segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Infraero gasta R$ 50 milhões ao mês com trabalhadores excedentes

Mariana Barbosa - Folha de São Paulo


De empresa lucrativa, que chegou a dar lucro anual de R$ 1 bilhão para o governo, a Infraero hoje acumula prejuízos. O problema está na dificuldade da estatal em promover demissões. Acordo trabalhista selado na época das primeiras concessões garantiu uma série de benefícios e estabilidade e só 1.038 funcionários de seis aeroportos aceitaram ser transferidos para os consórcios privados.

O problema vai se agravar com as novas concessões e elevará o excedente para cerca de 4.000 funcionários.

A estatal, que hoje tem 12,6 mil pessoas, não tem dinheiro para realizar demissões das 2.000 que aderiram a um plano voluntário. O custo mensal da folha de pagamento desses optantes é de R$ 50 milhões. "Precisamos de R$ 700 milhões", diz o presidente da Infraero, Gustavo do Vale, em entrevista. "Mas isso é investimento. Em 18 meses eu recupero."
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Folha - A Infraero já foi uma empresa lucrativa e hoje está no vermelho. Como equilibrar as contas sem os aeroportos mais rentáveis?
Gustavo do Vale - Precisamos fazer nosso plano de demissão voluntaria. É a única forma de equilibrar já que 72% da minha despesa é pessoal. Chegamos a dar lucro de R$ 1 bilhão (2012). Neste ano, estamos prevendo um deficit financeiro de R$ 450 milhões e um prejuízo operacional de R$ 352 milhões. Perdemos 58% das receitas com as concessões, mas os custos caíram só 17%.

ESPECIAL: AEROPORTOS
Plano de concessões está mudando a cara dos aeroportos nacionais
Aeroporto
Isso esbarra no acordo trabalhista, que garantiu estabilidade?
Sendo realista, empresa pública não tem tradição de sair demitindo pessoas. O problema não é o acordo. Se você demitir, volta todo o mundo. Apesar de ser CLT, a Justiça entende que concursado tem estabilidade.

Quantos funcionários a empresa tem hoje? E qual o tamanho ideal em termos de pessoal?
Com o novo leilão [menos quatro aeroportos], podemos funcionar com 8,8 mil. Tínhamos 13,6 mil antes das concessões e hoje somos 12,6 mil. Já optaram pelo plano de demissão 2.000, mas falta dinheiro para demitir.

Quanto custa?
São R$ 700 milhões.

Tem que pedir para o [ministro Joaquim] Levy?
Sim. Mas isso é investimento. Em 18 meses eu recupero tudo isso. O custo mensal com salário desse pessoal, só dos optantes, é R$ 50 milhões.

Há relatos de pessoas dividindo mesa, de gente sem função.
Chegou a haver no passado isso que você está falando, pois houve certo acúmulo no Rio e em São Paulo. Mas não tem ninguém em casa. Conseguimos transferir muita gente para outras bases. Não admitimos ninguém desde que começou a concessão e sempre há aqueles que se aposentam.

O plano de abertura de capital segue em andamento? Qual a previsão?
Essa discussão está na SAC (Secretaria de Aviação Civil). Há algumas opções em estudo: criar a Infraero Participações, que será dona de 49% dos cinco aeroportos concedidos e abrir seu capital; ou também abrir o capital de algum aeroporto lucrativo passível de andar sozinho.

Congonhas e Santos Dumont?
Por exemplo. Mas não há decisão a respeito.

E como fica a Infraero sem as participações?
O plano de reestruturação prevê ainda a criação da Infraero Serviços, que vai prestar serviços aeroportuários para os aeroportos em geral, principalmente os regionais, e não terá funcionários próprios. Vai contratar os da Infraero e é uma forma de acomodar muita gente.
Haverá ainda uma terceira empresa, a Infraero Navegação, que vai receber pelo serviço de navegação aérea prestado para a Aeronáutica. Hoje a Infraero é responsável por um terço da navegação aérea no país, mas só fica com 8% das receitas. Quero cobrir meus custos.

