quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Investidores estrangeiros miram serviços públicos e varejo no país

Jorge Araújo/Folhapress
Painéis da CPFL, comprados pela chinesa State Grid
Painéis da CPFL, comprados pela chinesa State Grid


Flávia Lima - Folha de São Paulo


O investimento estrangeiro direto para o Brasil mira cada vez mais o setor de serviços, especialmente empresas de eletricidade, transporte, varejo e saneamento.

De janeiro a julho, os recursos externos investidos no setor produtivo da economia brasileira, conhecidos como investimentos em participação no capital, cresceram 36% em relação a igual período do ano passado.
Foram US$ 31,6 bilhões recebidos no período, segundo dados do Banco Central.

Os serviços captaram 66% desse total, bem acima do atraído pela indústria (28%) e pelo agronegócio (6%).

Há apenas dois anos, quando os ingressos estrangeiros no setor produtivo estavam no mesmo nível, a indústria ficou com a maior parte desses recursos (60%), e os serviços captaram apenas 30%.

A busca por investimentos em países como o Brasil responde a um cenário de abundância de recursos e retornos muito baixos, além de multinacionais que lucraram muito nos últimos anos e estão com excesso de dinheiro em caixa, diz André Castellini, sócio da Bain & Company.

A mudança da indústria para os serviços, diz Castellini, se justifica porque há uma percepção de que a economia está tocando o fundo do poço e que, portanto, a recuperação da demanda está próxima.

Além disso, há um movimento contínuo de estrangeiros que acreditam no potencial da economia brasileira e se animam com os preços bastante convidativos dos ativos após três anos de crise.

Viktor Andrade, sócio de transações corporativas da EY, diz ainda que um volume grande de ativos foi colocado à venda recentemente em razão de dificuldades financeiras e da operação Lava Jato.

"São grandes empresas em dificuldades que acabaram fechando negócio no primeiro semestre", ele afirma. "Ativos que, de outra forma, não iriam a mercado".

Entre os exemplos, destaca-se a compra da Odebrecht Ambiental, braço de saneamento do grupo, pela canadense Brookfield, em abril deste ano. Em janeiro, a chinesa State Grid comprou a empresa de energia CPFL.


Andrade prevê que o movimento fusões e aquisições deve seguir com força nos próximos trimestres. A EY está envolvida em quatro operações de venda de ativos locais para investidores externos, incluindo uma empresa de serviços de tecnologia da informação, mídia e entretenimento e uma indústria.


MERCADO CONSUMIDOR

Andrade diz ainda que a J&F, empresa dos irmãos Batista que está se desfazendo de ativos para fazer caixa, não finalizou o processo de vendas, assim como a Petrobras, com um extenso programa de desinvestimento, também deve atrair dinheiro do externo.
Entre outros casos, o executivo da EY ressalta que algumas empreiteiras também tentam avançar no processo de venda de ativos, assim como múltis brasileiras ainda buscam levantar recursos para enfrentar a baixa demanda da economia vendendo empresas que não fazem parte do seu negócio principal.

Para além do cenário externo de alta liquidez e do cenário interno mais problemático, os especialistas dizem que o Brasil, seja ele a quinta, sétima ou nona economia mundial, continua a ter um mercado consumidor amplo e bastante promissor.

"Varejistas, empresas de bebidas, de alimentos e do setor automotivo têm que estar no país", afirma Castellini, da Bain& Company. Para ele, se comparado com países emergentes como China ou Índia, o Brasil é certamente o mercado menos desafiador para um investidor que busca, acima de tudo, o lucro.


CHINESES

Chineses, americanos, alemães e canadenses se destacam entre os investidores que aproveitam o cenário único de dinheiro externo em abundância e empresas locais dispostas a vender bons ativos para aportar no Brasil.

Estimativa feita por Andrade aponta que um terço de todo o capital estrangeiro que tem entrado no país para investimentos no setor produtivo é chinês.

"É um volume muito grande, sem dúvida, mas menos do que é alardeado", diz Andrade.

Segundo ele, os chineses levam, em média, dois anos para fechar uma transação, um prazo bastante superior a de outros investidores, diz.

Por país, o ranking do Banco Central mostra que os EUA responderam por 27% das transações ocorridas até julho, seguido por um grupo curioso que reúne Países Baixos, Ilhas Virgens Britânicas e Luxemburgo.

Andrade diz que esses países se encontram no topo da lista porque oferecem, legalmente, benefícios fiscais para que empresas transitem por eles. São lugares de passagem, mas acabam entrando no levantamento do BC como a origem dos recursos.

A internacionalização de empresas brasileiras, diz Luis Afonso Lima, da Mapfre Investimentos, é positiva porque recoloca no cenário econômico alguns negócios de grupos nacionais que ameaçavam ser descontinuados.

São empresas que têm que lidar com a Lava Jato, queda da demanda interna e a alta de custos, diz ele. "A venda para grupos estrangeiros também traz outros benefícios, como transferência de habilidades gerenciais, tecnologia e inovação."

Para Lima, a expectativa é que a tendência se fortaleça, em especial em razão do amplo programa de concessões do governo, que colocou à venda ativos como o sistema Eletrobras.

Andrade, da EY, diz que o país tinha tudo para afastar o estrangeiro —recessão severa, impeachment e situação política volátil— e isso não aconteceu. "Esse investidor acha que faz sentido colocar dinheiro no Brasil porque, em algum momento, o retorno virá."