Javier Milei, presidente da Argentina - Foto: Shutterstoc
I magine, leitor, por um momento, que, após as eleições de 2026 no Brasil, se confirme que a direita ganhou na Bahia. Certamente você teria de ler a informação duas vezes e checar com amigos, confirmar na internet para depois afirmar: “milagres acontecem”.
Foi exatamente isto que aconteceu quando os argentinos se depararam com a notícia de que La Libertad Avanza, o partido de Milei, tinha vencido na província de Buenos Aires. No domingo passado, a Argentina assistiu a uma virada política que marca — segundo analistas — o fim de um ciclo de décadas dominado pelo populismo de esquerda.
A vitória de Javier Milei e de seu partido La Libertad Avanza, especialmente na província de Buenos Aires — considerada o bastião histórico do peronismo — assume contornos históricos: pela primeira vez desde 1983, o peronismo perde o controle daquela provínciachave nas eleições legislativas de meio termo (realizadas no meio do mandato presidencial). Não só isso.
O peronismo deixa de ser, também de modo inédito, a principal minoria na Câmara de Deputados e na Câmara dos Senadores. Este fato, por si só, demonstra que o eleitor argentino mudou de vez. Milei sai dessas eleições com uma vitória de sinal claro aos investidores, às reformas econômicas e ao realinhamento político internacional.
Segundo os resultados oficiais, La Libertad Avanza obteve pouco mais de 40% dos votos no plano nacional, frente a cerca de 30% da coalizão opositora peronista.
Além disso, o partido de Milei ganhou 14 cadeiras no Senado e 64 na Câmara dos Deputados — o que lhe proporciona força suficiente para vetar leis, proteger reformas e diminuir o risco de processos de impeachment.
Essa bancada ampliada representa não apenas uma base mais sólida para aprovar seu programa de governo. Também reduz drasticamente o risco político do pacote de reformas radicais que Milei tem proposto e que, até agora, teve fortes resistências pela conformação do Congresso até o dia 10 de dezembro, dia em que assumem os novos parlamentares.
Primeiros efeitos econômicos
Ressurgimento da confiança e pacote externo
Imediatamente após a confirmação da vitória, os mercados reagiram com otimismo. Títulos argentinos em dólar subiram 10-12 pontos, o peso se valorizou cerca de 10% frente ao dólar e o índice de ações local apresentou forte alta. No campo externo, Milei garantiu dois anúncios de peso: • Um acordo de swap cambial com os EUA no valor de US$ 20 bilhões, firmado entre o Tesouro americano e o Banco Central de la República Argentina (BCRA), para fornecer suporte à moeda argentina e reforçar as reservas.
• Um investimento de até US$ 25 bilhões para a construção de um mega centro de dados de IA em parceria entre OpenAI e a empresa argentina Sur Energy, no projeto denominado “Stargate Argentina”, que envolverá até 500 megawatts de capacidade e se propõe a colocar o país entre os hubs latino-americanos de inteligência artificial.
Além disso, o Tesouro dos EUA já realizou compra direta de pesos argentinos como parte do pacote de estabilização, o que reforça o suporte internacional à agenda de Milei.
Esses anúncios criam um efeito psicológico positivo: não são apenas promessas internas, mas compromissos externos que indicam que o “experimento liberal” de Milei está sendo visto como crível por grandes players mundiais.
Onde Milei se coloca: agenda liberal-radical
Milei se elegeu com um discurso de ruptura: corte de impostos, privatizações, controle do gasto público, redução do setor estatal, liberalização de mercados, segurança jurídica, combate ao narcotráfico e à corrupção.
Com o novo mandato reforçado, ele agora tem todas as condições para avançar. A força parlamentar permite que seu governo promova reformas legislativas de impacto, e o apoio externo (EUA, investidores de tecnologia) ajuda a criar um ambiente de credibilidade.
Esses são os ingredientes para que o modelo econômico que ele define — liberal clássico, com liberdade para empreender, impostos mais baixos, mercados mais abertos — tenha condições de sair do plano discursivo e entrar no plano real.
Desafios e promessas ainda pendentes
A vitória de Milei nas eleições legislativas não assegura um sucesso automático. Milei enfrenta desafios significativos, e algumas das suas promessas de campanha ainda aguardam concretização:
• Prometeu reduzir drasticamente o funcionalismo público e formalmente já iniciou cortes, mas o impacto pleno ainda não se refletiu em dados macroeconômicos de emprego estatal.
