terça-feira, 29 de agosto de 2017

"Minha Terra Tinha Palmeiras", por José Paulo Cavalcanti Filho

Folha de Pernambuco


Só a sensação de impunidade absoluta faz com que possam ter coragem de cortar uma árvore. Bem visto, a mesma que permitiu assaltar as estatais. E cobrir o malfeito. Ou tentar. É a marca dessa gente…

“Minha terra tem palmeiras,

  Onde canta o sabiá”.


São versos de (Antônio) Gonçalves Dias, na sua Canção do Exílio. Implorou aos céus, o poeta, “Não permita Deus que eu morra/ Sem que eu volte para lá”. Deus permitiu. Doente, ao perceber que não teria cura, voltou da Europa. Com só 41 anos. No navio Ville de Boulogne.Chegou a ver, em 3/11/1864, as costas do seu Maranhão. Só que o navio naufragou. E o poeta, já muito frágil, não conseguiu escapar de sua cabine. Morreu afogado. Mas essa é outra história.
Na última sexta-feira, a Caravana Rolidei de Lula programou grande ato a ser realizado na Praça (Nossa Senhora) do Carmo. Padroeira do Recife. Ocorre que o caminhão do som encontrou problemas para estacionar, no local determinado pelos dirigentes do PT. No meio do caminho tinha uma palmeira, como as do verso. Tinha uma palmeira no meio do caminho do caminhão de Lula.
Era uma palmeira imperial já bem grande, com mais de 20 anos, que teimava em não sair do lugar em que foi plantada. Por ser neoliberal, talvez. Solução mais simples teria sido afastar o caminhão, por 5 ou 10 metros. Mas Lula ia falar. E toda impertinência, contra o grande mestre, deve ser punida severamente. Conclusão, cortaram e retalharam a tal palmeira. Bem feito, para ela. Quem mandou ficar no meio do caminho?
Ao saber da notícia, não acreditei. Fui conferir. Encontrei, no local, três vendedoras com uniforme do “Pernambuco dá Sorte”. Em seus carrinhos de trabalho. Estavam indignadas. Disseram haver pedido que a pobre árvore não fosse cortada. Em vão. Nos mostraram o local, agora coberto por cimento. Junto de monumento ao “Herói da resistência negra do Quilombo dos Palmares”.
Em meio ao calçadão de pedras portuguesas, agora está uma bola de cimento. Como um marco à insensatez.  Estátua plana para comemorar o feito heroico de abater uma palmeira viçosa. Cheguei a pensar em pedir o nome das tais vendedoras, para pôr nesse texto. Melhor não. Temi pela segurança delas. Quem mata palmeiras inocentes é capaz de tudo.
O que espanta, em ações assim, é a prepotência. É a demonstração de que se consideram acima da Lei. Como se fossem deuses. Como se o discurso em favor dos mais pobres perdoasse tudo. Só a sensação de impunidade absoluta faz com que possam ter coragem de cortar uma árvore. Bem visto, a mesma que permitiu assaltar as estatais. E cobrir o malfeito. Ou tentar. É a marca dessa gente. No caso das estatais, escondendo a corrupção com dinheiro fora do país e doações eleitorais que dizem ter sido “legítimas”. No caso da palmeira, cimento.
Há incongruências graves no discurso de PT e agregados. “Se trago as mãos distantes do meu peito/ É que há distância entre intenção e gesto”, palavras do português Ruy Guerra (em Calabar). Nos discursos, todos se dizem a favor da democracia. Enquanto apoiam a ditadura sanguinária do “companheiro Maduro”, palavras de Lula.
Nos discursos, são a favor de uma política mais limpa. Enquanto seu Presidente de Honra já foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A 9 anos e 6 meses de cadeia. Sendo réu em mais 5 processos. A Presidente do Partido também é ré, no Supremo. Ela e seu marido. Todas as figuras importantes, em volta deles, foram já condenados. Ou são réus, em processos por corrupção. Ministros, governadores, deputados. E, nos discursos, ainda têm a coragem de se dizer contra a corrupção. Só mesmo rindo.
São também, nos discursos, a favor da natureza. Enquanto matam palmeiras imperiais. Tenho ganas de vomitar. E nem é só esse caso. Também um belo e imponente pé de coração de nego foi abatido, no Marco Zero. Porque impedia o palanque do PT, vitorioso na Prefeitura do Recife. Pobre dele. E tudo sob o silêncio cúmplice de todos os simpatizantes do PT e cercanias. Ecologistas, amantes do verde, funcionários de órgãos de preservação da natureza. Todos eles. Calados. Lembro Drummond (no Caso do Vestido), “boca não disse palavra”.
A parceria entre PSB e PT já começa, também, a dar seus primeiros frutos. Quem é do time deles pode fazer o que desejem. Cortar as árvores que quiser. Onde quiser. Quando quiser. Fosse um de nós que aparecesse no Carmo, com um serrote, e seria preso. Nós, presos. Os de PT e PSB, problema nenhum. E nem desculpas pediram. Não está certo.  
Iguais também, nos seus destinos, Gonçalves Dias e aquela palmeira. Que o corpo do poeta jamais seria encontrado. Suspeita-se que foi pasto dos tubarões. Enquanto a pobre palmeira, depois de retalhada, vai se decompor em algum terreno baldio. O poeta diz, nos seus versos, “As aves que aqui gorjeiam/ Não gorjeiam como lá”. Sobre as árvores. Problema é que, por aqui, nossas aves terão agora uma palmeira a menos onde pousar.