Cesário Ramalho | Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Presidente institucional da Associação Brasileira dos Produtores de Milho afirma que a produtividade no setor agrícola depende de ações governamentais
“Eu nasci na agricultura”, disse, com sorriso nos lábios, o presidente institucional da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Cesário Ramalho. O agricultor, de 77 anos, aprendeu os valores do trabalho no campo com o avô paterno, o pecuarista Ardelino Oliveira. Nas primeiras décadas do século 20, o patriarca da família ganhava a vida como condutor de gado em Barretos, no interior de São Paulo. “A cidade era o grande centro de produção de carne bovina no Brasil”, lembrou Cesário, em entrevista a Oeste.
O bom desempenho com o rebanho levou Ardelino a expandir as atividades no setor agropecuário. Nascido no Córrego da Onça, região interiorana de Minas Gerais, decidiu estabelecer sua propriedade no município de Canápolis, a 50 quilômetros de Ituiutaba, um dos principais polos de gado no país. “Meu avô comprou uma grande fazenda, que temos até hoje”, contou o presidente institucional da Abramilho.
Em 1930, com a carreira consolidada no campo, o pecuarista mineiro decidiu mudar-se para São Paulo. “Queria cuidar da educação dos filhos”, revelou Cesário, ao explicar as razões da migração do avô para a capital mais urbanizada do Brasil. “Desde então, comecei a sucedê-lo.” A experiência acumulada ao longo dos anos legou a Cesário as características que, segundo ele, são fundamentais para o sucesso de um trabalhador rural: paciência, resiliência e adaptação.
“Hoje, somos menos pecuaristas e mais agricultores”, disse. Indagado se a mudança de foco de atuação significava um rompimento com a tradição familiar, Cesário rechaçou a ideia. “Não há mudança de rumo”, garantiu. “Há busca por melhores alternativas, melhores margens, melhores resultados. É isso que o agricultor tem de fazer.” Para o neto de Ardelino, o plantio de milho é a escolha mais vantajosa para o momento.
Em 2020, o Brasil ocupou o terceiro lugar na produção mundial da commodity, com 100 milhões de toneladas, superado apenas pelos Estados Unidos e pela China. Nas últimas décadas, a posição relativa do país não se alterou quando considerada a produção do grão, mas cresceu em termos de exportações.
No ano passado, por exemplo, os produtores brasileiros de milho exportaram 38 milhões de toneladas, quase 20% das exportações totais do produto, tornando-se o segundo maior exportador do grão — atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2020, as exportações nacionais de milho renderam ao Brasil US$ 6 bilhões.
Problemas climáticos somados à diminuição da atividade em virtude da pandemia do novo coronavírus contribuíram para o mau desempenho registrado na safra 2020/2021. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção total deve chegar a pouco mais de 85 milhões de toneladas, volume 16% inferior ao registrado em 2019/2020.
No entanto, as estimativas para 2021/2022 são promissoras. Segundo o diretor-presidente da Conab, Guilherme Ribeiro, a colheita de milho esperada na próxima safra é de 116 milhões de toneladas — um aumento de 34%, na comparação anual. “Temos a previsão de uma safra estimada em 289,6 milhões de toneladas, com recorde na produção de milho e soja”, afirmou Ribeiro. Os números indicam recuperação depois de o cultivo ter sofrido com a geada.
Conforme diz Cesário, a melhora na produtividade depende de ações governamentais. “Precisamos de uma campanha nacional”, afirma. “Temos de construir mais armazéns para estoques do cereal. Outra medida que acho fundamental é o melhoramento de nossas terras. Aquelas que utilizamos hoje estão cansadas, e temos de remodelá-las. Precisamos de recursos nessas áreas, mas com juros adequados e prazos longos.”
“É verdade que a agricultura depende do clima, mas também da determinação do agricultor”
Antes de assumir a presidência institucional da Abramilho, Cesário liderou a Sociedade Rural Brasileira (SRB), a Agrishow, a Global Forum Agribusiness, a Federação das Associações Rurais do Mercosul (Farm) e a Aliança Internacional do Milho (Maizall) e da Câmara Setorial do Milho do Ministério da Agricultura. Atualmente, é produtor de milho em Mato Grosso do Sul.
Leia os principais trechos da entrevista.
Qual é a expectativa para a primeira safra de milho 2021/2022?
De onde estou, na janela de um escritório no Paraná, vejo uma lavoura de milho bonitinha, com um palmo de altura. Esta noite choveu, isso significa que o milho está salvo — um pedaço de sua vida, a germinação da semente. No entanto, se você for a São Paulo, em Ribeiro Preto, verá uma tragédia. Canaviais imensos foram queimados, com perda de 10% a 15% da produção. Como você sabe, isso atrapalha o ciclo natural das plantas. No ano passado, tínhamos a programação de colher 112 milhões de toneladas de milho, mas conseguimos apenas 85 milhões — perdemos 25% da produção em virtude da seca que nos acometeu de março a junho. Antes disso, tivemos a safra de verão, que é feita no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Juntos, os três Estados produzem 30 milhões de toneladas de milho. No ano passado, em razão dos problemas climáticos, essas regiões perderam 20% de sua produção — 5 milhões de toneladas. Depois disso, ainda tivemos a safrinha, no inverno. Deveríamos ter produzido 85 milhões de toneladas de milho, mas conseguimos apenas 62 milhões. É verdade que a agricultura depende do clima, mas também da determinação do agricultor. Em geral, percebo otimismo dos produtores. O campo dará uma resposta a essa crise.
