A leveza das colunas de mármore, projetadas como penas pousando no chão, dissimula o clima pesado de conspiração permanente no Palácio do Planalto. Não é obra do PT, apesar de a burocracia do partido se vangloriar de ter inventado o Brasil a partir de 2003.
É da natureza do poder, registrou o escritor francês Honoré de Balzac em “A comédia humana”, obra exaustiva sobre a elite na era pós-napoleônica, que o levou a ideias desesperadas como a de “levar meus ossos ao Brasil, num empreendimento louco e que escolhi justamente por causa da sua loucura…” — escreveu à namorada polonesa, em 1840.
Desde a campanha de 2010, é evidente que a presidente e o vice convivem, se toleram e, eventualmente, compartilham tapetes. Dilma Rousseff, que completa 68 anos na próxima segunda-feira, e Michel Temer, 75 consolidados em setembro, nunca foram amigos, mas se tornaram inimigos íntimos.
A dissonância virou discórdia ainda no primeiro mandato, com a presidente constantemente vetando propostas emuladas pelo vice que, ao seus olhos, beneficiariam alguns no PMDB e confrontariam interesses do governo do PT. Embargou, por exemplo, negociações sobre os créditos podres de instituições financeiras sob intervenção do Banco Central.
Características do vice como frieza, polidez e circunspecção — que na análise venenosa do falecido senador Antonio Carlos Magalhães emprestam-lhe a aparência de “mordomo de filme de terror” — dissuadiram combates.
O clima ficou tempestuoso com as desastradas cruzadas de Dilma para esfacelar o PMDB e liquidar a candidatura do líder do baixo clero, Eduardo Cunha, à presidência da Câmara.
A quebra do Estado se tornou evidente na reeleição, e o governo entrou em liquefação porque perdeu a bússola das próprias contas. O vice cresceu como referência do descontentamento de personagens quase invisíveis na cena política, como o banqueiro Lázaro Brandão, presidente da fundação que controla o Bradesco. Governo e PT passaram a qualificá-lo como “conspirador”. A presidente ecoa, de maneira enviesada, quando repete não ter motivos para “desconfiar dele um milímetro”.
O processo de impeachment tornou-se real, com aval preliminar do Supremo, que viu nele um problema político, e não jurídico. Alguns oposicionistas agora sonham com a presidência Temer, sob o compromisso de ele não buscar a reeleição e apoiar o parlamentarismo em 2018. Falta definir qual é o interesse público e combinar com as ruas.
É bom lembrar: há outro processo em andamento, no TSE. Trata-se da cassação da chapa Dilma-Temer por supostas fraudes nas contas da campanha do ano passado.
A resolução do impeachment, qualquer que seja, não garante o fim do processo de cassação de Dilma-Temer — e vice-versa. Em tese, seria possível o vice assumir e continuar sujeito à perda de mandato por crime eleitoral.
Nesse baralho político, sobram as cartas dos inquéritos sobre corrupção na Petrobras, catalisadores daquilo que talvez seja o primeiro choque real do Estado brasileiro com interesses das antigas e novíssimas oligarquias.
Movimentos recentes no Judiciário sugerem uma próxima ofensiva sobre transações de próceres peemedebistas.