quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

"Uma pá de cal no pré-sal", por Fernando Meirelles

Folha de São Paulo


COP 21. No final das contas, toda conversa em Paris se resume a uma questão: como e quando acabar com as emissões de gases de efeito estufa, ou como e quando acabar com a indústria do petróleo e do carvão.

Os gases de efeito estufa são cumulativos. Até hoje não existe nada que consiga trazê-los de volta a não ser o crescimento de árvores e os oceanos. Ou seja, uma vez na atmosfera lá ficarão para sempre.

Petrobras/Bloomberg
Funcionário caminha pela plataforma da Petrobras no campo Jubarte, no Espírito Santo
Funcionário caminha pela plataforma da Petrobras no campo Jubarte, no Espírito Santo

Apenas emitir menos, como querem alguns, não resolve. Não há truque possível: 2/3 das reservas de petróleo terão que ser deixadas no solo. Catástrofes seria a outra opção.

Sim, entramos na era da desmontagem da indústria do petróleo e do carvão. O prazo para isso acontecer é bem apertado, 2050. Temos 35 anos para chegar a emissão zero, para passarmos por Cubatão descendo a Via Anchieta e vermos o mangue ocupando de novo a área onde um dia foi uma refinaria.

Esta imagem de Cubatão sem fumaça, linda para uns, cai como uma bomba para os países e companhias produtoras de petróleo e não é difícil entendê-los. Eles ainda acreditam e lutam para que seu produto tenha mercado até o final do século. Lutam por uma sobrevida na COP21.

Não por acaso a Arábia Saudita foi o último país a enviar sua INDC (Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida, na sigla em inglês) para Paris, mesmo assim um compromisso vago onde exigem que os países ricos os ajude a fazer a transição para fontes de energia limpa e a se recuperar do impacto que sua economia vai sofrer.

Sem esta ajuda o documento saudita sugere que as mudanças poderão não ser levadas a cabo. Claro que os países ricos não querem pagar pela recuperação econômica de quem tem um dos maiores PIBs per capita do mundo e as mãos igualmente sujas. Esta pode ser uma das pedras no caminho do sucesso destas negociações.

Ontem, dia 8, sauditas, argentinos, poloneses e venezuelanos aceitaram baixar a meta de aquecimento máximo de 2˚C para 1,5˚C, só que com a condição de ser retirada do texto a proposta de descarbonização do mundo.

Como se aquecer menos mas continuar emitindo fosse conciliável. Para eles é. A justificativa que deram compete na categoria non-sense e humor com a definição do Cunha de "usufrutuário".

Do lado das companhias privadas a tensão em relação ao futuro não é menor. Nenhuma das grandes como Shell, BP, Exxon ou mesmo a Petrobras fizeram lances no ultimo leilão de blocos do pré-sal em outubro. O tal leilão que foi um fiasco e não vendeu quase nada.

Aparentemente investimentos em petróleo a longo prazo já estão em cheque. Mesmo não sendo um especialista na área, vendo daqui dos corredores da COP 21 me parece que o sonho do pré-sal acabou.

Morreu. Vamos ser realistas: se já não venderam em outubro, depois desta COP e a cada ano ficará mais difícil fazê-lo. Claro que o baixo preço do barril afasta investidores, mas quero crer que o bom senso também tenha peso nesta decisão. 

Fichas demoram a cair mas parecem já estar caindo. Ainda bem.

Mas aí vem a pergunta: E a Petrobras como fica? Se forem sensatos eles já devem estar montando um time para planejar a data para desligar cada refinaria, tipo de coisa que funciona melhor se pensada com décadas de antecedência.

O Brasil tinha um excelente projeto de biocombustível em andamento, abortado quando o pré-sal foi confirmado em 2008. Talvez agora seja a hora de retomá-lo e a Petrobrás poderia fazê-lo. Uma nova vocação.

A rapaziada técnica da Petrobras é extremamente competente para fazer dar certo e assim o Brasil volta para a trilha da energia limpa que não deveria ter abandonado, alinhando-se com o mundo e não mais correndo na contramão.