O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é o principal patrocinador da PEC do quiquênio, que cria bônus para juízes e outras categorias.| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
O plenário do Senado pode votar nos próximos dias a proposta de emenda à Constituição (PEC) 10/2023, a controversa PEC do quinquênio, também chamada de “PEC dos privilégios” ou “PEC dos penduricalhos”. O texto cria um adicional de 5% a cada cinco anos ao salário de magistrados e membros do Ministério Público (MP), além de outras categorias que foram incluídas posteriormente.
A polêmica se dá em razão do gasto que se criará para a criação do benefício, voltado a carreiras que já dispõem de altos salários, na comparação com outros servidores públicos. Um levantamento recente do Tesouro Nacional mostrou que, entre 53 países pesquisados, o Brasil é o que mais gasta recursos públicos com tribunais de Justiça.
A proposta é do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Em um substitutivo já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, o relator, Eduardo Gomes (PL-TO), acatou emendas que estendem a vantagem para membros da Advocacia Pública da União, dos estados e do Distrito Federal, da Defensoria Pública, delegados e ministros e conselheiros de tribunais de contas.
Além disso, outros servidores públicos que, “por previsão constitucional ou das respectivas leis de regência, sejam impedidos ou optem por não exercer outra atividade remunerada” também poderão ter acesso à compensação.
Conforme o texto, a parcela extra será calculada sobre o subsídio base a cada quinquênio até o limite de 35% de adicional. O reajuste não entra no cálculo do teto constitucional, valor máximo que cada servidor público pode receber. Além disso, a proposta assegura a contagem de tempo anterior à eventual data de publicação da emenda constitucional, caso aprovada. Ainda de acordo com a proposição, o adicional valerá também para aposentados e pensionistas que gozam do direito de igualdade de rendimentos com os colegas em atividade.
A Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado calculou que o impacto fiscal da medida até 2026 seria de pelo menos R$ 81,6 bilhões para governo federal e estados, caso estivesse em vigor durante todo o ano de 2024. De acordo com nota técnica do órgão, o impacto seria de R$ 25,8 bilhões em 2024, R$ 27,2 bilhões em 2025 e R$ 28,6 bilhões em 2026.
Mas os técnicos da consultoria também destacam que a PEC “introduz uma autorização indefinida para extensão a quaisquer cargos e carreiras por parte de atos dos Poderes e órgãos autônomos de cada ente, a qual impede a identificação de quais seriam os beneficiários adicionais”.
Assim, “o efeito da parcela relativa às demais extensões possíveis do benefício permitidas pelo texto da proposição é materialmente impossível de calcular, dada a impossibilidade de especificar quais seriam tais cargos”. Por isso, os R$ 81,6 bilhões representariam “uma fração do impacto” fiscal da PEC, segundo a nota técnica.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), disse, no dia da aprovação da proposição na CCJ, que o impacto poderia chegar a R$ 42 bilhões por ano a depender do número de carreiras públicas beneficiadas. A estimativa está em linha com a do Ministério da Fazenda, que calcula algo em torno de R$ 40 bilhões e vê a PEC como uma pauta-bomba para as contas públicas.
Judiciário concentra maiores salários e gasto do Brasil é o maior do mundo
Para o Centro de Liderança Pública (CLP), organização que atua na defesa do uso mais eficiente dos recursos públicos, a aprovação da PEC contribuiria para o aumento da desigualdade salarial, fazendo com que muitos dos servidores beneficiados passem a ganhar acima do teto do funcionalismo.
“A PEC dos quinquênios vai na direção contrária da busca por maior eficiência do setor público, aumentando o número de incentivos prejudiciais. Muitos servidores, especialmente no Judiciário, ingressam na máquina pública já com remunerações elevadas, e com a progressão ocorrendo, principalmente, com base em tempo de serviço ou obtenção de certificados e não baseada em entrega de resultados. As consequências de tais distorções são duas: tanto a baixa qualidade dos serviços públicos, quanto o elevado peso do gasto com pessoal no orçamento público”, afirma a entidade.
Estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2021 mostrou que o Judiciário é o poder que concentra os maiores salários no funcionalismo brasileiro. A média salarial (R$ 12,12 mil), conforme os dados da época, ultrapassava o triplo do pago pelo Executivo (R$ 4,03 mil).
Conforme mostrou o blog do jornalista Lúcio Vaz, da Gazeta do Povo, salários, indenizações e demais penduricalhos pagos no sistema de Justiça brasileiro somaram um total de R$ 95 bilhões nos últimos seis anos e meio.
