domingo, 18 de novembro de 2018

“Mais Brasil, menos Brasília”, por Gustavo Krause

O lema tem sido adotado pelo Presidente eleito Bolsonaro. É o compromisso mais difícil de ser cumprido. Trata-se de refundar o federalismo político que nasceu torto na primeira constituição republicana associada à ideia de interiorizar a capital do Brasil, segundo determinação do artigo 3º da Constituição de 1891: “Fica pertencendo à União no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabelecer a futura capital do Brasil”.
Esquecido durante o Estado Novo, o assunto sempre voltava à tona embasado em estudos de comissões formadas por renomados profissionais. No histórico comício de Jataí (05/04/1955), o candidato Juscelino Kubitschek, cobrado por Toniquinho da Farmácia, prometeu cumprir art. 4º da Disposições Transitórias da Constituição de 1946. O sonho profético de D. Bosco seria realizado.
Em 1955, começaram as desapropriações; em 1956, foi criada a Novacap sob a chefia de Israel Pinheiro; em março de 1957, foi selecionado o projeto urbanístico, o Plano Piloto de Lúcio Costa, reconhecido em 1987 como Patrimônio Cultural da Humanidade e embelezado pela arquitetura curvilínea do gênio Niemeyer.
O ousado Juscelino prometeu um desenvolvimento “às caneladas”, realizando, em cinco, os sonhos brasileiros de cinquenta anos. Passada a euforia, o Brasil real se impôs: crescimento urbano desordenado e orçamento deficitário.
Em Brasília, morei em 72/73 e 91/98. A filha mais velha nasceu em Sobradinho. Gosto da cidade. Minha visão crítica tem como foco a sede do poder. Vetor do inchaço da cidade, berço dos lobbies corporativos, fortaleza dos privilégios, é o cemitério onde jazem propostas reformistas, sepultadas pelo pacto perverso entre políticos e burocratas.
Certa vez (1991), presenciei a seguinte cena no clube do Congresso: um parlamentar, grosseiramente, reclamou a demora de o garçom servir-lhe um chopp; alegou que era deputado e o garçom, sacolejando a coqueteleira, deu uma resposta brilhante: “Deputado é o que mais tem, o que falta é garçom”.
Ao perder os encantos do belo e do funcional, Brasília abrigou interesses inconfessáveis. Portanto, que sirva de alerta ao poder nascente, as palavras de Millôr Fernandes: “Brasília foi o maior erro político do Brasil (…) Dificilmente o país sobreviverá à doentia concentração de poder (…) Nos lugares a que fui, só vi poderosos. Só esbarrei em senadores, procuradores, generais, adidos, espiões, deputados, embaixadores, assessores e assessores. No mínimo, uma promiscuidade. A power-society. Os donos do poder não esbarram com uma pessoa física – o povo!” (Diário da Nova República).
Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda 
Com Blog do Noblat, Veja