segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Armínio Fraga me representa, diz Clóvis Rossi

Fiquei fã de Armínio Fraga ao encontrá-lo pessoalmente pela primeira vez, antes mesmo que ele pudesse abrir a boca para me cumprimentar.
Ou seja, não foram suas ideias que me agradaram pelo óbvio motivo de que nem tivera tempo de falar delas.
O que me cativou foi a maneira despojada com que se apresentou no Hotel Hilton de Berlim, para uma reunião do G20, então restrito a ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais (ele era um deles). O grupo só teve um upgrade com a crise de 2008, quando passou a ser de chefes de governo.

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, em foto de abril deste ano
O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, em foto de abril deste ano - Zanone Fraissat-18.abr.18/Folhapress
Armínio chegou sozinho ao hotel, carregando ele próprio a sua malinha que não era nenhuma Louis Vuitton, e fez ele próprio o check-in. Fez, enfim, o que todo ser humano normal faz, mas que não costuma ser a regra para funcionários públicos graduados.
Cansei de ver a elite do funcionalismo estar cercada de uma leva de “aspones", que carregam a mala do chefe, fazem o check-in no hotel e, se bobear, até abrem a porta do quarto.
A propósito, conto uma historinha que o velho sábio que habitava esta Folha repetia com frequência: certa vez, ele disse ao então governador Abreu Sodré (1967/71) que não entendia por que esse veterano político quis ser governador se era evidente que seu palco preferido era o Parlamento. Respondeu Sodré: “Ah, meu amigo, se você soubesse como é bom durante quatro anos não precisar nem sequer pôr a mão na fechadura da porta, porque sempre tem alguém para abri-la".
Ver o presidente do Banco Central do Brasil dispensar a mordomia historicamente associada a cargos públicos relevantes foi, pois, uma surpresa agradável.
Quase 20 anos depois, eis que Armínio me presenteia com outra agradável surpresa, na entrevista que concedeu a Alexa Salomão desta Folha.
Reproduzo o trecho que me encantou: “As pessoas precisam de um bom sistema econômico, e esse sistema econômico vive grudado umbilicalmente ao sistema político e à sociedade. Ele precisa dar respostas a vários temas. Mesmo quando falamos de economia, precisamos incluir hoje, aqui no Brasil, temas como Estado de Direito, respeito às minorias, fim da desigualdade, combate à violência —com uma postura de paz em relação à violência. Se não tocarmos nesses grandes temas, estamos deixando algo muito importante de fora".
Bingo, Armínio. Os economistas, em especial os brasileiros, dão sempre a impressão de que acham que a economia é um universo particular desligado da vida real. Hoje em dia, então, a maioria parece achar que, ajustadas as contas públicas (o que é necessário, sem a menor dúvida), o Estado de Direito será respeitado, as minorias sentir-se-ão protegidas, a desigualdade acabará, a violência sumirá das ruas e crescerá não só o produto interno bruto mas também a felicidade nacional bruta.
Não sei se a proposta de Armínio para a reforma da Previdência é ou não a correta, se suas opiniões sobre o ajuste da economia são ou não as melhores. Mas, se não se incluir na pauta econômica o conjunto de valores exposto por Armínio, corre-se o risco de, na melhor das hipóteses, de repetir frase famosa do general Médici, aquela segundo a qual “o país vai bem, o povo vai mal". Isso, na melhor das hipóteses, porque há também boa chance de nem um nem o outro irem bem.

Clóvis Rossi
 Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha


Folha de São Paulo