quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

O índice de preços ao consumidor como evidência de um erro metodológico, por Keith Wilkinson

 

Nota da edição:

Recentemente, tivemos a notícia que o IPCA do mês de novembro ficou acima do esperado, mostrando uma possível piora da economia brasileira com maiores pressões inflacionárias. Nesse sentido, o artigo a seguir usa o caso americano do Consumer Price Index para mostrar como medições quantitativas oficiais de inflação não são confiáveis e trazem uma concepção equivocada do fenômeno inflacionário. 


Riqueza das Nações de Adam Smith (1776) é considerada o ponto de partida da economia moderna, uma disciplina de pensamento filosófico e político. De Smith até Marx, a economia foi, fundamentalmente, uma explicação do comportamento humano — até que as nações ocidentais, impulsionadas pelos avanços tecnológicos e pela Revolução Industrial, passaram a tentar transformar a economia em uma ciência quantitativa. Principles of Economics (1890), de Alfred Marshall, é visto como o início dessa mudança metodológica na economia e desencadeou o debate sobre se a economia deveria ser quantitativa ou qualitativa.

A perspectiva quantitativa passou a empregar a precisão matemática típica das ciências naturais como a física e a química para modelar e prever a economia. Já a perspectiva qualitativa via a economia como igualmente rigorosa, mas restringia o pensamento econômico ao estudo do comportamento humano e dos mercados. A virada quantitativa continuou profundamente ao longo do século XX com o keynesianismo, a economia neoclássica e o monetarismo, estimulando o surgimento de uma série de novas estatísticas econômicas. Uma dessas estatísticas é o Índice de Preços ao Consumidor (CPI na sigla em inglês, a versão americana do IPCA brasileiro), que é um exemplo desse erro metodológico: o abandono da abordagem qualitativa em favor de um método predominantemente quantitativo.

O Bureau of Labor Statistics (BLS) iniciou o cálculo do CPI em 1919, registrando preços de varejo pagos pelos consumidores. Ao longo das décadas, o BLS modificou a forma de calcular o índice — seja quanto às regiões geográficas utilizadas na amostragem, aos bens e serviços incluídos ou ao peso atribuído a cada categoria de preços. O CPI acabou se tornando um dos indicadores mais observados do custo de vida. Ele é utilizado pelo governo federal como um termômetro da economia, na definição das taxas de juros, e também é usado pelo Federal Reserve para determinar sua política monetária. Ainda que o CPI tenha grande impacto sobre a intervenção governamental — e, portanto, sobre a população dos Estados Unidos — existem três problemas fundamentais: primeiro, não há um “nível geral” de preços que possa ser medido; segundo, os métodos usados para calcular o CPI são questionáveis; e, por fim, o uso do CPI pelo governo tem causado danos financeiros.

Não existe algo como um nível geral de preços

Quando as pessoas pensam em preços, geralmente imaginam que existe um nível geral de preços e que a inflação pode ser determinada medindo-se a variação desse nível entre um momento A e um momento B. O problema é que não existe um nível agregado de preços. O mercado é formado por compradores e vendedores individuais que concordam em trocar bens ou serviços por um preço específico, em um momento específico. Como esse processo acontece continuamente, centenas de milhões de vezes por dia, não há como medir um nível estável de preços. É como tentar reduzir o comportamento de um enorme enxame de abelhas a um único número.

[Leia mais sobre isso no artigo Expondo o Mito do Nível de Preços escrito por Jonathan Newman]

Além disso, quando um novo dinheiro entra no mercado, os preços dos bens e serviços não são afetados de maneira uniforme nem ao mesmo tempo. Aqueles que têm acesso antecipado a esses recursos elevam primeiro os preços de alguns bens. No entanto, isso pode acontecer antes que haja qualquer aumento salarial para os consumidores que recebem o dinheiro mais tarde, no fim da cadeia. Mises resumiu esses efeitos Cantillon da seguinte forma:

“Quando as pessoas falam de um “nível de preços”, elas têm em mente a imagem de um nível de líquido que sobe ou desce conforme aumenta ou diminui sua quantidade, mas que, como um líquido em um tanque, sempre se eleva de forma homogênea. Porém, com os preços não existe algo como um “nível”. Os preços não mudam na mesma proporção nem ao mesmo tempo. Sempre há preços que estão mudando mais rapidamente, subindo ou caindo mais depressa do que outros”.

