Em ano de eleições e sem aprovação de reformas estruturantes, desempenho da economia brasileira pode retomar ao padrão de baixo crescimento provocado por velhos gargalos do país, como a baixa qualificação da mão de obra e a infraestrutura deficiente.| Foto: André Rodrigues/Arquivo/Gazeta do Povo
A economia brasileira deve ter um crescimento por volta de 5% neste ano. É o que sinaliza o ponto médio (mediana) das previsões das instituições financeiras coletadas semanalmente pelo Banco Central (BC) para o Relatório Focus, em alta há nove semanas. Mas, para 2022, as expectativas são de um cenário diferente: a expansão do PIB deve perder vigor, com a mediana das previsões sinalizando para crescimento de 2,1%.
Os números já foram melhores. No começo do ano, bancos e consultorias indicavam para um crescimento de 2,5% em 2022. Nas últimas quatro semanas, a mediana das projeções do relatório Focus caiu de 2,3% para 2,1%. As projeções mínimas e máximas variam bastante: vão de 1,23% a 6%.
Segundo economistas ouvidos pela Gazeta do Povo, 2022 será uma espécie de "volta ao normal" após um forte crescimento deste ano, que se dá sobre uma base fraca de comparação – em 2020 o PIB sofreu retração de 4,1%, a pior em três décadas.
Entre os fatores que ajudam a explicam esse rebaixamento nas expectativas para o ano que vem estão fatores estruturais da economia brasileira, as incertezas típicas do processo eleitoral e a esperada dificuldade na aprovação de reformas estruturantes no sistema tributário e no serviço público.
Questões mais imediatas também contribuem para a cautela dos economistas em relação a 2022.
Se de um lado o avanço da vacinação poderia permitir uma retomada mais disseminada das atividades econômicas, de outro o país enfrenta a aceleração da inflação e o consequente aumento das taxas de juros. A Selic, hoje em 4,25% ao ano, pode passar de 7% no início de 2022, na avaliação de alguns analistas. Apenas três meses atrás, a taxa estava no piso histórico de 2% ao ano.
Mesmo a expectativa de que a inflação desacelere na segunda metade deste ano e ao longo de 2022 fica sob desconfiança em meio à crise hídrica e às frequentes notícias de aumentos na tarifa de energia - que podem levar o IPCA, índice oficial de inflação, a patamares ainda mais altos.
A hipótese de racionamento de energia, por ora descartada nos discursos oficiais, é cada vez mais frequente nos encontros reservados de lideranças do Congresso e da Esplanada dos Ministérios. Para além do efeito na inflação, portanto, a crise do setor elétrico também pode ser um obstáculo à própria atividade econômica caso o país precise mesmo conter o consumo de energia.
Gargalos impedem crescimento mais acelerado
Uma série de gargalos impedem um crescimento mais acelerado do Brasil, explica Jansen da Costa, sócio da Fatorial Investimentos. Dois deles são a falta de qualificação e a baixa produtividade da mão de obra. “Nosso nível educacional é baixo.”
Para ele, uma expansão do PIB brasileiro de 2% a 3% não pode ser considerada ruim. “É o que conseguimos crescer sem gerar inflação.”
Ampliar a taxa potencial de crescimento da economia brasileira vai exigir esforços, aponta o economista João Beck, da BR Advisors. Ele diz que para sair do patamar de 2% de crescimento é preciso melhorar o nível técnico da mão de obra brasileira, o que contribuiria para ampliar a produtividade do trabalho, e intensificar o uso de tecnologia na indústria.
Nos últimos dez anos, a economia brasileira teve um crescimento em torno de 0,3% ao ano, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), passando por duas recessões severas: uma em 2015-16, nos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer, e outra em 2020, com a crise da pandemia.
Países com PIB próximo ao brasileiro – US$ 1,45 trilhão em 2020 – têm conseguido crescer com mais vigor, deixando o Brasil para trás. É o caso da Austrália (2,1%), Rússia (1,3%) e Coreia do Sul (2,5%). De acordo com dados do FMI, em 2010, o Brasil era a oitava economia mundial. Atualmente é a 12ª.
Mais fatores estruturais também pesam e inibem uma expansão mais acelerada da economia brasileira: tributação pesada, dificuldades no comércio internacional, problemas logísticos causados pela infraestrutura deficiente e incerteza jurídica.
Reformas poderiam ajudar no crescimento
Outro caminho que poderia assegurar um maior crescimento, segundo economistas, é a aprovação das reformas.
Uma das mais relevantes, de acordo com Patrícia Krause, economista da Coface para a América Latina, é a tributária. Uma empresa média brasileira gasta, em média, 1.501 horas para lidar com a carga de impostos, conforme o Banco Mundial. Nesse aspecto, apenas seis países têm desempenho pior do que o Brasil.
“Sem as reformas, a economia brasileira fica sem estímulos adicionais para uma expansão mais robusta do PIB”, diz a especialista. Ela não vê muitas oportunidades para que as reformas sejam apreciadas até 2022. Patrícia destaca que, normalmente, em anos de eleição há uma “trava” para esse tipo de discussão.
Embora o ministro da Economia, Paulo Guedes, e alguns aliados no Congresso – em especial o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – reiterem a intenção de aprovar as mudanças na tributação e no serviço público ainda em 2021, esse ânimo não é compartilhado por boa parte do Congresso. Nem do próprio Executivo.
Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que o presidente Jair Bolsonaro, convencido de que o timing da reforma administrativa pode lhe trazer ônus eleitorais, sinalizou para aliados desacelerarem a tramitação. A reforma tributária, enquanto isso, caminha devagar por falta de consenso entre a equipe econômica e o presidente, e também pela proximidade de Bolsonaro com empresários de diferentes setores – dos quais nenhum aceita ser mais tributado em benefício de outro.
"Só assim [com reformas] conseguiremos sair da armadilha da renda média", diz Rossano Oltramari, sócio e estrategista da 051 Capital. Atualmente, o país depende muito da oscilação das commodities. Contamos muito com a sorte."
Campanha eleitoral deve acentuar volatilidade
Um fator que pode tornar mais difícil obter um crescimento mais forte em 2022 é a campanha eleitoral. Victor Scalet, estrategista da XP Investimentos, lembra que a volatilidade aumenta em anos eleitorais.
E os investidores tendem a adotar uma postura mais cautelosa, diminuindo os riscos, principalmente em um cenário que se mostra cada vez mais polarizado, explica Oltramari, da 051 Capital.
“Nossa recuperação deve ser mais lenta e com solavancos, sobretudo na ausência de evolução de reformas. Em 2022, um crescimento de 2% nos parece razoável”, diz a equipe econômica do banco Ourinvest.
Vandre Kramer, Gazeta do Povo