Qual deve ser a fatia da Infraero nas novas concessões?
Essa é uma decisão de governo. Na minha opinião, a participação pode ser zero. Não precisa mais dos 49%, pois não é mais necessária a presença do Estado de forma tão forte.
Nos primeiros aeroportos, o nível de investimento era muito alto e houve uma divisão das responsabilidades. Mas, nos próximos quatro, não há essa necessidade e muito menos na velocidade pesada que se tinha com a Copa. Talvez não precise tirar tudo. Pode ser algo simbólico para dar segurança para um investidor estrangeiro.

Como a crise afeta a Infraero?
Tem gente pedindo para fechar loja e também para renegociar o valor de aluguel. Devemos ver uma queda de 5% a 10% neste ano de receita comercial.

E os investimentos?
Nossa previsão de investimentos era de R$ 1,6 bilhão, mas, como todos, com o contingenciamento sofremos um corte de 50%. Estamos nos virando com o que sobrou. Investimentos menos urgentes ficam para o ano que vem.
Resolvemos a maior parte dos problemas com a Copa, mas ainda há gargalos importantes que ficamos devendo. A ampliação do pátio do Santos Dumont será entregue até o final do ano. O pátio de Goiana está bem adiantado também. E o terminal novo de Curitiba está quase pronto.
O que a Infraero tem aprendido com os privados em termos de gestão?
Estamos aprendendo muito. Passamos a ter uma visão mais atual, de comércio de shopping, com receita de venda variável, não apenas de aluguel. Ainda temos que fazer licitação, mas direcionamos as áreas para serviços em que há carência, fazendo um mix para ir ao encontro do que o cliente quer.
O público do aeroporto não é só o passageiro. Tem uma clientela das cidades. Antes 40% das nossas receitas eram comercial e o resto operacional. Hoje já é 50%. A intenção é chegar a 60% em três a quatro anos. Já no lado operacional, não é por falta de modéstia, não devemos nada a eles.

Os governadores de três Estados do Nordeste (PE, RN e CE) estão empenhados em atrair um novo centro de distribuição de voos da TAM, que anunciou uma espécie de concorrência. O que o sr. vai fazer para que a escolha fique na rede Infraero?
Estamos dando todas as informações possíveis para a TAM, mas não posso assumir compromisso em relação a Fortaleza, pois o aeroporto vai ser concedido. Minha autonomia é Recife. Vamos fazer o que a TAM pedir.
Há também os trabalhos dos governadores, e aí a questão do ICMS do combustível vai ser crucial. Mas, do ponto de vista da infraestrutura, podemos trabalhar em tudo o que for necessário, incluindo um terminal exclusivo para a TAM.
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  • IMPACTO DA CONCESSÃO NAS CONTAS DA INFRAERO
Receita58% das receitas foram perdidas na concessão
Despesa17% das despesas foram reduzidas

Funcionários12,6 mil. Seria necessário eliminar 2.500 postos de trabalho para encontrar o equilíbrio financeiro

Investimentos previstos para 2015: R$ 1,6 bilhão. Apenas 27,9% foram realizados até abril de 2015

Investimentos realizados em 2014: R$ 2,18 bilhão, sendo R$ 1,42bilhão em obras e equipamentos e R$ 760,3 milhões em aportes de capital nas concessionárias dos aeroportos de Brasília, Campinas, Confins e Galeão

Operação60 aeroportos
Movimento de aeronaves2,2 milhões de pousos e decolagens
Passageiros131,6 milhões de passageiros (embarque + desembarque)
Carga aérea477,7 mil toneladas
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  • RAIO-X INFRAERO/2014
Receita bruta: R$ 2,99 bilhões
Prejuízo líquido (antes dos investimentos para União): R$ 886,5 milhões