretizar.
Esta identidade comum, que chamamos de Agentes de Cidadania, deve ser moldada principalmente pela mídia, visto que a educação tradicional leva pelo menos duas gerações para ter efeito e o Brasil não tem mais esse tempo todo disponível. É um espaço perfeito para influenciar o imaginário social e criar na sociedade a percepção de que não é preciso um "grande pai". Somos perfeitamente capazes de discutir nossas posições e decidir o que é melhor para o bem coletivo. Basta aglutinarmos esforços, conhecimento e percepções que, hoje, estão dispersos pela sociedade. E lugar melhor do que o espaço simbólico da mídia não há, desde os tempos do código de Hamurabi gravado em pedra no centro de uma cidade da Pérsia antiga.
É a chave que precisamos para transformarmos os grupos de idiotei – do grego, pessoa que não se envolve em atividades políticas – em politeia, as cidades-estado governadas por assembleias de cidadãos.
Jorge Maranhão, mestre em filosofia pela UFRJ, dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão