Às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, durante o mês de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dedicou-se, em vão, a combater fake news no pleito, mas fez vista grossa à maior de todas as mentiras - pregada na campanha, que os institutos de pesquisa previam derrotada - do Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula. Fernando Haddad, o petista que se apresentou à tarefa de representar o presidiário impedido de concorrer, foi o porta-voz da patranha absurda de que o País corria o risco de optar nas urnas pelo fim da democracia, com a instauração do neonazismo e do protofascismo em nossa República.
Em 28 de outubro, o capitão reformado do Exército e deputado federal há 27 anos Jair Bolsonaro obteve 57.797.456 votos, 55,13% do total dos válidos, contra 47.040.819, 44,87%, dados, em teoria, ao ex-prefeito de São Paulo, mas, na prática, ao verdadeiro titular da chapa, dono do PT e ex-presidente. A ampla margem majoritária de 10.756.637 passou a ser depreciada como desprezível por alguns políticos profissionais e pretensos analistas, que logo adicionaram à lorota uma conta não prevista na ordem constitucional vigente. Segundo esses derrotados, falta ao vencedor legitimidade porque, dos 147,3 milhões de eleitores brasileiros aptos, 42,4 milhões não sufragaram o vencedor, Jair Bolsonaro (PSL), a quem teriam faltado, graças a essa conta estúpida, 16 milhões de sufrágios. O argumento cretino, ao incluir votos nulos, em branco e eleitores ausentes, então, nessa hipótese estapafúrdia, levaria a calcular que quase 100 milhões de brasileiros detestariam o ladrão condenado Lula.
O chororô dos vencidos logo se tornou má vontade e má-fé na explícita sabotagem da vontade popular, expressa na eleição. A esquerda Rouanet e os devotos do padim de Caetés, então, negaram seu papel no Estado de Direito, definido pela palavra oposição, e adotaram o termo resistência, cunhado pelos maquis, que se negaram a aceitar a anexação da França aos invasores, pelas tropas nazistas de Hitler.
A troca, contudo, não teve o impacto desejado pelos pregadores do caos, que aí apelaram para o “assassinato da reputação” (apud Romeu Tuma Jr.) do eleito, que passou a ser o culpado universal por tudo o que é ruim. A deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) reproduziu no Twitter um post que insinua ter sido Bolsonaro responsável pelo aumento do gás de cozinha. A 45 dias da posse, o profeta do apocalipse Fernando Henrique já alertou para a repercussão negativa no exterior de medidas que Bolsonaro adotar. Talvez fosse mais útil para seu projeto de “reagrupar” o centro preocupar-se menos com os humores de além-fronteira e mais com 13 milhões de desempregados que fazem da calçada seu lar.
À parte essas contribuições ao “festival de besteiras que assola o País”, como nos tempos do saudoso Sérgio Porto (Staniwlaw Ponte Preta), certo é que algumas verdades precisam ser aqui lembradas.
O Ministério do Trabalho (MT), que poderia ser extinto no próximo governo, resulta de uma legislação trabalhista que o estancieiro Getúlio Vargas, no Estado Novo, ditadura fascistoide em nossos tristes trópicos (apud Lévi-Strauss), traduziu ao pé da letra da Carta del Lavoro, de Mussolini. Sim, ele mesmo, o aliado de Hitler, herói confesso de Lula em seus tempos de líder grevista. Aliás, quem entende do setor é o ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho Almir Pazzianotto, que foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo à época do próprio Lula. Almir repete que quem emprega é empresa, não sindicato. Mas o MT também emprega muito: dirigentes dos partidos ditos trabalhistas, que controlam a máquina que lhes enche os bolsos de dinheiro roubado da tal Contribuição Sindical, para gáudio do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de Roberto Jefferson, e do Partido Democrático Trabalhista (PDT), de Ciro Gomes.
Tentou-se ainda inculpar o ainda não empossado em episódio recente. Em Brasília para tratar da transição, Bolsonaro se disse contra o acordo infame pelo qual liderados pelo presidente do Senado até março, Eunício Oliveira, previamente demitido por decisão popular, se curvaram docemente à pressão telefônica do chefe do STF, Dias Toffoli. Tal “pacto” garfou os espoliados em R$ 4 bilhões/ano para engordar as contas bancárias dos maganões que se acham “supremos”, mas agem como mendigos Chanel ao depenarem o erário.
O presidente eleito falou em nome de todos os brasileiros que vai governar a partir de 1.º de janeiro e que pagarão a conta - os acusados de conservadores, como se conservar fizesse mal, os revolucionários que só usam chumbo do Diário Oficial e os miseráveis, aos quais se nega o pão para garantir champanhota e caviar aos ministros. Do caso todos saímos derrotados, mas coleguinhas e veículos de comunicação desolados com a prisão de um ladrão atribuem a derrota a um homem só: o presidente avant-la-lettre.
No dia seguinte ao de mais uma remessa dos escrúpulos às favas, ainda sem ter sido decretada a prévia volta à ditadura militar, o mesmo Senado transferiu parte da poupança nacional para os cofres das montadoras estrangeiras de automóveis no Brasil. Isso vem sendo feito desde a opção maligna do popular Juscelino Kubitschek pelo sucatamento do parque ferroviário em troca das rodovias, hoje controladas pelos transportadores de derivados de petróleo e víveres. E tornou-se obrigatória desde a passagem do chorado presidiário de Curitiba, a ponto de um lobista dos velhos tempos, Mauro Marcondes, estar preso em outra cela, em Brasília.
Este texto é um alerta de que esses lacrimosos “heróis” da democracia moveram guerra à ditadura militar sem usar em vão, em nenhum de seus documentos, essa sagrada palavra, pois eram vassalos de cruéis tiranias comunistas. E hoje, só para voltar a saquear o erário, sabotam não o futuro governo, mas o povo que o elegeu.
*JOSÉ NÊUMANNE É JORNALISTA, POETA E ESCRITOR
O Estado de São Paulo