Em meados de novembro, um deslizamento de mais de mil toneladas de pedras e terra matou duas pessoas em Petrópolis. A tragédia, infelizmente, se repete ano após ano. Parte da explicação talvez esteja no orçamento do governo federal que tradicionalmente prioriza as iniciativas de respostas aos desastres, enquanto a prevenção fica em segundo plano. Em 2016 não foi diferente.
Levantamento da Contas Abertas, mostra que do total de R$ 1,7 bilhão desembolsado para a gestão de risco e respostas a desastres neste ano, incluindo restos a pagar, R$ 1,1 bilhão, isto é, 64,7% dos gastos foram destinados para ações de respostas aos desastres. O restante é para prevenção.
Desta forma, neste ano, a ação orçamentária que mais recebeu recursos foi a “Defesa Civil”: R$ 1,1 bilhão. A iniciativa visa a pronta resposta e reconstrução para restabelecimento da ordem pública e a segurança da população em situações de desastre. O restabelecimento da normalidade no cenário de desastres recebeu R$ 4,7 milhões.
A situação se inverte nas obras de macrodrenagem. Apenas R$ 449,4 milhões foram efetivamente aplicados na ação de “Apoio a sistemas de drenagem urbana sustentável e de manejo de águas pluviais em municípios críticos sujeitos a eventos recorrentes de inundações, enxurradas e alagamentos.
Os dados consideram os programas orçamentários 1027 - Prevenção e Preparação para Desastres, 1029 - Resposta aos Desastres e Reconstrução, 1138 - Drenagem Urbana e Controle de Erosão Marítima e Fluvial e 2040 - Gestão de Riscos e Resposta a Desastres.
Neste ano, a situação ainda foi agravada pela diminuição considerável de recursos no orçamento das iniciativas. Para 2016, a previsão orçamentária é de R$ 1,8 bilhão, a menor dotação autorizada desde 2008. Em 2013, chegaram a ser autorizados R$ 6,5 bilhões para o setor. De lá pra cá, os recursos só caíram.
Para o especialista em Defesa Civil, Gastão Gal, além de pequenos, os recursos são mal utilizados. “A defesa civil no Brasil ainda é uma piada. É preciso livrar o setor de politicagens e corrupção, pois trata-se de uma área crucial para salvar vidas”, afirma. Gal defende o orçamento próprio para defesa civil em municípios e a criação de carreiras na área.
Para o especialista também é preciso dar mais atenção ao planejamento na “prevenção” de tragédias. “Ainda esperamos o desastre acontecer para depois tomar iniciativas. O Brasil necessita de mapeamento de áreas de riscos, por exemplo. A mãe das tragédias é a omissão”, ressalta.
Recursos para Estados
São Paulo foi o estado mais beneficiado com verbas de prevenção e resposta aos desastres em 2016: R$ 246 milhões. Logo em seguida, Ceará, que recebeu R$ 231 milhões. A Bahia ocupa a terceira posição com R$ 209,2 milhões destinados por meio do programa. Juntos, os três estados somam 297 municípios que foram reconhecidos pela Defesa Civil como em estado de calamidade pública ou situação de emergência, sendo que o Estado de São Paulo inclui apenas duas cidades.
Tragédia que se repete
Em editorial, o Estado de S. Paulo lembrou que há quase seis anos, a região serrana do Estado do Rio foi vítima do pior desastre natural registrado no País, que provocou a morte de mais de 900 pessoas, o desaparecimento de outras 191 e forçou a retirada de milhares de famílias das áreas de risco. Após a tragédia, autoridades anunciaram bilionários programas de prevenção, mas pouco se fez desde então. Não é desprezível, por isso, o risco de ocorrência de novas tragédias na região, bem como em outras áreas do País sujeitas a desastres naturais, pois a imprevidência - ou a irresponsabilidade - do poder público no trato desses fenômenos é generalizada.
