Presidente da CCJ da Câmara, Bia Kicis afirma que agentes públicos estão avançando sobre direitos fundamentais, e as pessoas não se dão conta da gravidade disso
Na semana em que Jair Bolsonaro completa mil dias no Palácio do Planalto, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) reconhece que muitas coisas ainda precisam ser feitas, embora o governo tenha conseguido avançar em pautas liberais e conservadoras. Uma das principais apoiadoras do presidente na Câmara, ela é presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), cargo-chave no Congresso, inclusive para aprovar propostas de interesse do Executivo.
“Fico angustiada de ver projetos altamente arbitrários, autoritários, projetos de tirania prosperando no nosso país”, afirmou. “Vemos agentes públicos avançando sobre direitos fundamentais, sobre as liberdades, e as pessoas parecem que não estão se dando conta da gravidade disso”.
Na segunda-feira 27, Bia Kicis recebeu a reportagem da Revista Oeste em seu gabinete na CCJ para fazer um balanço desses três anos tanto do governo quanto do seu mandato como deputada. Entre os assuntos abordados, o passaporte de vacinação, as manifestações de 7 de Setembro e a CPI da Covid.
Confira os principais trechos da entrevista.
Como a senhora avalia esses mil dias de governo Bolsonaro?
O que me alegra é ver o Brasil caminhando para a frente em vários aspectos, principalmente pela ausência de corrupção. A gente tinha, por exemplo, estatais que davam prejuízos bilionários e que hoje dão lucro. Parece mentira, mas tínhamos um país em que metade dos brasileiros não tinha acesso a tratamento de esgoto, 40 milhões não tinham água potável, e isso está mudando graças ao novo Marco do Saneamento. Mas fico angustiada de ver projetos altamente arbitrários, projetos de tirania prosperando no nosso país. Vemos agentes públicos avançando nos direitos fundamentais, nas liberdades, e as pessoas parecem que não estão se dando conta da gravidade disso.
A senhora pode citar dois pontos que considera positivos no governo e dois negativos?
As novas políticas de infraestrutura e a autonomia do Banco Central, que era uma coisa que se esperava havia mais de 30 anos, são pontos bastante positivos. Mas o que para mim é o mais positivo é a luta do presidente pela liberdade do povo. Assim como eu, ele não abre mão disso. É não ao passaporte sanitário, por exemplo, e não tem de obrigar ninguém a tomar vacina. Em relação aos pontos negativos, diria que a comunicação do governo. Todo mundo sabe que ela é confusa e, principalmente, não consegue chegar lá na ponta. Mas isso também é muito em razão da mídia. A imprensa sempre serviu para apontar as coisas ruins, criticar, e para mostrar as coisas boas. No caso do Bolsonaro, ela não só não mostra as coisas boas, como inventa coisas ruins o tempo todo. Outro ponto ruim é que algumas pautas conservadoras foram largadas para trás, não houve maior empenho do governo, como no projeto Escola Sem Partido.
Como a senhora analisa as manifestações de 7 de Setembro?
Estive em todos os atos desde 2014, e esse foi o maior. As pessoas deixaram o conforto das suas casas para mostrar que apoiam o governo e que estão muito insatisfeitas com os ataques às nossas liberdades. Em seguida, vimos uma manifestação da esquerda, no caso foi até do MDB, que não conseguiu juntar ninguém. Foi um fracasso retumbante, que mostra que não há espaço para uma terceira via.
Como a senhora viu a decisão do presidente de escrever uma carta, dois dias depois, abaixando a temperatura da crise entre os Poderes?
Já ouvi várias versões dessa história. Como não conversei com o presidente, não sei quem chamou quem. Quando eu vi aquele documento, estava no plenário votando, eu levei um susto, porque pensei: “Depois daquela manifestação de força tão grande, esse documento? O que é isso?”. Depois, falei assim: “Deixa eu esperar, deixa a coisa acalmar para eu entender o que está acontecendo”. A melhor coisa foi ouvir do próprio presidente e ver a reação. Muitas pessoas estavam querendo imputar a ele uma iniciativa golpista e ali ficou muito claro que não tem nada disso. Ele botou uma bandeira branca e agora está esperando o outro lado. Se ela não aparecer, vai ficar claro para todo mundo quem é que está querendo desrespeitar a separação dos Poderes. Ainda quero ver um gesto por parte do Supremo.
O presidente do Senado devolveu uma medida provisória do governo que limitava a remoção de conteúdos nas redes sociais e agora a proposta tramita no Congresso. O Brasil precisa de uma legislação sobre isso?
Esse regramento que está sendo proposto é para conter abusos. Se está havendo abuso, tem que tentar regulamentar para diminuir o nível disso. Nós temos o Marco Civil da Internet, que prevê a remoção em casos, por exemplo, de crime sexual. Fora essas exceções, só com decisão judicial. As próprias plataformas estão insatisfeitas com isso. Tanto que elas acusaram, com todo aquele cuidado, que pode, sim, estar havendo censura prévia. E sempre contra apoiadores do presidente, contra conservadores. Essa tentativa do presidente de regulamentar é para que se cumpra a Constituição.
Como a senhora avalia a CPI da Covid?
