Se há 40 anos o mundo tivesse optado pela adoção de usinas nucleares, com certeza teríamos parte do problema climático resolvida
Grandes decisões dependem de boas escolhas. Escolhas feitas a partir de estudos superficiais influenciam a história da humanidade de forma negativa. E muitas vezes esses erros acarretam severas consequências.
É o caso de certas ONGs e grupos de pressão que se aproveitam da desinformação geral para pautar os acontecimentos com suas causas e ideologias. Mas não procuram soluções. E acabam levando a opinião pública a acreditar em cantos de sereias.
Onde estaríamos hoje caso o agrônomo americano Norman Borlaug não tivesse levado adiante a “revolução verde” com tanta determinação? Milhões de pessoas estariam morrendo de fome sem os necessários fertilizantes, agroquímicos e sementes transgênicas. E tudo isso aconteceu à revelia das pregações das ONGs e daqueles que se beneficiam em tentar impor o “politicamente correto”.
Um dos casos mais emblemáticos de decisão equivocada é o que se refere à energia nuclear. Desde os anos 1970, muitas organizações e personalidades, geralmente leigas no assunto, se posicionaram contra a energia gerada através da fissura de átomos. Por causa de alguns acidentes isolados, generalizou-se classificá-la como perigosa.
Na década de 1970, num mundo ávido por energia, a matriz energética mundial passou a ser movida por combustíveis fósseis. Optamos por carvão, gás e petróleo. Consequentemente, levamos nossa geração a enfrentar o maior problema da humanidade de nossos tempos: o efeito estufa.
Se há 40 anos o mundo tivesse optado pela adoção de usinas nucleares, com certeza teríamos parte do problema climático resolvida. É verdade que tivemos a tragédia de Chernobyl, na Ucrânia, onde muitos óbitos foram registrados. Mas não paramos de produzir carros porque houve um acidente de trânsito. Pelo contrário, continuamos a desenvolver itens como cintos de segurança, airbags, freios a disco, etc. Não abandonamos o carro, melhorando sua segurança.
Somos lembrados por séries, filmes e livros alarmistas a pensar em alguns aspectos negativos da energia nuclear. Mas raramente no que ela tem de melhor. A energia nuclear é livre de carbono. Pode ser produzida sem interrupção dia e noite, em qualquer lugar da Terra em larga escala. Atualmente, 7% da energia elétrica consumida no mundo vem da fissão nuclear, que é o processo de gerar energia dividindo os átomos. Usinas nucleares geram 20% da energia consumida nos EUA, e, na França, esse índice chega a 70%.
Segundo a World Nuclear Association, se a energia nuclear produzida hoje fosse substituída por energia a gás, que é a mais limpa das fontes fósseis, teríamos o equivalente a 1.300 milhões anuais de toneladas de dióxido de carbono emitidos na atmosfera. O que equivaleria a mais 250 milhões de carros na rua.
Somos o sétimo colocado no mundo em reservas de urânio
A Agência Internacional de Energia Nuclear (IAEA) estima que, depois de meio século de produção de energia nuclear, as 22 mil toneladas de resíduos radioativos registrados até hoje pela indústria caberiam num prédio do tamanho de um campo de futebol, com 3 metros de altura.
Compare essas 22 mil toneladas totais atuais com os 280 milhões de toneladas de resíduo sólido geradas a cada ano pelas usinas movidas a carvão. No Brasil, por exemplo, desde 1985, quando se iniciou a produção no complexo nuclear de Angra, não houve necessidade de armazenar resíduo fora da sala de reação. Isso só está acontecendo agora, quando se espera construir um armazém dentro da usina para guardar o resíduo gerado. Não se conhece nenhum caso de contaminação causado por resíduos nucleares desde a origem do programa.
Se afastar antigos fantasmas, o Brasil tem condições de expandir bem mais a participação da energia nuclear na produção de energia elétrica. Atualmente, essa parcela é de apenas 3%. A cada crise hídrica, esse debate deveria ser novamente destacado. Afinal, somos o sétimo colocado no mundo em reservas de urânio, com cerca de 309 mil toneladas de U3O8 contidos, segundo o INB (Indústrias Nucleares do Brasil). As maiores reservas estão localizadas na Bahia, no Ceará, no Paraná e em Minas Gerais.
O mercado foi abalado pelo acidente de Fukushima em 2011. O desastre fez com que o preço do metal despencasse da casa dos US$ 100 por libra para US$ 11. Desvalorizou-se dez vezes. A mineração de urânio é trabalhosa e cara. A cotação afetou a indústria de maneira que várias minas ao redor do mundo tiveram de fechar. Hoje, existe uma retomada no setor, pois novos e modernos reatores estão sendo construídos em diversos países, principalmente na China. A cotação atual do urânio está na casa dos US$ 30 por libra.
O Brasil retomou a produção de concentrado de urânio neste ano e espera produzir 1.400 toneladas desse material a partir de 2025. Trata-se de uma determinação do presidente Jair Bolsonaro que visa à autossuficiência do insumo para o programa nuclear brasileiro. Existe um planejamento para incrementar essa produção nos próximos anos, tornando o país exportador desse minério. A produção está iniciando no município de Caitité, na Bahia.
O medo do “lixo nuclear” precisa ser repensado de maneira mais racional. A energia nuclear é a única produzida em larga escala, que tem toda a responsabilidade e os custos do resíduo gerado. A quantidade de resíduo é muito pequena se comparada à energia térmica movida a carvão. Os métodos para disposição de resíduos radioativos são tecnicamente comprovados pela segurança cada vez maior.
Até o politicamente correto Bill Gates está indo nessa direção. Ele criou em 2008 a empresa Terra Power, que reúne cientistas que trabalham na construção de reatores nucleares de última geração. O objetivo é minimizar todos os riscos. Em seu livro Como Evitar um Desastre Climático, Gates destaca a dificuldade de prever um futuro da energia elétrica descarbonizada sem o uso da energia nuclear.
Será que veremos nos próximos tempos Bill Gates e os “salvadores do mundo” usando camisetas com os dizeres “Atomic Energy, Yes Thanks”?
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Gerhard Walter Schultz é empresário, investidor, químico formado pela Unicamp e pesquisador formado pela Universidade de Tsukuba, no Japão
Revista Oeste