Desse total, os salários em si consumiram R$ 56 bilhões. “Direitos eventuais”, mais R$ 29 bilhões, enquanto “direitos pessoais”, outros R$ 2,4 bilhões. As indenizações – auxílios saúde, alimentação, moradia, natalidade, pré-escolar – totalizaram R$ 7 bilhões.
Boletim de Despesas do Tesouro Nacional divulgado no início do ano mostrou ainda que o Brasil é o país que mais gasta recursos públicos com tribunais de Justiça, de uma lista de 53 nações.
Na soma de União, estados e municípios, o setor público destinou aproximadamente 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB) para os tribunais tanto em 2021 (1,61%) quanto em 2022 (1,58%). Entram nessa rubrica os gastos com tribunais de Justiça estaduais e regionais, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Ministério Público, entre outros.
O gasto brasileiro nessa área corresponde a quatro vezes a despesa média dos 53 países da lista (0,4% do PIB). Segundo o Tesouro, as economias avançadas destinam em média 0,3% do PIB para os tribunais. Nas economias emergentes, o gasto médio com o Judiciário corresponde a 0,5% do PIB.
Fora o Brasil, apenas Costa Rica e El Salvador gastam mais de 1% do PIB nessa área, segundo o levantamento. Todos os dados internacionais citados são de 2021 e vêm de bases da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Fundo Monetário Internacional (FMI).
Pacheco promete promulgar PEC com sanção de projeto que limita supersalários
Diante da repercussão negativa do avanço da PEC, Pacheco, principal patrocinador do texto, disse que, caso aprovada pelo Congresso, a proposta só será promulgada caso seja sancionado também o projeto de lei 2.721/2021, que regulamenta vencimentos acima do teto constitucional, os chamados supersalários. A promessa já havia sido feita em novembro de 2022.
Sob pressão do Judiciário, projeto que limita “supersalários” está parado no Senado
“Há um compromisso meu, como presidente do Senado e do Congresso Nacional, de que a estruturação das carreiras do Judiciário e do Ministério Público, com a valorização do tempo de magistratura em função da dedicação exclusivíssima que eles têm, só será promulgada, na eventualidade de apreciação pelo Senado e Câmara, se houver aprovação do projeto de lei que define as verbas indenizatórias e que acaba com os supersalários no Brasil”, disse o senador em coletiva na última terça-feira (23).
O presidente do Senado disse ainda que a PEC do quinquênio está limitada ao orçamento dos próprios órgãos atingidos pela medida, e não ao Orçamento da União. “Considero a proposta muito importante. Ela está limitada ao orçamento dos próprios órgãos e aplicada a carreiras que têm especificidades. A economia do projeto de lei de fim dos supersalários é superior”, prosseguiu Pacheco.
O governo negocia com Pacheco e com o relator da PEC, Eduardo Gomes (PL-TO), a possibilidade de alterar o texto no plenário da Casa, restringindo as categorias beneficiadas pelo adicional por tempo de serviço. O presidente do Senado estaria disposto a “desidratar” a proposta para diminuir a resistência do governo à sua aprovação.
PEC do quinquênio não conta com apoio de Lira na Câmara
Na quarta-feira (24), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por sua vez, disse que a matéria dificilmente prosperará na Casa, caso seja aprovada no plenário do Senado. “Um assunto como a PEC do Quinquênio dificilmente terá andamento na Câmara”, afirmou, em um debate organizado pela Confederação das Associações Empresariais e Comerciais do Brasil (CACB), em Brasília.
No dia seguinte, ele voltou ao assunto, em entrevista à GloboNews. “Cada um com as suas responsabilidades. Não foi a Câmara que pautou o Quinquênio. Cada um que pauta as suas coisas, que responda por elas, não se pode dizer que a Câmara pautou um projeto até hoje de pauta-bomba […] Colocados os números que a Fazenda coloca, que podem variar de R$ 40 a R$ 80 bilhões, é mais do que uma pauta-bomba”, afirmou.
Para entrar em vigor, um PEC precisa passar por sessões de discussão em plenário e ser votada em dois turnos em cada Casa do Congresso. A peça só é considerada aprovada se obtiver pelo menos três quintos dos votos (308 deputados e 49 senadores) em cada um dos turnos. Caso aprovada, a PEC é promulgada pelo Congresso e seu texto é inserido como emenda à Constituição.
Célio Yano, Gazeta do Povo