Resolução assinada pelo ministro Luiz Fux, presidente do STF, diz que comitê do Programa de Combate à Desinformação trabalhará junto com agências de checagem| Foto: Fellipe Sampaio/STF
No recém-lançado Programa de Combate à Desinformação (PCD), que será conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para combater conteúdos que, na visão do Tribunal, possam ser enquadrados como "desinformação e narrativas odiosas" direcionadas à Corte, o Supremo informou que uma das medidas será a aproximação do Comitê Gestor às agências de checagem. De acordo com a Resolução 742, que institui o PCD, esses veículos são responsáveis por “buscar solucionar o problema da desinformação e dos discursos de ódio”.
A validação, pelo STF, do que seria verdadeiro ou falso no debate político a partir da análise das agências de checagem (ou fact-checking) é vista com receio por conservadores e liberais. Uma parcela desse grupo vê a atuação das principais fact-checkers do país como tendenciosa a uma visão política em específico. Veículos que dão espaço a vozes alinhadas à direita já foram apontados pelas agências, em alguns casos de forma inverídica, como “propagadores de fake news” devido à sua linha editorial.
De acordo com o cientista político e professor do Insper Fernando Schüler, há enviesamento político na atuação de algumas dessas agências, o que, segundo ele, é possível identificar pela maneira como são feitas as análises, pelas escolhas curatoriais e até mesmo pelo perfil dos convidados para entrevistas veiculadas. “Isso é ruim, pois as agências de checagem poderiam cumprir um papel essencial no debate democrático. Mas, na medida em que optam por uma certa visão política, tendem a perder seu principal ativo: a confiança das pessoas, em uma sociedade plural”, diz.
Quanto ao uso dessas plataformas de verificação, pelo STF, como ferramentas para legitimar o que é verdadeiro ou não, o cientista político argumenta que as agências de fact-checking são, por definição, organizações privadas, que trabalham a partir do convencimento. “É um grande erro tentar de algum modo tornar a sua visão uma posição ‘oficial’ do Estado”, afirma Schüler.
Para o empresário e comentarista político Leandro Ruschel, que já foi criticado pelos fact-checkers, uma eventual consequência da aproximação do STF aos veículos de checagem seria a validação de uma espécie de "discurso permitido", vedando posicionamentos divergentes e colocando em risco a liberdade de expressão. “Essas agências são alinhadas com a esquerda. Se um tribunal, especialmente a mais alta corte do país, define através de uma agência o que é verdade ou mentira, já está dando a ela o poder de decidir sobre causas que nem foram julgadas pelos ministros”, avalia Ruschel.
Filantropos comprometidos com agendas de esquerda são financiadores do fact-checking
As agências de checagem tiveram um crescimento exponencial nos Estados Unidos em 2016 – ano em que o republicano Donald Trump venceu as eleições presidenciais no país contra a candidata democrata Hillary Clinton – e, desde então, elas se mantêm em alta. Um ano antes, havia sido lançada a International Fact-Checking Network (IFCN), que atualmente é a maior autoridade em fact-checking do mundo e certificadora internacional de checadores.
A IFCN, que pertence à escola de jornalismo sem fins lucrativos Poynter Institute e é responsável por instruir e auditar o trabalho de agências verificadoras de diversos países, inclusive do Brasil, é financiada principalmente por grandes empresários filantropos vinculados a causas políticas de esquerda – a exemplo de George Soros, Pierre Omidyar e Craig Newmark. Empresas como Facebook e Google também destinam recursos à entidade.
No Brasil, há três agências reconhecidas pela IFCN: Aos Fatos, Lupa e Estadão Comprova. Apesar de as duas primeiras terem sido fundadas anos antes das eleições presidenciais de 2018, foi naquele ano que o papel das checadoras como principais protagonistas na apuração de fatos foi alcançado no país, semelhante ao ocorrido nos Estados Unidos.
O salto financeiro no modelo de negócio das agências de checagem a partir das eleições de 2018 fica evidente nas informações de faturamento de uma das principais fact-checkers brasileira: o aumento percentual naquele ano foi 222%, passando de R$ 180 mil, em 2017, para R$ 580 mil no ano seguinte.
