domingo, 18 de novembro de 2018

Bolsonaro planeja ações fortes em estados do Nordeste

General Heleno prevê retomada de obras e quer fazer da região uma ‘vitrine’ da administração. Ele admite que priorizar ações no Nordeste trará ganhos políticos ao presidente eleito e será fundamental para quebrar resistências dos futuros governadores de Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, que são do PT


Bolsonaro dará atenção especial ao Nordeste Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Bolsonaro dará atenção especial ao Nordeste Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Última trincheira do PT no país, o Nordeste deverá ganhar atenção especial do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). Ele pretende transformar a única região em que não saiu vencedor nas urnas em uma vitrine de seu governo a partir da retomada de obras paralisadas das administrações petistas, como a transposição do Rio São Francisco e a construção de ferrovias, como a Transnordestina.

— Tenho dito que o Nordeste é o centro das atenções para mudar o Brasil — disse ao GLOBO o futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Augusto Heleno. — Na região, o primeiro grande plano é resolver o problema da falta de água — completou.
Além da transposição do São Francisco, o governo vai apostar no uso da tecnologia de dessalinização de água. No planejamento traçado para a região, uma das metas é importar tecnologia israelense de retirada de sais das águas para estimular a agricultura no semiárido nordestino, uma das promessas mais repetidas durante a campanha de Bolsonaro.
O general admite que priorizar ações no Nordeste trará ganhos políticos ao presidente eleito e será fundamental para quebrar resistências de governadores de partidos de esquerda da região — o PT vai governar Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte em 2019.
— O Nordeste pode (se tornar uma grande vitrine de Bolsonaro), mas acho que essa preocupação é secundária, consequência. Não acredito que as pessoas sejam tão infantis e continuem pensando em voto, em manipulação, em manter gente como coitadinho quando a gente pode fazer as pessoas terem outra perspectiva para o futuro — disse.
Considerado um dos quadros mais relevantes do governo eleito, o general reconhece que as obras da transposição e das ferrovias não vão acontecer de uma hora pra outra. O futuro ministro também não detalha como um governo vai tocar as grandes obras com graves problemas fiscais.
— Uma ferrovia leva tempo para construir, não é como estrada de rodagem, mas é muito mais econômica — explica Heleno.
Outro ponto que demandará atenção do novo governo será a reposição adequada das vagas que eram ocupadas por médicos cubanos na região. Na semana passada, Cuba pediu desligamento do programa Mais Médicos do governo federal. Cidades nordestinas serão afetadas com a saída dos profissionais do país, o que vem gerando apreensão nas administrações municipais.
Coordenador do grupo de planejamento da campanha, o general Heleno afirma que o governo Bolsonaro apostará em ações que “não sejam apenas assistencialistas, temporárias e cativadoras de votos".
O futuro governo reafirma a manutenção do Bolsa Família, o programa mais popular dos anos do PT no poder. Após a votação do primeiro turno, o então candidato Bolsonaro prometeu, inclusive, criar o 13° salário para os beneficiários do Bolsa Família. Desde a votação do segundo turno, o presidente eleito nunca mais falou do tema ou mesmo de qualquer prazo para cumprir a promessa.
Transposição do Rio São Francisco, em trecho paraibano. Obra tem impacto permanente sobre a região Foto: Parceiro / Agência O Globo
Transposição do Rio São Francisco, em trecho paraibano. Obra tem impacto permanente sobre a região Foto: Parceiro / Agência O Globo
Nacionalmente, Jair Bolsonaro rompeu a sequência de quatro vitórias do PT nas eleições presidenciais, mas testemunhou a força do petismo no Nordeste. Dos 1. 794 municípios da região, o candidato do PT, Fernando Haddad, levou a melhor em 98,6% deles.
Passadas quase três semanas do segundo turno, o clima entre Bolsonaro e os governadores eleitos no Nordeste não desanuviou. Na quarta-feira, Wellington Dias (PT), do Piauí, foi o único representante nordestino no encontro de Bolsonaro com governadores eleitos em Brasília.

Desafios de execução

Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, a meta do governo eleito de focar o Nordeste, por mais bem intencionada que possa ser, tem grandes desafios de execução.
— Antes do novo governo embarcar na finalização da Transnordestina, deveria avaliar se o projeto e o modelo adotado até aqui são a melhor alternativa — disse Claudio Frischtak, presidente da Inter.B, consultoria especializada no setor de infraestrutura.
No caso da transposição, obra quase pronta, o ponto de atenção é o custo de operação das bombas de água, estimados em cerca de meio bilhão de reais, por ano.
Para o cientista político Fernando Schuler, do Insper, não bastará um mandato para enfraquecer a força do lulismo na região. E, nem mesmo, obras gigantes são garantia de sucesso.
— A chance do governo Bolsonaro reverter a força do lulismo é colocando em execução um programa real e efetivo de combate à pobreza, o que é diferente do Bolsa Família — diz Schuler.

Projetos importantes aguardam conclusão

A transposição do Rio São Francisco está 96% concluída, sendo 95% no Eixo Norte e 100% no Eixo Leste. A água está sendo retirada do São Francisco, no interior de Pernambuco, para abastecer outros rios e açudes. O objetivo é beneficiar 12 milhões de pessoas em 390 municípios em Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
As obras começaram em 2005, com previsão inicial de serem concluídas em 2010. O custo também aumentou. Deve ficar em R$ 9,6 bilhões, o dobro do previsto. O projeto envolve mais de 5,4 mil trabalhadores e cerca de dois mil equipamentos, em 477 quilômetros de extensão.
Outra obra importante na região é a ferrovia Transnordestina. Ela foi planejada para ligar a cidade de Eliseu Martins (Piauí) aos portos de Pecém (Ceará) e Suape (Pernambuco), com 1.753 quilômetros de extensão, passando por 81 municípios. O objetivo é transportar 30 milhões de toneladas por ano. O projeto foi iniciado em 2006 e só deve ficar pronto em 2027, 17 anos depois do prazo original.
Já foram gastos R$ 6,4 bilhões, e as obras têm 52% de avanço físico. Elas estão interrompidas desde o início de 2017, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a suspensão completa de repasses por suspeitas de irregularidades. O orçamento, que era de R$ 4,5 bilhões, agora já alcança R$ 13 bilhões.
O fornecimento de água no semiárido nordestino é outro desafio. A dessalinização — processo que retira o sal da água — é mais comum em países com pouca disponibilidade. O Ministério do Meio Ambiente tem o Programa Água Doce, que atende mais de 500 comunidades do semiárido com a dessalinização de águas salobras (com salinidade intermédia, entre a salgada e a doce). Também há experiências regionais, como a de Fernando de Noronha, onde a dessalinização garante água potável a 80% dos cinco mil moradores fixos.
Indicado para o Ministério da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes já manifestou intenção de incentivar pesquisas para baratear os custos de dessalinização. As referências para o programa seriam as experiências em Israel. (Colaboraram Eduardo Salgado e Daniel Gullino)

Jussara Soares e Dimitrius Dantas, O Globo