sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Ana Paula Henkel - Um simples 2025

Precisamos aprender a priorizar o que realmente importa — relacionamentos, criatividade e os momentos tranquilos que dão riqueza à vida


Foto: Revista Oeste/IA


E assim entramos em mais um ano que se inicia com os costumeiros votos de “saúde, paz e prosperidade”. Votos que são acompanhados de postagens nas redes sociais no momento exato em que o calendário vira para 2025. Fotos do momento em que 2024 ficou para trás inundam os perfis de milhões de pessoas sorridentes desejando que o novo ciclo seja coberto de “saúde, paz e prosperidade”. 

E é o que também desejo para todos nós.

Mas, nos ponteiros frescos de 2025, vou desejar que o relógio, mesmo jamais parando, não deixe que o tempo escorra por entre nossos dedos. 

Na luz das telas, onde notificações incessantes e páginas quase infinitas exigem nossa máxima atenção, os dias se tornaram um borrão de ocupação sem propósito. Até na passagem de um ano para outro. No belo e útil advento da internet, o importante virou postar, mostrar, saber e opinar sobre as últimas notícias, sobre o que está “agitando as redes sociais”, sobre mostrar — e não preservar. 




É claro que estar bem informado é essencial. Foram muitos anos de manipulação, narrativas, controle. Informação é conhecimento. Mas apenas informação é sabedoria?

Houve um tempo em que os momentos em que mergulhávamos na verdadeira sabedoria eram valorizados — conversas se prolongavam, refeições eram compartilhadas sem distrações, e os pores do sol eram apreciados. Juízo, temperança e bom senso eram passados sem o açodamento dos olhos procurando o celular na cozinha, na sala, no banheiro. 

Hoje, o rolar interminável das redes sociais consome horas nos prendendo a um mundo digital que frequentemente é ocupado, vibrante, intenso — mas profundamente vazio. A ironia é cruel: estamos mais conectados do que nunca, mas nos sentimos mais solitários, esperando pela profundidade de conexões reais que parecem cada vez mais distantes.


Foto: Shutterstock 

E a cada clique uma oportunidade é perdida — um livro não foi lido, um passeio foi adiado, um sonho não foi iniciado ou foi deixado de lado por falta de tempo ou planejamento. O peso dessa constatação é profundo, mas o ciclo persiste. As redes sociais, com sua promessa de escape e distração imediata, tornaram-se ladrões do nosso recurso mais precioso: o momento, o hoje, o instante que não volta mais. Nunca mais. Elas roubaram os espaços tranquilos onde a criatividade e a reflexão florescem, deixando-nos com uma sensação constante de que precisamos de “mais, mais e mais”. A maquiagem do momento, uma casa maior, uma viagem, um novo amor, uma nova vida… “apagar tudo e começar de novo”. A tragédia não está apenas nas horas que perdemos, mas na vida que esquecemos de viver enquanto a vibrante tapeçaria da existência se desvanece, ofuscada pelo brilho frio de uma tela que mostra vidas que não são perfeitas e que não trazem sabedoria. 

Pense por um momento na real tristeza do vício das redes sociais: estamos constantemente on-line, apresentando-nos para uma audiência invisível, mas raramente estamos presentes em nossa própria vida. O mundo digital promete validação, mas frequentemente entrega insegurança. Perseguimos curtidas e comentários, esquecendo o valor inestimável da conexão humana genuína. 

E a perda não é apenas pessoal, é coletiva. Famílias se distanciam enquanto sentam juntas, cada uma absorvida em sua própria bolha digital. Comunidades se enfraquecem à medida que conversas reais dão lugar a interações virtuais. O mundo se move em um ritmo frenético, e sentimos a necessidade de acompanhar tudo, embora a linha de chegada esteja sempre fora de vista. Nessa corrida, trocamos profundidade por velocidade, significado por conveniência, e realização por gratificação efêmera. O resultado é uma sociedade exausta, fragmentada e sempre aguardando algo que não consegue nomear.


Foto: Shutterstock

O que torna essa erosão do tempo ainda mais dolorosa é a ilusão de escolha. Acreditamos estar no controle, que podemos parar a qualquer momento, mas os algoritmos são projetados para nos manter presos — escravos da dopamina. Eles exploram nossa necessidade de novidade, nosso medo de “ficar de fora” e nosso desejo inato de aprovação. E, assim, as horas passam em transe, nossa mente entorpecida por um fluxo interminável de conteúdo que raramente acrescenta significado à nossa vida. Enquanto isso, o mundo lá fora — e, principalmente, dentro de nossa própria casa — continua a girar, oferecendo beleza, conexão e propósito. Se apenas pudéssemos levantar os olhos por tempo suficiente para enxergá-lo… 

Há uma tristeza profunda em perceber que somos os arquitetos de nossa própria distração. As ferramentas que deveriam nos capacitar em muitos aspectos nos escravizaram. Sentimos o peso do tempo escapando, mas não sei se lutamos o suficiente para nos libertarmos, presos em um ciclo de compromissos excessivos e realizações insuficientes.