Nos Estados Unidos, a primeira grande injeção de recursos financeiros para o trabalho de verificação de fatos veio de Craig Newmark, bilionário fundador do Craigslist. A doação de US$ 1 milhão (o equivalente a mais de R$ 5 milhões em valores atuais) à IFCN ocorreu logo no mês seguinte à vitória de Trump nas eleições de 2016. A ideia de investir em um projeto de fact-checking foi uma consequência da eleição do candidato republicano. Segundo o próprio Newmark, em entrevista à Forbes, naquela época ele sentiu “que o sistema imunológico da democracia precisava de ajuda”.
A partir daí teve início um processo crescente de doações robustas, por parte de Newmark, para entidades com pensamento político em ressonância com a visão ideológica do bilionário. Desde 2016, ele doou US$ 170 milhões para o “jornalismo sem fins lucrativos” – segundo ele, para combater o assédio contra jornalistas e garantir a integridade eleitoral. Essas áreas, ele acredita, são os “espaços de batalha” da guerra de informação.
Evitar a reeleição de Trump fazia parte da “batalha” citada pelo filantropo, que foi doador da campanha da candidata Hillary Clinton em 2016. Como informa a entrevista à Forbes, publicada antes das eleições presidenciais do ano passado, “2020 [ano de eleições no país norte-americano] seria um ano decisivo para Newmark, pois indicaria se seu dinheiro havia sido bem gasto ou não”.
Em 2017, uma nova rodada de investimentos chegou à IFCN: Pierre Omidyar, por meio da Omidyar Network, e George Soros, por meio da Open Society Foundations, doaram US$ 1,3 milhão à “autoridade mundial do fact-checking” com o objetivo de, em tese, “ampliar o combate à desinformação”.
Omidyar é um bilionário francês de origem iraniana, fundador do site de leilões eBay e financiador de projetos e instituições progressistas. Um dos empreendimentos financiados por ele é a First Look Media, mantenedora do site de notícias The Intercept, que possui linha editorial abertamente de esquerda.
O empresário, que já fez doações para campanhas de candidatos do Partido Democrata, incluindo Hillary Clinton e Barack Obama, doou R$ 2 milhões para a rede de ativismo brasileira que criou uma página do movimento de esquerda Sleeping Giants Brasil. Para o projeto de checagem de fatos da IFCN, ele aporta milhões de dólares em recursos não somente pela Omidyar Network, mas também pelo Democracy Fund, do qual também é fundador.
Já Soros, fundador da Open Society Foundations e um dos maiores filantropos do mundo, repassou bilhões de dólares em doações para ONGs e outras entidades progressistas e campanhas de políticos norte-americanos de esquerda. No Brasil, conforme mostrou reportagem da Gazeta do Povo, entre os anos de 2016 e 2019 ele destinou o equivalente a cerca de R$ 117 milhões para mais de cem entidades; várias delas dedicadas ao ativismo político.
Na época em que Soros e Omidyar anunciaram os investimentos no projeto de fact-checking da IFCN, a jornalista dinamarquesa Iben Thranholm declarou: “Esses nomes têm uma agenda política muito forte. É como se houvesse muitas pessoas que pensam que é perigoso não ser capaz de controlar a mídia; então, separar o que supostamente seriam as notícias reais e as notícias falsas é, na verdade, uma forma de controlar a narrativa. Portanto, se você quiser se opor a esses poderes políticos, será censurado. É claramente uma espécie de censura”.
Ao todo, há 18 organizações, dentre empresas e instituições de filantropia fundadas por grandes empresários, que sustentam a IFCN. Dentre essas empresas estão o Facebook e o Google. O Facebook, por exemplo, que também mantém contratos com agências de checagem brasileiras, contrata os fack-checkers para que verifiquem as publicações denunciadas por usuários da rede social como potencialmente enganosas e deem um “veredito” sobre elas. Ou seja, caso um grupo ideológico decida fazer uma campanha de denunciação massiva de alguma publicação que seja contrária a seus valores, essa publicação será verificada pelas agências, e o que elas declararem como sendo verdadeiro ou falso norteará o que permanecerá nas redes sociais e o que será eliminado.
