terça-feira, 1 de dezembro de 2015

"Ruy e os mitos", por Carlos Heitor Cony

Folha de São Paulo


Renan, não o Calheiros, mas o Ernesto, observou que, dos quatro biógrafos oficiais de Jesus (Mateus, Lucas, Marcos e João), somente o último se preocupou com a história e as histórias do personagem que escolheram. Ao contrário dos outros, João notou que, na cena do horto, fazia frio e os soldados acenderam uma fogueira. Maria, irmã de Marta, lavou os pés de Jesus com um perfume de nardo que custava caro. Isso foi às quatro horas da tarde, mais ou menos.

Ruy Castro, com seu famoso rigor histórico, está lançando o livro "A Noite do Meu Bem", com o subtítulo que lembra o evangelista João: "A História e as Histórias do Samba- Canção". Ao contrário de outros eruditos pesquisadores de nossa música popular, Ruy aproveitou o assunto "samba-canção" para compor um vasto e divertido painel ao tempo em que esse gênero, hoje desprezado por muitos, era quase hegemônico no panorama musical do Rio e de outros Estados.

Há muito que venho enchendo o saco do Ruy para que ele escreva sobre Getúlio Vargas e Carlos Lacerda, e esse seu último livro me dá motivos para que continue insistindo. Suas outras obras têm um personagem central que nasce, vive e morre: Nelson Rodrigues, Garrincha, Carmem Miranda, ou a bossa nova, Ipanema etc. Basta segui-los, com excelente pesquisa e correta cronologia –e "habemus papam", temos um livro.

Além das informações e comentários do Ruy, seus textos estão cheios de "cacos" oportunos e saborosos. A única falha que descobri em seu livro é uma referência ao meu tempo de pianista num inferninho de Copacabana. Citando meu escasso repertório, ele se esqueceu da trilha musical que adotava para me anunciar ao mulherio adjacente, que fazia sortido ponto na Prado Junior: "Speak Low", de Kurt Weill, autor de "September Song" e parceiro de Bertolt Brecht.