Esse fenômeno não é novo, mas sua escala e intensidade são sem precedentes. Antes, as distrações eram temporárias; hoje, são onipresentes. Notificações invadem nossas manhãs antes mesmo de sairmos da cama, e as telas nos acompanham até a noite. O ritmo da vida acelera, não porque estamos fazendo coisas mais significativas, mas porque estamos tentando acompanhar um fluxo interminável de conteúdo, grande parte dele descartável. Nossa atenção está tão dispersa que, mesmo quando estamos fisicamente presentes, nossa mente está em outro lugar, consumida por preocupações, atualizações e pela demanda incessante de engajamento. O que acrescentou para a sua vida saber como o fulano ou o beltrano passou a entrada do ano novo?

Recuperar nosso tempo parece uma tarefa monumental em um mundo projetado para roubá-lo. Exige mais do que disciplina, demanda uma mudança de valores. Precisamos aprender a priorizar o que realmente importa — relacionamentos, criatividade e os momentos tranquilos que dão riqueza à vida. Precisamos ter coragem de nos desconectar, não apenas de nossos dispositivos, mas das pressões sociais que equiparam ocupação com valor. Só então podemos começar a reconstruir uma vida que se sinta completa, uma vida onde o tempo não seja um inimigo a ser combatido, mas um presente a ser valorizado. Quando foi a última vez que você disse “fiquei quatro horas conversando com o meu pai [mãe, avô, irmão…]”?

Neste ano, o que mais desejo para cada um de nós é que passemos menos tempo nas redes sociais — quase nada — e mais tempo com a simplicidade, com os pés na terra, com as conversas na cozinha. Desejo-lhe mais abraços nos mais velhos e que suas costas possam sempre encostar em alguma árvore enquanto um livro, aberto entre os capítulos, descansa na grama entre um gole e outro de café. 


Foto: Shutterstock

Desejo, de coração, que sua assembleia de vozes seja feita de homens e mulheres sábios que viveram, que sentiram, que amaram, que sofreram. Que eles possam seguir nos ensinando, longe dos pedestais do Instagram, longe das teorias mirabolantes de sucesso na vida por meio de cursos milagrosos — e perto da nossa alma com lições de humildade. 

Que o seu e o meu 2025 sejam recheados de prosas que falem de amor, de dor, de fé, de reconquista — da vida com todos os seus parágrafos escritos e lidos sem pressa. Desejo que possamos encontrar a sabedoria onde ela está: mergulhada na força da vida simples. Na necessária força da simplicidade. Há épocas em que pensamos mais em nossos pais, mães e mestres que já partiram. Muitos sabem da minha profunda ligação com meu pai por meio de algumas preciosas histórias que já contei. Ele foi muito mais que um pai — foi um mentor, um amigo, um sopro de eterna esperança em meu caminho. As memórias enchem o meu coração e os meus olhos de lágrimas. Cresci vendo o meu pai no lombo de um cavalo, tocando berrante, cozinhando num fogão à lenha, conversando com cachorros, com cavalos e cachoeiras… 




Cresci ouvindo Rolando Boldrin, moda de viola e os “causos da roça” que me seguem até hoje. Então saí de casa, conheci o mundo, mudei de país. Mas nenhuma memória com o meu pai me abandonou. Muito pelo contrário. Elas seguem comigo. É para lá que sigo, até hoje, como uma bússola em tempestades, em tempos de correia, de açodamento, de incertezas. Ali, há um refúgio precioso que ainda molda minha alma — até hoje. Minha identidade e sanidade ainda residem em conversas na cozinha. O melhor divã que alguém pode ter.

Minhas páginas com o meu pai foram construídas com histórias sem pressa. Meu pai me deu tudo o que eu precisava para vencer — TEMPO. Tempo de aprender, tempo de conversar, tempo de agir, tempo de sofrer, tempo de se recolher, tempo de se levantar, tempo de amar e tempo de colher. 

Como ensina nosso sábio Rolando Boldrin, “quem refuga o mundo resmungando passará berrando essa vida marvada”. 

Que o seu novo ano seja rico em verdadeiras riquezas.  


Ana Paula Henkel - Revista Oeste