As expressivas manifestações de rua em favor do voto impresso e auditável, deflagradas ao longo da memorável jornada de 1º de agosto, em todo o país, entrarão para a história.
A mobilização se estendeu por mais de uma centena de cidades, distribuídas por todo o território nacional (com destaque para as capitais dos estados), com participação significativa em torno de um milhão de manifestantes.
Ainda foram protestos pacíficos e ordeiros, como de costume, no entanto assaz categóricos e contundentes em sua entonação, num gritante sinal de alerta à classe política da exata medida da temperatura reinante no ambiente.
Caberá, agora, ao Congresso Nacional, num primeiro momento – a começar pela decisão da Comissão Especial que analisa a introdução do voto impresso nas próximas eleições (PEC 135/19) –, sinalizar à nação se está sensível ao anseio popular, ou não. Num segundo tempo, ao TSE e ao STF – a contar dos desmembramentos das decisões do Parlamento.
Não se trata, meramente, de um simples episódio – em meio a tantos – da já conturbada e desgastante “guerra brasileira” – inaugurada com a proclamação do resultado das eleições presidenciais de 2018. Prensado pelo calendário político-eleitoral – que esgota, em outubro próximo, o prazo para modificações legislativas ao pleito de 2022 –, o momento carrega em si um simbolismo deveras particular e, acima de tudo, emblemático: o do teste definitivo da validade da democracia representativa, em solo verde-amarelo, aos moldes atuais.
Sim, porque se, numa democracia, deve ser o povo, de fato, o supremo soberano, e os políticos, unicamente, os seus congruentes representantes (e não de si mesmos!), uma vez manifesta, explicitamente, a vontade popular (como no caso do voto impresso), sem a devida atenção dos subalternos delegados, fica então decretada a quebra do pacto social de base, com o consequente colapso do sistema político vigente.
E se o sistema se apresenta falido, malsucedido, insolvente – no seu desempenho ético e no cumprimento de seu mais essencial propósito constitucional –, não resta outra saída aos representados traídos que assumir o protagonismo da cena – só que, dessa vez (dadas as circunstâncias), sem mais o pacifismo habitual.
Compete, pois, aos políticos, diante do sombroso e alarmante quadro, demonstrar se temem o rumor das ruas, ou se desdenham – comme d’habitude – de sua força e potencialidade; da mesma forma que Suas Excelências togadas – usualmente desvairadas em sua “bolha” alienante de suprema empáfia e indecorosa arrogância.
Ao povo, a seu turno, cumpre decidir se assume, de uma vez por todas, o papel de soberano efetivo de seu próprio destino, ou se se resigna àquele de eterno servo, lacaio indolente dos raptores de sua autoestima e dignidade.
O momento é de máxima e intransferível decisão: liberdade ou servidão; república ou barbárie!
As cartas estão postas na mesa da história, tal-qualmente os seus correspondentes ícones e signos: a Praça dos Três Poderes simboliza a “Bastilha” tupiniquim; o Congresso Nacional e o STF (TSE incluso), a monarquia reinante (no caso, revestida de togas e gravatas); o povo, os correlatos sans-culottes – sendo a cleptocracia oligárquica, ainda no poder, o “Antigo Regime”.
Se, ao final da tragédia, haverá choro e ranger de dentes, a exemplo dos idos e memoráveis acontecimentos da França de meados de 1789 (e anos seguintes), só o tempo dirá – e com iminente brevidade!
Não falta cheiro de pólvora nas esquinas, nem tempestivos alertas durante o itinerário. Fato é que o prazo já se esgota e as últimas alternativas celeremente se afunilam. A conjuntura está a exigir extrema prudência, precavido recuo e um mínimo de sensatez daqueles que, pretensamente, ainda se julgam “donos do poder”.
Em 1º de agosto, ao que tudo indica, deu-se o último aviso; a derradeira advertência. Quem ainda tiver ouvidos para ouvir, que ouça!
Alea jacta est!
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
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