“Há um óbvio conflito de interesse quando empresas que controlam as redes, como Facebook e Google, financiam o Poynter Institute e as próprias agências de checagem. Fica parecendo que, no final, as Big Techs dão as cartas e definem as políticas de censura, mas querem passar um ar de verificação independente com esse arranjo”, diz Ruschel.
Agências brasileiras
A IFCN, que também repassa recursos para as agências a ela vinculadas, audita anualmente esses veículos para verificar se estão de acordo com seu código de princípios, que tem como pilar – ao menos em tese –, a “verificação de fatos não partidária e transparente”, sendo vedada a tomada de posições políticas durante as checagens.
As agências brasileiras filiadas têm sua atuação aprovada com êxito anualmente apesar de, em um dos relatórios, até mesmo o auditor responsável por emitir o parecer ter apontado que havia percebido uma grande incidência de checagens relacionadas ao governo de Jair Bolsonaro; desproporcionalidade que em nada reduziu a avaliação de isenção da agência.
O próprio auditor, aliás, é um enfático crítico do governo federal brasileiro em suas redes sociais, onde também manifesta suas preferências políticas. Já a fundadora e sócia da agência Lupa assumiu um cargo na diretoria da entidade avaliadora em 2019.
Em pesquisa sobre alguns dos diretores e checadores das principais agências de verificação brasileiras, a reportagem identificou variadas interações nas redes sociais – por curtidas, retuítes ou menções positivas – relacionadas a políticos e siglas de esquerda, algumas delas sendo críticas a atores políticos alinhados à direita. Um dos diretores de uma dessas agências já integrou a Secretaria de Imprensa do governo Dilma Rousseff (PT) em seu último mandato. Alguns dos checadores também se intitulam, nos canais digitais, como militantes de causas políticas e ideológicas.
Apesar de as convicções pessoais dos jornalistas em nada diminuírem seu mérito profissional, manifestações dessa natureza colocam em xeque a isenção necessária para determinar o que, de fato, é verdadeiro ou falso no debate público.
Veículos e conteúdos que divergem de pautas progressistas como alvo dos fact-checkers
Ao mesmo tempo em que parte das publicações de disseminadores de boatos e desinformação é corretamente desmentida pelas agências verificadoras – apesar de haver, na avaliação de Ruschel, uma significativa desproporção na cobertura de supostas notícias falsas criadas por personagens da direita enquanto pouco se abordam conteúdos semelhantes vindos do espectro político oposto – veículos ou pessoas públicas que divergem politicamente de pautas progressistas também acabando sendo alvos dos fact-checkers.
Entre julho de 2020 e janeiro deste ano, duas matérias da revista Oeste, de linha editorial conservadora, foram rotuladas pela agência Aos Fatos como “conteúdo enganoso” e “peça de desinformação”, apesar de terem trazido dados públicos que comprovavam o teor das afirmações – como consequência, a publicação dos conteúdos foi banida das redes sociais. O caso foi levado à Justiça e, em abril, a 41ª Vara Cível de São Paulo determinou a exclusão dos textos que rotulavam as reportagens de fake news.
“Tem todo direito o jornalista de informar fatos distintos de outro veículo jornalístico, e de discordar, debater ou contradizer o conteúdo de determinada matéria já publicada”, observou o juiz em sua decisão. “O que se vê, contudo, nas publicações de autoria da requerida, é que o jornalista [da agência Aos Fatos] foi bem mais além: ele não apenas discordou da informação contida nas publicações da autora, como também lhe atribuiu caráter de falsidade logo no título da reportagem, com o nítido propósito de retirar-lhe a credibilidade perante os leitores, sem a mínima cautela”, prosseguiu o magistrado.
Outro lado
A reportagem contatou as três agências citadas nesta matéria, mas os veículos não enviaram seus posicionamentos até a publicação deste conteúdo.
Gazeta do Povo