• Prometeu reforma profunda da tributação, com redução de impostos para estímulo ao investimento; mas a complexidade do sistema argentino, com províncias envolvidas, exige negociações federativas e pode atrasar.
• O combate ao narcotráfico e à corrupção exige infraestrutura institucional, independência judicial e cooperação internacional — aspectos mais lentos de se transformar.
• A reforma trabalhista e o limite na atuação dos sindicatos são prioridade para reduzir o custo na contratação da mão de obra e para não depender de sindicatos que se mantêm como um mandato familiar vitalício, passando de pais para filhos (o poderoso sindicato dos caminhoneiros é um excelente exemplo de um império controlado pela família Moyano)
• Fixar e manter a segurança jurídica para atrair investimentos externos será fundamental para esta nova etapa.
• A liberalização cambial foi anunciada, mas o peso continua vulnerável e as reservas do BCRA ainda são frágeis; a transição precisa ser gerida para evitar novo choque.
• E, talvez o mais difícil, elevar o padrão de vida da população, reverter a pobreza estrutural e garantir que a abertura de mercado não deixe setores vulneráveis para trás.
As urnas desmentiram as pesquisas
A vitória de Javier Milei nas eleições argentinas surpreendeu até os mais otimistas de seus aliados e expôs o descrédito dos institutos de pesquisa — tanto na Argentina quanto no exterior.
A maioria das sondagens pré-eleitorais projetava um cenário confortável para o peronismo (a representação do populismo de esquerda na Argentina). próximas ao presidente (Karina Milei, sua irmã e pessoa de confiança, e o deputado federal afastado Jose Luis Espert, candidato de Milei na disputada província de Buenos Aires, que pediu para não concorrer e que enfrenta sérios problemas judiciais), se manteve a mudança de perfil do eleitor argentino refletida nas eleições presidenciais: um eleitor cansado da inflação, dos subsídios e da retórica populista.
Algumas chegaram a prever um “empate técnico”, mas nenhuma captou o movimento silencioso que crescia nas redes sociais e nas ruas: o voto de manutenção do programa liberal de Milei que, com uma macroeconomia ordenada, mas com uma microeconomia ainda com muitos desafios, se mostra como mais eficiente que as “narrativas” de uma esquerda que vendia a promessa de solucionar problemas que ela mesma tinha provocado.
Teve também como vento de calda o fato de que grande parte do eleitorado ainda vincula a esquerda com um projeto corrupto e de chantagem eleitoral por meio da ajuda social.
O que os institutos não perceberam — e os analistas subestimaram — foi que, mesmo com denúncias de corrupção afetando pessoas muito próximas ao presidente (Karina Milei, sua irmã e pessoa de confiança, e o deputado federal afastado Jose Luis Espert, candidato de Milei na disputada província de Buenos Aires, que pediu para não concorrer e que enfrenta sérios problemas judiciais), se manteve a mudança de perfil do eleitor argentino refletida nas eleições presidenciais: um eleitor cansado da inflação, dos subsídios e da retórica populista.
A sensação geral é que o eleitor manteve o apoio a um projeto com alguém que não é político de carreira e que, mesmo cometendo erros, é transparente, sincero e verdadeiro nas suas falas e ações. Do outro lado estava um projeto que muitos eleitores ainda responsabilizam pela crise em que a Argentina está e da qual não será nem fácil, nem rápido, sair.
Assim, quando as urnas foram abertas, o que parecia improvável aconteceu: Milei venceu com margem maior que o resultado que lhe deu a vitória presidencial em 2023, inclusive, e sobretudo, na província de Buenos Aires.
A sociedade argentina mudou, mantendo seu olhar para o futuro, enquanto os institutos de pesquisas continuaram olhando o país pelo retrovisor.
A imprensa brasileira e o vício da narrativa
Se os institutos erraram, boa parte da imprensa brasileira errou junto. Durante semanas, colunistas, analistas e comentaristas repetiram que Milei estava “em queda”, que “havia perdido apoio popular” e que “a volta do peronismo era inevitável”.
Reproduziram, sem questionar, o mesmo roteiro que a grande mídia argentina disseminava — uma mistura de desejo e desinformação travestida de análise.
Os jornais e canais de TV no Brasil, em sua maioria, compraram a narrativa da derrota de Milei por dois motivos principais:
• Afinidade ideológica com a esquerda latino-americana, hoje representada por Cristina kirchner (mesmo estando em prisão domiciliar), Gustavo Petro, Gabriel Boric e Lula.
