Não é o desemprego, nem a violência. O maior problema do país é atualmente a corrupção, segundo 34% das pessoas consultadas em recente pesquisa Datafolha.
O segundo lugar ficou com a saúde, mencionada por 16% dos entrevistados. Desde 1996, quando o levantamento começou a ser feito, é a primeira vez que a corrupção aparece no topo da lista de preocupações dos brasileiros.
O que isso significa? Pode significar simplesmente que os brasileiros acompanharam até aqui os desdobramentos da Operação Lava Jato e ficaram cansados de tanta corrupção. Existiria entre nós um certo nível de tolerância com os desvios cometidos pelas autoridades públicas, um limite, que foi ultrapassado.
A prisão de um senador bem no meio da pesquisa teria sido a gota d'água. É uma interpretação plausível. Mas algo mais profundo parece estar acontecendo.
Entre 1996 e 2013, período no qual a corrupção esteve quase sempre na lanterna do ranking, outros escândalos aconteceram, também com a participação de políticos graúdos e ampla exposição na mídia.
No mensalão, por exemplo, tivemos de tudo: vídeo com funcionário público embolsando maços de dinheiro, entrevistas bombásticas, julgamentos televisionados e ex-ministros presos. Foram vários anos de ilícitos estampados nos jornais. Por que o enredo do mensalão não foi suficiente para fazer transbordar o inconformismo dos brasileiros com a corrupção?
Uma primeira explicação está provavelmente na economia. Entre 2005, ano em que a palavra mensalão começou a povoar as manchetes, e 2013, quando o ex-deputado José Dirceu foi preso pela primeira vez, o PIB brasileiro cresceu a taxas consideráveis.
Em 2014 e 2015, anos da Operação Lava Jato, temos recessão. O bem-estar econômico experimentado durante o desenrolar do mensalão pode ter servido de anestésico contra a indignação popular. O atual quadro recessivo, ao contrário, inflama a opinião pública.
Uma segunda explicação pode estar em certas diferenças entre o julgamento do mensalão e a execução da Operação Lava Jato. No mensalão, existia uma polarização política maior. Muitas pessoas se perguntavam se os réus estavam, de fato, recebendo um tratamento justo e objetivo do Judiciário.
A crítica de que o STF estava fazendo um julgamento político e não estritamente jurídico do caso encontrou eco em alguns círculos nas universidades e na imprensa. Nesse ambiente político-ideológico, as sessões do plenário do STF acabaram se transformando em palco de duros embates. Houve polêmica entre os ministros do tribunal e muitas condenações foram decididas em votações apertadas.
A Operação Lava Jato é diferente. Percebe-se uma espécie de monotonia em seus procedimentos. O juiz Sérgio Moro decreta prisões sozinho em seu gabinete. Seus despachos não são televisionados. Os indícios de corrupção são tão fortes e as confissões tão numerosas que não sobra muito espaço para polêmicas partidárias.
Busca-se simplesmente a aplicação da lei. Provocado, o STF também deu uma demonstração de firmeza quando decretou, em votação unânime, a prisão de um senador em pleno exercício do mandato, que foi mantida pelo Senado Federal.
A mensagem que vem sendo transmitida lentamente pela Operação Lava Jato –e que talvez não tenha ficado tão clara no julgamento do mensalão– é que as instituições estão funcionando, de maneira largamente impessoal, sem grandes sobressaltos. Pessoas estão presas porque cometeram crimes. A corrupção existe, não é mera troca de acusações entre partidos. E, se existe, é um problema que deve ser enxergado e repudiado por todos.
Em passagem pouco lembrada do livro "Minha Formação", Joaquim Nabuco escreve que as instituições modificam o caráter de um povo. Ao que tudo indica, ele tinha razão.
ANDRÉ DE CASTRO O. P. BRAGA, 31, advogado, mestre em direito e desenvolvimento pela FGV Direito SP e mestre em administração pública pela EBAPE/FGV
FELIPE BUCHBINDER, 29, engenheiro, doutor em administração pela EBAPE/FGV, professor da EBAPE/FGV
FELIPE BUCHBINDER, 29, engenheiro, doutor em administração pela EBAPE/FGV, professor da EBAPE/FGV