Eles não acreditam que haja corrupção no governo federal, eles querem desgastar o presidente, o seu governo e seus apoiadores. Se eles estivessem interessados em investigar corrupção, é óbvio que eles iriam atrás do Consórcio Nordeste, dos desvios de respiradores e de verba. Eles não estão interessados em quem abriu e fechou hospital de campanha durante a pandemia. Cada hora é um assunto diferente: tratamento precoce, vacinas, atestado de óbito. É tudo, menos ir atrás de desvio de dinheiro, que é o que interessa para o povo.
O que esperar do relatório final da CPI?
Hoje, por exemplo, fiz um tuíte dizendo que já tem veículo de comunicação repercutindo a informação de que o relatório do Renan Calheiros vai incluir quatro deputados, entre eles eu, todos acusados de divulgarem fake news sobre a pandemia. A gente não propaga fake news, damos a nossa opinião sobre os fatos. Podemos divulgar, de repente, uma entrevista de um médico que tem um pensamento. Isso é fake news? A CPI está gastando tempo do Congresso e dinheiro do contribuinte para perseguir pessoas que não cometeram crime nenhum, isso é uma vergonha. A gente precisa se insurgir contra esse tipo de coisa e com veemência. Não dá para ficar calado esperando avançarem ainda mais. Precisamos reagir.
Como a senhora viu a derrota na Câmara do projeto de sua autoria, que previa o voto impresso auditável para as próximas eleições?
Uma guerra é composta de várias batalhas. Não tenho dúvida de que houve uma derrota em relação a essa Proposta de Emenda à Constituição. Quando essa PEC foi analisada na Comissão de Constituição e Justiça, passou por 33 votos a 5. Ninguém era contra. De repente, virou a PEC do golpe e isso e aquilo. A PEC foi derrotada aqui na Câmara, mas o tema permanece no inconsciente coletivo.
Boa parte dos deputados que apoiam o presidente tem a intenção de sair do PSL
Em outubro de 2020, em entrevista a Oeste, a senhora falou sobre o ativismo judicial e suas interferências nas decisões do governo federal. Como está esse cenário hoje?
Piorou muito. Eu e outros parlamentares tentamos colocar limites nesse ativismo, mas não conseguimos aprovar os projetos, porque a situação ficou muito acirrada. Quando você fala em usar um mecanismo previsto na Constituição, como o decreto legislativo — em que o Congresso susta um ato do Executivo se achar que ele exorbitou de sua competência — em relação a uma decisão judicial, vários parlamentares da Casa falam: “Não, estão querendo atacar o Supremo”. Não queremos atacar o Supremo, queremos nos desincumbir de uma tarefa que está na Constituição. Cabe ao Congresso zelar pelas suas atribuições para que não sejam exercidas por outro Poder. Estive com o presidente do Supremo para conversar sobre projetos que são de interesse do STF aqui dentro. Nós temos uma excelente proposta de autoria do deputado João Campos (PSB-PE) que limita o número de decisões monocráticas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade e determina que elas tenham de ser imediatamente levadas ao plenário. A maioria dos ministros está de acordo.
Como presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, como a senhora vê a atuação de Davi Alcolumbre, presidente da CCJ do Senado, em se recusar a pautar a sabatina do André Mendonça para o STF?
Realmente não consigo entender essa postura, porque é preciso preencher essa vaga. Causa prejuízo ficar com um ministro a menos, e, pelo que eu saiba, o André Mendonça já tem votos suficientes para ser aprovado, falta apenas que seja votado. Espero que o senador Alcolumbre paute, porque sei que ele está sofrendo bastante pressão para isso. Parece que ele disse que está aguardando o Supremo decidir. Aliás, isso já coloca em xeque essa questão da atribuição legal. Se a função é minha, não tenho que esperar o Supremo decidir nada.
A fusão entre PSL e DEM está em vias de ser concretizada. Qual o provável destino partidário do presidente Jair Bolsonaro e de parlamentares aliados, inclusive a senhora?
A fusão do DEM com o PSL está praticamente certa. A gente não sabe o rumo que eles vão tomar, isso deve ser decidido em assembleia: se serão base, oposição, terceira via o que eles vão fazer. O certo é que boa parte dos deputados que apoiam o presidente tem a intenção de sair do PSL. Essa fusão abre uma janela para que eles possam sair sem ter problema de perda de mandato por infidelidade. No meu caso, estou atrelada ao PSL até o final do mandato na CCJ. Não posso sair agora, porque a vaga da presidência é do PSL. Vou aguardar formalmente, pelo menos. Mas a gente precisa começar a se mexer. Ainda que não seja no mesmo partido do presidente, porque talvez não possamos esperar essa definição, iremos para um partido que será base.
Na ocasião que assumiu a comissão, disse que havia pautas prioritárias, principalmente econômicas, mas que pautas conservadoras não ficariam de fora. Como está isso hoje?
Elas estão caminhando. Conseguimos aprovar um projeto que deixa muito claro que educação domiciliar não é crime de abandono. Aprovamos leis para endurecer crimes sexuais contra crianças e adolescentes e uma PEC para que os brasileiros que estão no exterior e que adquirem outra nacionalidade não percam automaticamente a nacionalidade brasileira, só se eles quiserem ou se houver alguma outra causa. Esta também é uma pauta conservadora, por que diz respeito ao patriotismo.
Afonso Marangoni, Revista Oeste