quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

‘O remédio para corrupção é combater a impunidade’, afirma Deltan Dallagnol


O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa: “É a ponta do iceberg”, diz sobre investigações da Lava-Jato - Fabio Seixo/27-07-2015


Renato Onofre - O Globo



Em entrevista ao GLOBO, o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, procurador da República Deltan Dallagnol, diz que a operação trouxe esperança no combate à corrupção e que “trata do tumor e não do câncer”. E ainda que impeachment não é remédio para combater corrupção. “Não se trata de fazer ou não impeachment, e sim determinar quais são as mudanças necessárias”

Como chegamos a esse nível de corrupção no Brasil?
A corrupção no Brasil vem desde o período colonial. Existem fatores culturais que levaram a este quadro, mas algo que certamente influencia isso: a impunidade que existe desde sempre. Em 1820, no Rio, havia um versinho que dizia: “Quem rouba muito é barão, mas quem rouba muito e esconde passa de barão à visconde". A punição no Brasil é algo extraordinariamente raro. As pessoas confiam que não serão pegas e que, se forem pegas, não serão punidas.
E qual o remédio?

O remédio é combater a impunidade. É necessário a existência de uma efetiva e proporcional punição àqueles que cometem corrupção.

E como combatê-la?
Vivemos uma janela de oportunidade para mudanças. Se nós não mudarmos neste momento em que tanta corrupção é revelada, em que a população está tão consciente, quando nós mudaremos? Eu acredito que hoje é o dia, que hoje é o tempo que decidiremos o país que nós queremos ter para nós e para as futuras gerações. Precisamos transformar a indignação em ação. E foi como mote de canalizar esse momento que o Ministério Público propôs as 10 medidas contra a corrupção (veja abaixo).

Qual é o eixo dessas medidas?
As 10 medidas contra a corrupção têm três focos centrais. O primeiro é evitar que a corrupção aconteça. O segundo é dar um basta na impunidade e trazer uma punição àqueles que praticam corrupção proporcional ao mal que eles causaram a sociedade. E o terceiro eixo é a recuperação do dinheiro que foi desviado.

Como está o processo para aprovação dessas medidas?
Estamos colhendo assinatura e recebendo a adesão da sociedade. Já atingimos mais de 800 mil assinaturas das 1,5 milhão necessárias para o projeto de lei de iniciativa popular. Depois, a discussão será no Congresso.

O senhor confia que este Congresso aprovará medidas que podem afetar parte de seus integrantes envolvidos em casos de corrupção?
Um dos feitos mais maléficos da corrupção é o cinismo. É a dúvida que se desenvolve a respeito do sistema, do funcionamento das instituições. Todo mundo passa a acreditar que nada funciona, que não adianta lutar. A Lava-Jato, nesse sentido, trouxe esperança. Mas ela não é a solução para todos os males da corrupção. A verdade é que a Lava-Jato trata de um tumor, mas não do câncer. Nós precisamos avançar para tratar o sistema aprovando as 10 medidas.

A Lava-Jato contribuiu para o agravamento da crise?
A Lava-Jato revela é que a corrupção caminhou de mãos dadas com a ineficiência econômica. Por exemplo, quando nós olhamos o caso de Pasadena, nós vemos que a própria escolha da compra da refinaria pode ter sido influenciada pelo recebimento de propina. No campo político, a Lava-Jato acaba sim por contribuir para o agravamento da crise . Mas nós culparmos as investigações pela crise política é o mesmo que, usando uma analogia do juiz Sérgio Moro, culpar o investigador pela descoberta de um cadáver. Como se ele fosse o responsável pelo homicídio. Quem trouxe essa crise foram aqueles que praticaram corrupção no passado. E não a Lava-Jato.

A oposição utiliza a Lava-Jato como argumento para pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Como o senhor vê isso?
O Ministério Público é absolutamente neutro em relação ao impeachment. Não somos nem favoráveis nem contrários. Agora, do meu ponto de vista, o foco primordial deve ser combater a corrupção. Ela aconteceu em diferentes governos e em diferentes partidos ao longo da nossa História. Nós não podemos cometer um erro de ter memória curta. Se nós queremos combater a corrupção, não se trata de fazer ou não impeachment, e sim determinar quais são as mudanças necessárias.

Tanto setores ligados ao governo quanto à oposição acusam a Lava-Jato de direcionar as investigações para atrapalhar A ou B. Há este direcionamento?
Essa acusação de atuação política da Lava-Jato nada mais é do que o reflexo do desespero daqueles que sentem seu interesse atingido pela investigação. A Lava-Jato atua de modo técnico. Agora, em razão desse ambiente político conturbado, tudo que nós produzimos acaba sendo utilizado por um dos lados como pedra. O lado que é atingido tenta sempre tirar a credibilidade da daquela pedra, daquele pedaço de informação produzida, atacando por muitas vezes a credibilidade de quem produziu. Mas isso não tem qualquer fundamento.

A Lava-Jato condenará políticos?
Em geral, político é mais cauteloso. Ele adota cautelas muito maiores quando pratica seus crimes do que os demais. Isso torna a investigação e a produção de provas contra eles mais difícil, mas creio que essas acusações virão. Talvez não no tempo que a mídia ou a população esperam.

Onde a Lava-Jato vai parar?
Eu diria que, hoje, temos aproximadamente 30% do caso revelado. É a ponta do iceberg ainda. A título de exemplo tivemos acesso a só 10% das informações sobre as cerca de 300 contas na Suíça suspeitas de terem sido usadas no esquema. É muito pouco. É uma investigação em andamento. Temos um longo caminho pela frente.

DEZ MEDIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO, SEGUNDO DALLAGNOL

1— Prevenção à corrupção: Testes de integridade simulando situações de corrupção

2 — Enriquecimento ilícito: Penas de 3 a 8 anos

3 — Crime hediondo para corrupção de altos valores: Penas de 12 a 25 anos

4 — Mudanças nos recursos penais: Diminuição dos recursos na Justiça

5 — Celeridade nas ações de improbidade administrativa: Criação de varas, câmaras e turmas especializadas

6 — Ajustes nas nulidades penais: Diminuir dispositivos de nulidades

7 — Reforma do sistema penal: Mudanças nas prescrições

8 — Responsabilização dos partidos políticos e caixa 2: Criminalização do caixa 2

9 — Prisão preventiva para evitar a perda do dinheiro desviado: Assegurar que recursos sejam usados para financiar a fuga ou defesa dos investigado

10 — Recuperação do lucro: Permissão para confiscar a parte do patrimônio que corresponda à diferença entre o patrimônio de origem e o dinheiro ilícito
*As medidas ainda estão na fase de adesão popular, quando são colhidas assinaturas