As fortes chuvas atingiram o Estado do Rio nos dias 11 e 12 de janeiro de 2011. A maioria das mortes ocorreu nas cidades de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim e Areal. Nelas, mais de 300 mil pessoas foram de algum modo afetadas.
O governo federal, então chefiado por Dilma Rousseff, chegou a anunciar, algum tempo depois, um bilionário programa de obras e ações de prevenção para conter o impacto dos desastres naturais em todo o País. Como em outros programas desse governo, também nesse pouco se fez de concreto.
O governo do Estado do Rio de Janeiro, de sua parte, comprometeu-se a realizar investimentos em diferentes programas para evitar a repetição da tragédia de 2011. Obras de contenção de encostas para reduzir o risco de deslizamentos, remoção e reassentamento de moradores das áreas consideradas de risco, recuperação dos locais atingidos por catástrofes, instalação de equipamentos de alerta à população e preparação da defesa civil para casos de emergência e de desastres faziam parte desse programa.
Dos recursos do orçamento para 2016 do governo do Estado do Rio para as obras de recuperação da região serrana fluminense, apenas 7,5% foram efetivamente aplicados nos primeiros nove meses do ano (R$ 18,4 milhões de um total orçado de R$ 246,6 milhões), de acordo com reportagem do jornal O Globo.
No início do ano, a Secretaria da Defesa Civil havia informado que, no sistema de alerta à população, 180 sirenes haviam sido instaladas em 12 municípios. No Portal da Transparência do governo estadual, no entanto, não havia registro de gastos com a ampliação do sistema de alerta e alarme e de preparação da população para emergências e desastres, para a qual o orçamento havia reservado R$ 5,1 milhões.
Não sem motivos, lideranças comunitárias locais temem a ocorrência de novas tragédias quando as chuvas ficarem mais fortes e frequentes. O programa de remoção dos moradores das áreas de risco está muito atrasado, dizem essas lideranças, que estimam haver ainda 30 mil pessoas morando nessas áreas só no município de Petrópolis. Não há, segundo elas, estudos confiáveis das autoridades municipais sobre os locais em que ações de remoção são mais urgentes. O poder público carece também de dados precisos sobre a população sujeita a desastres ambientais.
Quanto à falta de ações concretas, como fiscalização e interrupção de obras irregulares e construção de casas para abrigar as famílias removidas das áreas de risco em ritmo suficiente para evitar novas tragédias, as administrações municipais costumam se justificar transferindo a responsabilidade pelo atraso para o Estado ou para o governo federal.
Outro lado
Questionado pela Contas Abertas, o Ministério da Integração Nacional se limitou a dizer que o programa Gestão de Riscos e Resposta a Desastres engloba ações da Pasta, mas o grande volume de obras e ações de Prevenção de Risco é realizado pelo Ministério das Cidades.
Os investimentos da Integração em áreas de prevenção estão ligados às ações de orientação e capacitação de agentes de defesa civil, que englobam os simulados e cursos, a regulamentação das disciplinas legais, além da preparação das áreas com pré-disposição para desastres, como por exemplo, a instalação de sistemas de alertas, compostos por sirenes e pluviômetros, em áreas de riscos.
O Ministério informou que foram investidos R$ 460 milhões do Governo Federal para 43 obras de prevenção de risco desde 2012. Do total de obras, 29 estão em execução, cinco concluídas e nove em elaboração de projetos.
Os investimentos da Integração em áreas de prevenção estão ligados às ações de orientação e capacitação de agentes de defesa civil, que englobam os simulados e cursos, a regulamentação das disciplinas legais, além da preparação das áreas com pré-disposição para desastres, como por exemplo, a instalação de sistemas de alertas, compostos por sirenes e pluviômetros, em áreas de riscos.
O Ministério informou que foram investidos R$ 460 milhões do Governo Federal para 43 obras de prevenção de risco desde 2012. Do total de obras, 29 estão em execução, cinco concluídas e nove em elaboração de projetos.