Uma cesta de erros

O CPI é baseado em uma “cesta de bens”. Isso evoca a imagem simpática de um cesto de vime com um cobertor xadrez de piquenique, algo bastante familiar. Mas não há nada de familiar na maneira como o CPI é realmente calculado.

Para medir com precisão as variações nos preços, é necessário haver consistência nos bens e serviços utilizados. Infelizmente, o BLS adota um processo que se estende por vários anos, no qual amostra 211 categorias diferentes de bens e serviços em 32 regiões geográficas distintas, coletando preços para 243 itens. Isso gera uma matriz de 7.776 combinações item-região. Esses preços então recebem diferentes ponderações dentro do algoritmo — uma verdadeira “caixa-preta” — que produz o índice CPI. Embora possa parecer apropriado usar um conjunto tão amplo de dados, o problema é que a agregação de preços tão distintos, distribuídos por regiões enormes, resulta em uma medida que não se assemelha à combinação real de produtos que consumidores individuais compram, nem aos preços que realmente pagam. O tipo, a qualidade e o conjunto de itens adquiridos são escolhas feitas por indivíduos em circunstâncias únicas. Tentar agregar tudo isso em uma única “cesta de bens” que supostamente represente os produtos e os preços enfrentados pelas pessoas é algo, no mínimo, questionável. Mises expressou isso bem: “Uma dona de casa prudente sabe muito mais sobre mudanças de preços no que diz respeito ao seu próprio lar do que qualquer média estatística pode revelar”.

O uso do CPI para orientar decisões de política pública causou danos financeiros

Dadas as limitações da metodologia utilizada para calcular o CPI, é inevitável que ele funcione como um indicador enganoso do estado real da economia. Isso ficou evidente no início dos anos 2000, quando a inflação medida pelo CPI se mantinha dentro da meta de 2–3% ao ano e o Federal Reserve acreditava que a economia estava saudável. Na tentativa de “administrar” a recuperação pós-bolha das empresas pontocom, o Fed manteve uma política monetária expansionista, mantendo a taxa básica de juros (federal funds rate) na faixa de 1–3%. Apesar do CPI parecer “controlado”, formava-se uma bolha de ativos no setor imobiliário devido às baixas taxas hipotecárias. Em certas regiões, os preços das casas subiam dois dígitos ao ano. Por conta do falso sinal emitido pelo CPI baixo, o Fed persistiu na política de juros reduzidos até 2005–2006. Nesse ponto, os preços dos imóveis já haviam alcançado níveis insustentáveis, o que culminou no colapso imobiliário de 2008. Sinais igualmente enganosos ocorreram em 2020–2021, durante os programas federais pós-covid. Embora houvesse forte gasto estimulatório, o CPI se manteve inicialmente comportado. Quando o CPI apresentou aumento significativo em 2022 — ultrapassando 9% — o boom expansionista já estava consolidado, causando prejuízo financeiro considerável ao público americano.

Conclusão

A economia começou como uma disciplina voltada para compreender os mercados e a ação humana em um sentido amplo e qualitativo. Porém, esse quadro começou a mudar no início do século XX, à medida que se passou a acreditar que a economia poderia oferecer precisão quantitativa. Usando modelos matemáticos, economistas passaram a projetar e recomendar políticas para “gerenciar” a economia. O uso governamental do CPI é um exemplo claro dessa presunção metodológica.

Seja pela realidade de que um “nível geral de preços” não existe; seja porque uma “cesta de bens” não pode representar com precisão a experiência concreta do consumidor individual; ou ainda pela vasta evidência de que o uso do CPI tem conduzido a políticas monetárias equivocadas — o fato é que essa mudança metodológica foi um erro. A economia é uma disciplina rigorosa, mas precisa retornar ao seu papel adequado como ciência qualitativa voltada para compreender mercados e ação humana — e não para produzir previsões numéricas e oferecer prescrições de política para o estado.




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