sexta-feira, 13 de agosto de 2021

"A tragédia do Afeganistão envergonha o Ocidente", por Tim Black, da Spiked

 



A violenta instabilidade que agora destrói o país é resultado daquela fatídica invasão de 20 anos atrás


s Estados Unidos devem concluir sua retirada militar do Afeganistão em 11 de setembro. Muitas tropas norte-americanas, assim como as de nações aliadas, já deixaram o país. O resultado é totalmente previsível — o Talibã avançou. Só nas últimas semanas, ele tomou o poder em mais de 100 dos 407 distritos afegãos, o que significa um controle sobre a maioria do país (55%). É verdade que boa parte do território ocupado tem baixa densidade demográfica, são zonas predominantemente rurais, e em algumas áreas as forças do governo revidaram. Mas não há como disfarçar o fato de que o Talibã, destronado pelos Estados Unidos duas décadas atrás, está mais uma vez em ascensão.

E o Talibã não tem intenção de deixar como está. Ele agora está cercando grandes cidades. Os Estados Unidos ainda estão fornecendo apoio aéreo para as forças do governo, mas é improvável que isso dure muito tempo.

E depois?

As forças militares e policiais afegãs parecem incapazes de oferecer muita resistência, com certeza não sem o apoio militar internacional. E existem relatos de que as tropas do governo, desmoralizadas e sem liderança, já abandonaram muitos postos avançados e muitas bases. O presidente Ashraf Ghani impôs toque de recolher de um mês, mas parece improvável que isso vá inibir as forças do Talibã, que não é conhecido por sua disposição em obedecer a decretos do governo.

Cena do documentário Afghanistan: A Journey Through Taliban Country (2021) | Foto: Reprodução

Na ausência de forças estatais afegãs, foi noticiado que antigos senhores de guerra começaram a mobilizar milícias privadas, com o próprio governo chegando a direcionar fundos para elas. O espectro de um retorno do tumulto pós-soviético do começo dos anos 1990, quando o Afeganistão foi destroçado por facções beligerantes, incluindo o Talibã, parece cada vez mais provável.

É possível que já esteja acontecendo. De acordo com a ONU, quase o dobro dos civis afegãos foram mortos ou feridos neste ano em comparação com o ano passado. Fatalidades em maio e junho apenas chegaram ao nível mais alto — acima de 1.600 — para o período desde que a ONU começou a registrar essas estatísticas em 2009.

Para setores das forças militares e políticas do establishment dos Estados Unidos e do Reino Unido, estimulados, como sempre, por intervencionistas entusiastas da imprensa liberal, a guerra civil no Afeganistão é uma prova: uma prova da loucura que significa sair do país. E uma prova, no fim das contas, da sabedoria por trás da invasão.

A mídia está em polvorosa. “A retirada colocou o Afeganistão de volta no caminho do terror, do caos e da desintegração”, afirma um editorial do Observer. O Financial Times afirmou que as potências ocupantes do Ocidente até agora precisam continuar lá se quiserem cumprir sua “obrigação moral para com a população do Afeganistão”. E a CNN citou o político francês Charles-Maurice de Talleyrand: “Isso é pior que um crime, é um disparate”.

“Isso”, os defensores da invasão dizem, apontando para a situação em declínio no país, “é a razão por que os Estados Unidos e seus aliados precisam ficar no Afeganistão”. Eles fazem a ressalva de sua defesa daquilo que na verdade é uma ocupação dizendo que não precisa durar para sempre — só o suficiente para que a paz seja alcançada.

Mas isso é uma ilusão. O que está acontecendo no Afeganistão na realidade não é resultado da retirada das forças lideradas pelos Estados Unidos. Não, é resultado da entrada das forças lideradas pelos Estados Unidos — fruto da invasão do Afeganistão 20 anos atrás.

Porque foi essa ação — justificada de início como uma tentativa de retaliação e eliminação da Al-Qaeda, antes de se tornar uma ocupação por tempo indeterminado — que tornou o conflito quase inevitável.

Os Estados Unidos primeiro destruíram o regime opressor, mas coeso, do Talibã, ele próprio resultado da guerra civil dos anos 1990. E então tentaram impor um novo regime ao país, trazendo Hamid Karzai de paraquedas para governar o Afeganistão à imagem do Ocidente.

Deveria ser uma democracia constitucional. Deveria haver um Parlamento, eleições, uma extensão da franquia e das tão alardeadas melhorias nos direitos das mulheres.

O que está se desintegrando é o Afeganistão que o Ocidente tentou impor ao povo afegão

Mas o problema, como um crítico astuto colocou, é que esse governo, e sua sede em Kabul, simplesmente não tinha “legitimidade em escala nacional”. Ele foi uma imposição estrangeira, não uma criação popular. Os bilhões de dólares injetados do incipiente aparelho de Estado afegão, supostamente fortalecendo sua infraestrutura de segurança e reforçando o Exército, só ilustraram sua fraqueza fatal — de que isso não era nada sem o apoio contínuo do Ocidente.

Então ele poderia continuar, como aconteceu com Karzai e depois com Ghani no comando, enquanto os Estados Unidos e seus aliados o apoiassem. Enquanto eles o financiassem. Enquanto as forças internacionais o defendessem. Mas sem o Ocidente para sustentá-lo, suas fraquezas políticas e estruturais seriam expostas para todos verem.

E é isso que está acontecendo agora. A saída ocidental do país retirou a principal fonte de força e legitimidade desse Estado afegão. E permitiu que o Talibã, que na verdade prosperou na ilegalidade do que é apresentado como um Estado não afegão, preenchesse o vácuo de onde as forças ocidentais costumavam estar.

Aqueles que argumentam que a atual desintegração do Afeganistão mostra por que o Ocidente precisa continuar lá não entenderam. Porque o que está se desintegrando é o Afeganistão que o Ocidente tentou impor ao povo afegão. Ele é fruto da força, e só poderia ser mantido pela força. Não haveria como manter um status quo pós-2001 no Afeganistão que não envolvesse sua ocupação interminável. Uma guerra eterna de fato.

O que estamos vendo agora na violenta instabilidade que está destruindo o Afeganistão não é a loucura da retirada, mas a barbaridade da invasão. Assim como o Iraque, a Líbia e a Síria antes dele, o Afeganistão deve ser uma denúncia do intervencionismo ocidental.

Revista Oeste