Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
A cada nova reportagem da Vaza Toga, as desculpas frágeis e justificativas inconsistentes de Alexandre de Moraes e de seus colegas do Supremo Tribunal Federal (STF), como Gilmar Mendes, desmoronam como um castelo de cartas diante de uma leve brisa. A matéria publicada pela Folha de S. Paulo nesta quarta-feira (21) desmontou de uma vez ao menos três mentiras sustentadas pelo ministro e seus aliados no Supremo.
A reportagem, intitulada "Processo sigiloso revela erros e contradições de Moraes em uso de órgão no TSE", expôs que o juiz instrutor de Moraes no Supremo, Airton Vieira, solicitou a Eduardo Tagliaferro, chefe do órgão de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um relatório sobre autores de postagens relacionadas à palestra que os ministros dariam em Nova Iorque, nos dias 14 e 15 de dezembro de 2022.
"Máfia Brasileira. Eduardo, por favor, consegue identificar? E bloquear? O ministro pediu... Obrigado", deixando claro quem realmente estava por trás dos pedidos, algo já evidente desde a primeira reportagem da Vaza Toga. Moraes é o verdadeiro autor intelectual das denúncias que, no TSE, eram rotuladas como "denúncia anônima" ou "recebida de parceiros do TSE", seja lá o que isso signifique. Dentre as postagens enviadas pelo ministro, estava um post do então deputado estadual do Paraná Homero Marchese, que fez um simples aviso público do evento que os ministros compareceram em NY.
Aqui cai a primeira mentira: na sessão plenária do STF, em 14 de agosto, Moraes afirmou que todos os alvos dos relatórios do órgão de combate à desinformação já eram investigados nos inquéritos das fake news e das milícias digitais. Homero Marchese, no entanto, nunca foi investigado em nenhum desses inquéritos — uma clara inverdade do ministro. Na realidade, Moraes escolhia os alvos e ordenava que o TSE encontrasse provas, num modus operandi que lembra Laurenti Beria, chefe da polícia secreta da União Soviética: "Mostre-me o homem e eu lhe mostrarei o crime."
A única coisa realmente oculta no Brasil, que ninguém consegue encontrar, é a justiça
As novas mensagens reforçam que Tagliaferro sabia que estava agindo ilegalmente: "Só não sei como bloquear pelo TSE, porque não fala nada de eleições", disse ele. Airton Vieira ignorou a preocupação e mandou Tagliaferro prosseguir. O relatório enviado por Tagliaferro falsificou a informação sobre a origem do pedido, alegando que as denúncias foram anônimas e que quem solicitou o relatório foi Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes, no TSE.
Reportagens anteriores já haviam mostrado esse tipo de fraude: os auxiliares do ministro ocultavam a origem das denúncias para evitar que Moraes fosse declarado impedido de julgar os casos — o que impediria que ele promovesse a punição de seus adversários e privasse estes de informações importantes à sua defesa. Alterar a verdade em documento público é crime de falsidade ideológica, conforme o art. 297 do Código Penal. O Partido Novo enviou uma notícia-crime à Procuradoria-Geral da República (PGR), mas Paulo Gonet, PGR indicado por Lula a partir da recomendação de Moraes e Gilmar Mendes, arquivou a representação alegando falta de indícios de crime.
Além da fraude, o relatório de Tagliaferro confundiu a autoria das postagens, alegando que Homero Marchese, então deputado estadual pelo Novo, teria divulgado o endereço dos hotéis dos ministros, quando, na verdade, ele apenas divulgou o evento — uma informação pública. Por isso, Moraes ordenou o bloqueio integral das contas de Homero no Twitter, Facebook e Instagram, deixando-o um mês e meio sem acesso ao Twitter e Facebook e seis meses sem Instagram.
A ilegalidade foi tamanha que até a PGR e o Twitter recorreram da decisão. E aqui surge a segunda mentira de Moraes: ele afirmou que todos os recursos apresentados pelos alvos, chamados de agravos regimentais, foram analisados e levados ao plenário do STF, com acompanhamento da PGR. Na verdade, Moraes bloqueou as contas de Homero antes mesmo da PGR ter acesso aos autos, o que ocorreu três dias depois. E adivinhe o que disse a primeira manifestação da PGR? Que devia ser anulada a decisão e declarado ilegal o uso do órgão de combate à desinformação do TSE.
Moraes não analisou nenhum dos agravos: nem o da defesa de Homero, nem o da PGR, nem o do Twitter. A terceira mentira do ministro foi dizer que todas as suas decisões impugnadas "foram mantidas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal", o que é falso, já que nem ele mesmo examinou os recursos, muito menos os levou ao plenário. O saldo dessa história, até agora, é o seguinte: mentira, mentira, mentira. Vaza Toga 3, Moraes zero.
Escrevi um artigo completo sobre a história de Homero, detalhando como ele processou a União pelos abusos de Moraes e obteve uma indenização de R$ 20 mil, que foi anulada por Moraes — na prática, o ministro inocentou a si mesmo, o que é evidentemente ilegal. Como se não bastasse, Moraes superou-se na ilegalidade e mandou o CNJ investigar o juiz que proferiu a sentença, desrespeitando a independência judicial.
O Partido Novo também apresentou uma representação ao CNJ contra os juízes auxiliares de Moraes. No entanto, considerando a conduta recente do corregedor nacional de justiça, Luís Felipe Salomão - um dos maiores aliados de Moraes e que tem atuado como verdadeiro carrasco dos juízes da Lava Jato no CNJ -, esperava-se no mínimo a abertura de um processo administrativo contra quem admitiu, em conversas, estar agindo de forma errada. Mas Salomão arquivou a representação, alegando "motivos ocultos" do Partido Novo.
O sistema se blinda: a única coisa realmente oculta no Brasil, que ninguém consegue encontrar, é a justiça.
Deltan Dallagnol, Gazeta do Povo