A escassez do milho causa impacto no bolso dos consumidores?
A escassez “fura” o bolso do consumidor. O preço do óleo de milho, por exemplo, subiu de 60% a 70%. O valor do óleo de soja, 86%. Os prejuízos são imensos. Infelizmente, nosso consumidor teve de modular sua dieta, de maneira a buscar produtos mais acessíveis, porque não há condição de mudar esse panorama. O Brasil está tentando amenizar o problema com as importações. Para ter noção, a cadeia do milho — produção na fazenda, confinamento, galinheiros e pocilgas — gera cerca de 4 milhões de empregos. Como país, temos a responsabilidade de manter a indústria funcionando — por isso, as empresas foram buscar milho no exterior. Compramos 1,2 milhão de toneladas de milho do Paraguai e estamos adquirindo um volume ainda maior da Argentina, mas seguimos empenhados em comprar ainda mais, pois queremos dar sustentação ao estoque. Agora, tentaremos não deixar o milho num preço inviável, porque a indústria não pode pagar tanto pelo produto — isso inviabilizaria sua operação.
O Brasil é um dos maiores exportadores de milho do mundo, mas ao mesmo tempo precisa importar uma grande quantidade do produto. Por que isso?
Este ano houve escassez por causa da grande perda que tivemos nesta safra. A pandemia trouxe insegurança global e todos quiseram fortalecer seus estoques. O Brasil tem contratos assinados e precisa cumpri-los. Antes da pandemia, havia mais equilíbrio. De maneira geral, o Brasil exporta apenas o excedente que produz. Assim como não incentivo a intervenção do governo nas importações, não quero que o Estado interfira nas exportações. Como não temos estoque no Brasil, fomos buscá-lo em países que tinham. Quem não segue esse fluxo, fica para trás. Trata-se de uma conquista do produtor rural brasileiro, do nosso país. Não é de um governo, nem de dois, nem três. São conceitos que regram nossa atividade. Exemplo típico disso é o extraordinário sucesso norte-americano e o insucesso argentino. Precisamos do livre mercado.
O milho brasileiro é de boa qualidade?
O Brasil tornou-se um importante exportador de milho, conquistou mercados com a qualidade de seu produto. É um grão seco, duro, mais novo do que o produzido pelos norte-americanos. Temos ainda o mercado das proteínas animais — somos o maior exportador mundial de carne de frango, o quarto maior de suínos.
O senhor ressalta, com frequência, a necessidade de melhorar a produtividade no setor agrícola. Como fazer isso?
Pleiteamos uma ação governamental. A produtividade é fácil de alcançar, porque precisamos apenas plantar mais milho no mesmo espaço de terra. Para ter ideia, o norte-americano produz 12 mil toneladas do cereal por hectare, enquanto o Brasil produz apenas 4,8 mil toneladas por hectare. Para melhorar a produtividade, necessitamos de ajuda do governo, uma campanha nacional. Precisamos construir mais armazéns para termos estoques de milho. Nesse momento, o governo deveria entrar no mercado e adquirir os produtos. A ideia é comprá-los quando estiverem em baixa, na safra, e depois usá-los em períodos difíceis. Isso ajudaria os pequenos produtores. Outra medida que acho fundamental é o melhoramento de nossas terras. Aquelas que utilizamos hoje estão cansadas e temos de remodelá-las. Precisamos de recursos nessas áreas, mas com juros adequados e prazos longos. Precisamos ainda de seguro — o Brasil não o fornece de maneira adequada. Apenas 10% da agricultura brasileira é segurada, enquanto nos Estados Unidos são 95%. O agricultor precisa de um seguro que pague seu custo de vida e o custo da lavoura. O trabalhador quer sair de férias, pagar a escola das crianças, comprar geladeira nova. A maioria dos agricultores não vive nas metrópoles.
O governo suspendeu a cobrança de tributos como PIS e Cofins na importação de milho até 31 de dezembro. Segundo o Planalto, a medida tem o objetivo de desonerar o custo de aquisição externa da commodity, de modo a reduzir a pressão de preços e os custos dos criadores de animais, visto que o grão é importante insumo na alimentação de bovinos, suínos e aves. De que maneira o senhor vê essa decisão?
É uma medida natural. Como eu disse anteriormente, o milho importado chega com o preço mais acessível. Essa medida ajudou nosso consumidor. Não adianta eu produzir grãos se não há consumidores. Tenho de pensar lá na frente, não apenas em minha lavoura. De todo modo, a Abramilho é favorável à livre concorrência, em não intervenções governamentais.
A China compra 80% da soja que o Brasil vende no mercado externo. No caso do milho, por sua vez, os parceiros comerciais são diversos — Japão, Irã, Egito, Europa e México. Qual é a importância dessa diversificação de consumidores?
Imagine se você tivesse apenas um leitor na revista. Trata-se disso. No caso da soja, é uma dificuldade que o Brasil encontra, diferentemente do que acontece com o milho — há vários compradores. Precisamos encontrar outros mercados, outras maneiras de negociar. Nossos exportadores têm de diversificar seus negócios, industrializar mais. É um trabalho que tem de ser feito, porque o mercado internacional é perverso, difícil e altamente profissionalizado.
Revista Oeste