• O temor de que o êxito de Milei inspirasse o eleitor brasileiro em 2026, consolidando um novo ciclo liberal e antiesatista no continente.
A eleição mostrou, mais uma vez, que parte da imprensa deixou de informar para tentar moldar o resultado.
A Boleta Única de Papel: uma revolução eleitoral silenciosa
Outro fator decisivo no processo foi a inauguração da Boleta Única de Papel (BUP). A BUP foi aprovada pela Câmara dos Deputados da Argentina em 1º de outubro de 2024, tornando-se a nova forma de votação para as eleições nacionais. A nova legislação foi sancionada pela Lei 27.781 e a implementação estava prevista para as eleições legislativas nacionais de 2025.
Até então, o sistema argentino permitia que cada partido imprimisse e distribuísse suas próprias cédulas — um modelo vulnerável a fraudes manipulações e à chamada “votação em cadeia”, na qual cabos eleitorais entregavam as boletas preenchidas para compra de votos.
Com a boleta única, o eleitor recebe um único papel oficial, contendo todos os candidatos e partidos, e marca ali sua escolha.
Esse formato trouxe três avanços fundamentais:
• Transparência – todos os candidatos estão na mesma folha, impedindo o desaparecimento de cédulas.
• Autonomia – o eleitor marca sua escolha de forma mais independente, sem depender de material de campanha.
• Segurança – cada cédula tem código
O novo modelo eliminou o controle partidário sobre a votação — e tirou do peronismo a vantagem logística construída em décadas de domínio eleitoral nas províncias mais pobres. Foi, nas palavras de analistas locais, “a revolução silenciosa da democracia argentina”.
O contraponto inevitável: Brasil sob os holofotes O sucesso político e econômico de Milei cria um contraste inevitável com o Brasil. Enquanto a Argentina se prepara para cortar mais gastos ainda, o governo brasileiro aumenta despesas, incumpre o fantasioso arcabouço fiscal e cria novos impostos.
Enquanto Milei fala em privatizar empresas estatais, o Brasil discute reestatizações e fundos públicos, mantendo as estatais como cabides de emprego e com déficits cada vez maiores. único e é auditável, reduzindo riscos de manipulação.
Enquanto a Argentina sinaliza ajuste fiscal, Brasília insiste em déficits sucessivos, ampliando a dívida e colocando o país no risco de shutdown (o Estado para de funcionar por falta de recursos).
Caso Milei consiga, nos próximos meses, manter a estabilidade no índice de inflação, atrair investimentos e fazer o PIB voltar a crescer, o governo Lula enfrentará forte pressão política.
O liberalismo que a esquerda insistiu em chamar de “radical” pode se transformar em exemplo regional de recuperação econômica, e o discurso assistencialista brasileiro ficará exposto diante dos resultados de um vizinho que ousou reformar de verdade.
O horizonte de 2026: quando o vento cruza as fronteiras
O impacto político dessa virada pode ser profundo. Assim como o peronismo inspirou a esquerda latino-americana durante décadas, o “mileísmo” pode inspirar uma nova direita liberal e reformista.
No Brasil, a eleição argentina já acendeu debates dentro da oposição, que vê na vitória de Milei uma rota de retorno à responsabilidade fiscal, à liberdade econômica e à coragem política de dizer não ao populismo.
A lição é clara: o eleitor mudou.
Ele está cansado de promessas vazias, de programas sociais usados como chantagem eleitoral, e de governos que tratam o cidadão como dependente, não como protagonista.
A Argentina mostrou que é possível vencer o sistema — e essa mensagem pode vir a atravessar o continente.
Isto se reforça ainda mais com a derrota da esquerda na Bolívia, onde sequer chegou a disputar o segundo turno. É preciso ficar atento ao resultado eleitoral do Chile, que terá o primeiro turno das eleições presidenciais no dia 16 de novembro, o segundo turno no dia 14 de dezembro.
Até agora, a candidata do presidente Boric aparece em situação complicada, já que mesmo tendo 26% das preferências eleitorais, os candidatos da direita Kast e Matthei somam juntos para o segundo turno 43%.
Em 2026, o Brasil pode, nas urnas, vivenciar os mesmos desejos do eleitor da Argentina: menos Estado, mais liberdade, menos discurso, mais resultado. E quando o vento da mudança sopra do sul, não há propaganda que consiga detê-lo.
O povo argentino devolveu ao continente a fé na liberdade. Agora, cabe ao Brasil decidir se seguirá o exemplo — ou o erro.
Revista Oeste