À frente de uma proposta de reforma da Previdência mais ampla do que a do governo Michel Temer, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga afirmou que o papel do governo eleito é mostrar com clareza que o Brasil está num caminho suicida.
Com a tarefa de detalhar a proposta desenhada por um grupo de economistas, Arminio respondeu na quarta-feira, 31, por telefone, algumas perguntas do Estadão/Broadcast. "Se não houver esse ajuste, o País vai passar por momentos piores do que, eu espero, esteja agora chegando ao fim", disse. Confira abaixo.
Por que o sr. resolveu fazer uma proposta de reforma da Previdência?
A ideia da proposta independente e apartidária foi lá atrás para preparar uma reforma que tivesse mais impacto. A reforma que o governo Temer apresentou tinha bastante impacto e depois foi meio aguada. Mas a nossa avaliação é que daria para ir um pouco além e, como acreditamos que o quadro fiscal do País é de fato muito precário, nos parecia de todo importante oferecer uma alternativa que no final das contas fosse capaz de contribuir com um terço do ajuste fiscal necessário. Na minha leitura ainda faltam 5 pontos do PIB de ajuste. Esse foi o pano de fundo, mas tem outro aspecto, comum à proposta do governo que está lá, que é lidar com desequilíbrios e injustiças do sistema que estão muito expostas hoje.
E as resistências?
Toda reforma desse tipo de enfrenta resistências e nós estamos procurando mostrar que essa proposta é justa também. O Paulo Tafner e a equipe foram muito criativos e calcularam o índice Gini da Previdência que com a proposta melhora, o que é muito relevante. Mas tem um outro lado que é mais negativo. É preciso ter em mente que a trajetória de gastos da Previdência e a trajetória maior das contas públicas é totalmente insustentável. O exemplo do Rio de Janeiro é claríssimo. É uma ilusão achar que esse modelo no final das contas vai ser pago. Se não houver esse ajuste, o País vai passar por momentos piores do que eu espero esteja agora chegando ao fim. Essa é a ideia. Se o Brasil é o ponto fora da curva do ponto de vista internacional, o País com a nossa demografia não deveria gastar tanto. Ou visto de outra maneira: os países que gastam tanto quanto o Brasil são muito mais velhos. O Brasil é um ponto fora da curva. É só olhar os dados internacionais. É uma previdência injusta, cheia de desequilíbrios. A nossa proposta encara isso com a convergência do setor público e a Previdência do resto do País. E tem também a dimensão fiscal. É o maior gasto. É o que mais cresce e precisa ser resolvido.
A reforma, não especificamente a sua, tem condições de ser aprovada rapidamente?
Eu não sei. O governo acabou de ser eleito. Estão tomando pé da situação. Está claro que há um entendimento que esse é um assunto importante e urgente. O que posso dizer é que não estou participando das discussões internas. Eu não faço parte do grupo. É natural que isso ocorra dentro de portas fechadas a essa altura do jogo.
Como o sr. viu as primeiras sinalizações do Paulo Guedes para a Previdência?
Não está muito claro exatamente qual vai ser o caminho.
A sua proposta já foi entregue?
Nossa promessa foi entregar a proposta a quem ganhasse. A nossa avaliação é de que isso era assunto para presidente eleito e que já ia estar encarando a realidade sem a pressão populista da campanha. A proposta foi entregue rapidamente para o Paulo e equipe por e-mail e estamos disponíveis para consulta. Já aconteceram algumas conversas, mas o detalhe desse tipo de coisas cabe a eles divulgarem. Eles estão estudando essa proposta e outras ideias com certeza, mas aí é com eles.
O sr. disse que a proposta foi criativa. O que destacaria?
A unificação do sistema é básica. A transição para idade faz parte das propostas. Essa proposta faz uma transição um pouco mais rápida, mas não brusca, a criação do beneficio universal é um fator muito importante. É importante dizer que quem contribui algo em torno de 12, 13 anos, ao longo da vida, já contribuiu ou vai contribuir, vai receber o valor mais ou menos equivalente de hoje. Só que ela simplifica e desburocratiza imensamente. A proposta que é diferente e muito boa é a criação das contas individuais, que viriam ao longo do tempo. Vai começar a partir de 10, 12, 15 anos e não deixa o buraco. Essa foi uma solução simples, mas muito adequada aos objetivos de ter as contas individuais, mas não deixar o buraco. A razão é pela qual isso funciona é que lá na frente a demografia vira e aí isso tudo se viabiliza.
Parlamentares também podem apresentar proposta de PEC. Alguma chance de algum parlamentar apresentar a sua proposta?
Não é conosco. Não creio. Existem, até onde entendo, várias possibilidade de incrementar a proposta que já está no Congresso. Uma seria uma coisa mais radical e outra seria fazer adaptações.
Como o sr. vê o diálogo político pela frente?
Eu vejo com uma certa apreensão. Ainda tem gente dizendo que isso (Previdência) não é um problema e que da para ir empurrando com a barriga. É um problema sim e aprovar o que lá está é bom. Mas não resolve. Não chega nem perto de resolver. Se for aprovado o que lá se encontra, seria preciso já no ano que vem fazer mais. Como chegar lá é questão tática. Mas que é preciso se conseguir uma reforma que gere um ganho de mais ou menos R$ 120 bilhões por ano eu tenho convicção. Isso vai deixar uns R$ 240 bilhões que não são nada fáceis de conseguir. Tem muito subsídio, muita maluquice que poderia podar, mas não é fácil. A reforma que gera por cima uns R$ 35 bilhões por ano num ajuste que precisa ser feito de R$ 350 bilhões é pouco. Não resolve. Uma proposta que gera uns R$ 120 bilhões, R$ 130 bilhões é forte e pode ter impacto enorme em expectativas.
Sem reforma, a trajetória da dívida é explosiva?
Eu acho que uma dívida de quase 80% do PIB já é muito elevada. Se chegar a 90%, 100% nem se fala. Seria uma irresponsabilidade não resolver. É uma questão de liderança. É o papel de um governo eleito debater a ideia e mostrar com clareza que nós estamos num caminho suicida.
Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo