Depois da entrevista de quase duas horas concedida, ontem, em Curitiba quando se portou com notável paciência e não fugiu a nenhuma das perguntas que lhe foram feitas, há mais de um Sérgio Moro na praça, cada um a refletir as expectativas e os desejos de quem analisa o que ele disse.
Para os bolsonaristas de raiz, Moro revelou-se um aliado sincero do presidente eleito, disposto a servi-lo de maneira eficiente e disciplinada. Bolsonaro é um sujeito “ponderado”, como observou Moro ao desprezar tudo o que o capitão disse de absurdo e prometeu antes de se eleger.
Chega a ser “sensato”. É um político que sabe ouvir o que os outros têm a dizer e ajustar-se se for o caso à opinião contrária a dele. O que possa ter afirmado de horripilante ao longo da campanha eleitoral não passou de “exageros” próprios do embate político com os adversários.
Declarações infelizes de Bolsonaro foram chamadas por Moro de “declarações não felizes”, muitas delas naturalmente “usadas fora de contexto”, e não por culpa dele. Em resumo, como acrescentou o juiz, “coisas do passado”, embora várias delas sigam sendo repetidas.
Daí porque Bolsonaro não representaria nenhum risco à democracia, segundo Moro. Que dele diverge em pontos sensíveis da sua plataforma de governo, mas que com ele saberá negociar, fazendo e extraindo concessões, sem perder de vista, como lembrou, que a última palavra cabe a Bolsonaro.
Quanto ao fato de que conviverá com um chefe da Casa Civil, no caso o deputado Onix Lorenzoni (DEM-RS), que confessou ter recebido no passado dinheiro de caixa 2, Moro tirou por menos. “Ele já admitiu o erro”, perdoou. E “defendeu medidas contra a corrupção”. Ufa!
O que soou como música aos ouvidos dos devotos do capitão, em parte foi bem aceito pelos que a ele se opõem. Esses têm a esperança de que Moro sirva de contrapeso às posições radicais de Bolsonaro, impedindo-o de cair unicamente no colo da linha dura militar e civil que o acolheu.
De fato, por tudo que Moro diz desde que se projetou como juiz rigoroso e comprometido com a legalidade, não se imagina que como ministro da Justiça e da Segurança Pública de Bolsonaro ele contemporize com atos capazes de desfigurar ou de enfraquecer o Estado de Direito.
Mesmo assim restará a dúvida, levantada pelo ex-ministro Carlos Ayres Brito, do Supremo Tribunal Federal, sobre o eventual dano que possa ter causado à imagem do Judiciário a mudança rápida de lado promovida por Moro, ao trocar a toga pela política ao primeiro convite.
Ayres Brito objetou: “Esse tipo de mudança de camisa tão veloz projeta no inconsciente coletivo uma imagem pouco favorável dos membros do Poder Judiciário. Ele poderia se candidatar e entrar no Legislativo, mas aí não seria uma coisa tão instantânea”. Filigranas? Não parece.
Com Blog do Noblat, Veja