sexta-feira, 20 de agosto de 2021

"A ditadura do capitalismo lacrador", por Rodrigo Constantino

 



Quem não dançar conforme a música, que é controlada pela esquerda radical, será carta fora do baralho


Como tantos outros projetos anteriores, salvar o mundo — dos combustíveis fósseis, do patriarcado, da homofobia, do capitalismo — exige que as pessoas sejam excluídas do processo. A “canalha” é simplesmente muito incivilizada, muito pouco sofisticada, muito inconsciente de seus reais interesses e precisa de um “empurrãozinho” para fazer as mudanças necessárias. Em toda utopia, o obstáculo costuma ser sempre o mesmo: a natureza humana, ou seja, o próprio homem. Se ao menos fosse possível criar um novo homem…

Não é diferente com o capitalismo lacrador. É o que sustenta Stephen Soukup em The Dictatorship of Woke Capital: How Political Correctness Captured Big Business. Ao concordar em mudar o foco público de sua missão para as “partes interessadas” (stakeholders), em vez de acionistas (shareholders), os membros da Mesa Redonda de Negócios esperavam ter maior liberdade para fazer o que quisessem, para perseguir seus próprios interesses e suas próprias predileções políticas e poder chamar isso por um nome nobre: ​​capitalismo das partes interessadas!

Mas, como alguns desses CEOs já aprenderam, e como os outros aprenderão com o tempo, não é assim que a coisa funciona. Acionistas ativistas — a maioria dos quais busca fins politizados e se preocupa menos com a lucratividade de uma empresa e mais com seu alinhamento com sua postura política — são como tubarões. Eles vivem para se alimentar, não o contrário. É a tese que Soukup sustenta no livro, buscando na revolução cultural da década de 1960 a fonte para tais mudanças. Esses ativistas, tais como tubarões, estão sempre à espreita para farejar a menor gota de sangue e agir, atacar. Eles percebem a fraqueza nas empresas e avançam.

O que muitos já descobriram foi uma vasta rede de organizações, algumas religiosas, algumas políticas, algumas orientadas para o investimento, mas todas dedicadas ao mesmo propósito: usar a estrutura dos mercados de capitais para substituir a vontade democrática do povo para fazer avançar políticas progressistas que seriam politicamente inviáveis. Incapazes de persuadir a população — inculta e ignorante demais —, esses ativistas dominam as empresas e, utilizando-as como instrumentos, impõem sua visão de mundo aos demais.

Soukup mostra como isso aconteceu gradualmente, com uma mistura de boas intenções, práticas administrativas revolucionárias e estratégia deliberada de esquerdistas. A partir da década de 1990, Wall Street deu uma guinada à esquerda. Com Obama isso ficou visível. Funcionários do Goldman Sachs e outras instituições semelhantes foram os maiores doadores de sua campanha. Eles simplesmente amavam o “liberalismo social” de Obama. Como foi que isso aconteceu?

Para o autor, o fracasso da esquerda em entregar sua Utopia igualitária fez com que muitos abandonassem o marxismo e passassem a flertar com o ceticismo epistemológico de Nietzsche. Em resposta às desilusões com o socialismo, a esquerda abandonou a razão “científica”, deixou para trás a própria realidade e mergulhou de cabeça no relativismo. Se o marxismo era tido como científico e consequência do próprio Iluminismo, agora a esquerda se voltava contra a razão, a lógica, o Iluminismo, e passava a questionar a própria possibilidade de conhecer a verdade.

Munida desse niilismo e convencida de que libertinagem era liberdade, a Nova Esquerda partiu então para a sua revolução cultural, subvertendo as instituições, avançando sobre a cultura, a começar pela academia, transformada numa fábrica de doutrinação da jovem elite universitária. Era a “longa marcha” para destruir os pilares da civilização judaico-cristã, implodir as tradições, desestabilizar as famílias. O socialismo podia ter fracassado miseravelmente, mas o capitalismo não era muito melhor. Se não foi possível criar o Novo Mundo, então era necessário destruir o Velho.

A transformação de Wall Street não foi acidental, segundo Soukup. Foi o produto de um processo longo e cuidadoso, uma marcha por várias outras instituições, virando-as de cabeça para baixo até que os titãs do “capitalismo” estivessem totalmente convencidos de que sua rendição à cultura não era apenas inevitável, mas constituía o único caminho moralmente legítimo.

Premissa fundamental nessa transição era o desprezo pelo povão. Esse foi o legado progressista. Desde os progressistas, como Richard Ely e seu pupilo Woodrow Wilson, inspirados nas experiências alemães de Bismarck, os “liberais” democratas passaram a enxergar numa elite “científica” o papel preponderante na administração pública. Desprovidos de paixões humanas, essa burocracia técnica saberia como liderar a nação, com base em decisões de gestores “profissionais” mais racionais do que as massas.

No começo, muitas empresas aderiram, sinalizando falsa virtude para agradar à patota

A ideia de que as pessoas são muito ignorantes e egoístas para votar naquilo que é de seus próprios interesses, ou os melhores interesses da sociedade como um todo, foi estabelecida como um princípio definidor da gestão pública americana. Os experts ou especialistas, sem votos e sem accountability, concentrariam o poder para guiar os demais.

A fusão dessas duas características — o relativismo moral da Nova Esquerda e a mentalidade elitista e arrogante dos progressistas — pariu a revolução nos negócios americanos, com ênfase cada vez maior nas pautas ideológicas determinadas pela esquerda. Agora, apenas uma coisa impedia o surgimento do “Novo Homem Americano”: o Velho Americano. O Velho Americano estava, na maior parte do tempo, muito feliz, empregado, curtindo sua família e seu lazer. Claro, havia problemas, mas a Utopia não existe, como o Velho Americano sabia, mas o Novo Americano se recusava a acreditar.

O “capitalismo das partes interessadas” surgiu como uma ferramenta analítica: empresários e acadêmicos buscando entender como as partes envolvidas em seus negócios impactavam ou eram impactados pelos mesmos. Isso era do interesse dos próprios acionistas, claro, para maximizar seus retornos e compreender melhor o ambiente de seus negócios. Com o passar do tempo, trocou-se a análise pelo julgamento de valor, e não era mais o caso de conhecer o entorno, mas de desejar mudá-lo com base em uma visão preconcebida de mundo, ou seja, uma ideologia.

Cada empresa teria de demonstrar sua visão “consciente”, seja com o meio ambiente, seja com as minorias. Cada grupo de interesse pressionaria numa direção. Já que não importa tanto o retorno dos acionistas, mas sim a subjetiva aprovação dos stakeholders, as empresas teriam de se submeter aos ditames dos grupos mais organizados e estridentes. No começo, muitas empresas aderiram de olho num nicho de mercado, sinalizando falsa virtude para agradar à patota. Mas como já ficou claro para a maioria agora, o monstro, bem alimentado, cresceu, a ponto de devorar quem não se submeter às novas regras do jogo.

Chegamos, assim, a essa ditadura do capitalismo lacrador: quem não dançar conforme a música, que é controlada pela esquerda radical, será carta fora do baralho.

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Revista Oeste